Assassinato do Glauco: Loucura, Drogas e Religião

Eu já não via muita graça nas tirinhas diárias do Glauco; para mim apenas suas charges políticas conseguiam manter humor e inteligência. No entanto, seu personagem mais famoso, o Geraldão, acabou por se tornar um símbolo de quem viria a matá-lo.

Retratado segurando bebida, cigarro e com múltiplas seringas pelo corpo, Geraldão encarnava o homem que, escravo de suas compulsões, tinha as possibilidades da vida esvaziadas: não trabalhava, morava com a mãe, solteiro, ressentia-se de ainda ser virgem. Nada construíra na vida. Esse estado lastimável ser mostrado pela via da comédia não reduzia a acidez da crítica.

O homem acusado de matá-lo, ao que consta, ironicamente tem uma vida parecida: não trabalha, não estuda e tem dificuldade em deixar o vício da cocaína; a procura pela religião da qual Glauco era bispo supostamente foi motivada pela tentativa de parar com a droga.

Um problema adicional emerge aqui: declarações do irmão do acusado dão conta que ele teria entrado em surto após o uso do chá de Ayahuasca. Pode não ter sido exatamente assim, mas é sabido que as substâncias presentes no chá têm o risco de induzir quadros psicóticos, ainda que na maioria dos casos transitórios (I). Seu uso importado de ritos indígenas pelas regiões urbanas em seitas sincréticas ainda carece de uma melhor compreensão quanto aos seus riscos, já que é outro o contexto original da bebida e outras as demandas que movem os que a utilizam (II).

Independentemente da causa, se o assassino estava de fato psicótico, dizendo-se Jesus Cristo e com comportamento alterado, como foi descrito, provavelmente será considerado inimputável pela lei: o Código Penal diz que os transtornos mentais, se alterarem o entendimento ou autocontrole do indivíduo, isentam-no de pena; esta é substituída por “medida de segurança”, usualmente tratamento compulsório ambulatorial ou sob internação. Há quem considere isso injusto, pois quem usa drogas não pode ter nisso uma desculpa para seus atos. Verdade. Mas muitas vezes a história não é tão simples: algumas pessoas simplesmente não conseguem evitar a utilização das drogas, sendo consideradas doentes. Se tais substâncias – usadas por incontrolável compulsão – induzirem em alguém um estado psicótico, dificilmente tal sujeito será responsabilizado, ao menos totalmente, por seus atos (III).

Há três questões envolvidas nesse caso muito mais complexas do que parecem à primeira vista. O uso do chá toca no ponto liberdade de culto versus liberação de drogas (ainda que rituais); a busca pela religião, por sua vez, envolve o problema do tratamento extramedicinal da dependência química; e o fato de o assassino estar psicótico levanta o dilema da responsabilidade penal dos drogaditos.

Independente dos desdobramentos futuros, contudo, fica o lamento. Por todos, pois o desfecho trágico mostra que dos dois lados as vidas foram roubadas.

Fonte: Psiquiatria e Sociedade

Nota do Blog: O Irmão do Cadu, como bem citado acima, disse em entrevistas para os telejornais que o irmão vinha consumindo a tal da ayahuasca quase todos os dias, além de outras drogas e que na noite dos assassinatos ele possivelmente teria entrado em surto após o consumo do chá de Ayahuasca, a qual não poderia ser ministrada para pessoas com problemas mentais e viciadas em drogas. Bom, liberaram o uso desse cházinho alucinógeno para fins religiosos, e PASMEM, qualquer um que quiser experimentar essa droga legalizada, encontra facilmente a receitinha passo a passo no Youtube, vídeo sob o título Santo Daime – Como fazer sua própria ayahuasca. Como diz o cara do vídeo saiba como fazer uma excelente ayahuasca, sem ter que pagar caro por ela ! Ou seja, o chá alucinógeno que foi liberado somente para uso em rituais religiosos está aí disponível para qualquer um se entorpecer e se já tiver problemas com drogas ou problemas mentais surtar com ela e quem sabe sair por aí fazendo mais vítimas ! A tal religião que recomenda o uso do santo chá alucinógeno ainda diz ser cristã.

Reproduzo aqui trechos da matéria do jornalista da Veja Reinaldo Azevedo:

“Há dois líquidos que podem fazer parte de narrativas cristãs: água e vinho. Fora disso, é invenção sem lastro histórico. A liberdade de expressão garante que as pessoas chamem o que bem entenderem de “cristianismo”. Um mínimo de rigor dirá que afirmar que o daime é uma “doutrina cristã” é uma bobagem.

E agora falarei um pouco da patrulha. Cada um, reitero, chame de “cristão” o que bem entender. Eu me dou o direito de discordar. Não custa lembrar que o nome da igreja de Glauco,  ”Céu de Maria”, não é exatamente uma homenagem à mãe do Cristo, à Imaculada. Segundo apurei — e parece ser notório —, é uma referência à “Santa Maria”, nome como é conhecida a maconha para, vá lá, uso ritualístico. Sua igreja pertencia a uma dissidência que passou a incorporar essa erva nas cerimônias: como, em que condições e para quem, bem, isso, confesso, não sei nem me interessa.

Na Internet, há um intenso debate sobre distorções a que o daime original teria sido submetido. Confesso que acho esse debate aborrecido porque fica parecendo uma guerrinha de religiões. O que acho preocupante, aí sim — e se torna um assunto de saúde pública —, é que substâncias psicoativas sejam usadas em cerimônias religiosas, eventualmente atraente a jovens, sem, parece-me, uma abordagem criteriosa.

Não é segredo para ninguém que o daime está atraindo viciados em drogas, que encontrariam nos cultos — e os jornais andaram publicando testemunhos — uma chance de se livrar do vício. Durante um bom tempo, a religião ficou restrita a um círculo de iniciados. Passou pela fase da glamorização, com a adesão de artistas e de descolados (seria a nossa “cientologia do cipó?”), e está começando a se popularizar. Segundo o testemunho de uma fotógrafa, publicado naFolha, administra-se a bebida também a bebês em cerimônias de batismo.

Não vou debater a metafísica do daime e seu impressionante sincretismo. O que acho preocupante nessa história não é o alcance teórico da teologia, mas a ainda ignorância do alcance químico desta particularíssima eucaristia.

E só para encerrar: não estou satanizando pessoas ou religiões. Estou exercendo o meu direito de expor estranhamentos. Acho que eles colaboram para que a morte de Glauco e a de Raoni não terminem sem culpados.

….

Abaixo, comentário de internauta ao artigo do jornalista Reinaldo Azevedo:

“Há um artigo do Olavo de Cravalho que talvez lance alguma luz em caso tão estranho. O Olavo fala do efeito devastador para a cultura ocidental resultante da ascensão do pessoal infectado pela contracultura(quem viveu nas décadas de 60 e 70 sabe do que se trata) ao núcleo do poder.Pois bem, a trinca do inferno,Glauco,Angeli e Laerte,representa o ápice de influência da contracultura na grande imprensa.O que estes três caras fizeram não está no gibi em termos de devastação da moral e cultura profundas/tradicionais.Eles demoliram todos os valores, mas com uma certa graça(detesto os três,confesso).E quando os valores morais estão aos cacos…tudo é possível(Dostoievski), inclusive a incensação de pseudo religiões,como a do Santo Daime.Isto não explica tudo,mas traz algum esclarecimento sobre um fenômeno bem mais complexo do que parece à primeira vista. O que vimos até agora é só a ponta do iceberg.”

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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