Teria Deus se valido do expediente da mentira?

Uma vez que Deus abomina a mentira, como é que Ele pôs um espírito mentiroso na boca dos profetas do rei Acabe? Como entender o relato de 1 Reis 22:19-23?

Jesus foi claro quando disse que Satanás é o “pai da mentira” (Jo 8:44). Assim, Deus nada tem que ver com a mentira, “pois não é homem, para que minta” (Nm 23:19). No entanto, Micaías, profeta de Deus, parece contradizer essa verdade ao dizer ao rei Acabe “que o Senhor pôs o espírito mentiroso na boca de todos esses teus profetas e o Senhor falou o que é mau contra ti” (1Rs 22:23). Uma vez que a Bíblia não se contradiz, como entender esse verso bíblico?

Algo que ajuda na compreensão do verso em questão é ver como os israelitas entendiam a questão da soberania divina – sendo que tudo o que acontece está sob controle divino, e visto ser Deus onipotente, quando Ele permite que algo aconteça é como se Ele o tivesse feito. Ou seja, Deus acaba sendo responsabilizado por aquilo que permite acontecer. A permissão divina é interpretada como a causadora do evento. Eis alguns exemplos que demonstram essa maneira de encarar a soberania divina:

1. Em Êxodo 4:21 e 7:3 Deus diz que endureceria o coração de Faraó para que este não libertasse os israelitas da escravidão; e em 10:1, 20 é dito que o Senhor fez isso. Mas outros versos no mesmo livro do Êxodo dizem que foi Faraó mesmo quem endureceu o coração (7:13; 8:15, 32; 9:34; confi ra ainda 1 Samuel 6:6). Deus apenas permitiu que
Faraó se endurecesse.

2. Em 1 Samuel 18:10 é dito que “um espírito maligno, da parte de Deus, se apossou de Saul” (cf. 16:15). Na verdade, Deus apenas permitiu que um espírito maligno se apossasse de Saul, quando retirou desse rei Sua proteção.

3. Em 2 Samuel 24:1 é dito que o Senhor incitou Davi a levantar o censo de Israel e Judá, quando, na verdade, apenas deixou que o orgulhoso e envaidecido Davi levasse avante seu plano de saber quão numeroso era seu exército. 1 Crônicas 21:1 deixa bem claro que foi Satanás quem incitou Davi a realizar aquele censo. Mas, por ter permitido que Davi contasse seus guerreiros, foi como se Deus mesmo incitasse Davi a realizar aquela contagem.

O diálogo entre o profeta Micaías e o rei Acabe (1Rs 22:19-23) é similar aos três casos mencionados. Esse ímpio rei não queria ouvir a verdade (daí não ter primeiramente chamado Micaías, o profeta do Senhor). O rei queria ouvir da boca de seus profetas palavras lisonjeiras de que ele seria bem-sucedido na guerra contra os sírios, em sua luta por recuperar para Israel a cidade de Ramote-Gileade (1Rs 22:3). E, como o rei estava obstinado em ouvir somente aquilo que exaltava seu ego, Deus permitiu que Satanás falasse pela boca daqueles profetas. E como não impediu que o demônio enganasse Acabe, foi como se Deus mesmo fosse o causador daquele engano. Onde se lê que “o Senhor pôs o espírito mentiroso na boca de todos estes teus profetas”, leia-se que o Senhor permitiu que o espírito mentiroso falasse através de todos aqueles falsos profetas.

Em conclusão, devemos entender que, quando é dito que o Senhor “fez” alguma coisa que não condiz com Seu caráter, isso deve ser compreendido como o Senhor “permitiu”.

A lição que fica do episódio da vontade do rei Acabe de ouvir somente palavras lisonjeiras, bem como da obstinação de Faraó em não conceder liberdade aos israelitas, da ideia fixa de Saul em matar Davi e da teimosia do próprio Davi em levar avante seu plano de realizar o censo de todos os seus guerreiros, é que Deus não interfere no livre-arbítrio concedido ao ser humano. Por respeitar-lhe a liberdade, Ele o deixa ir avante com seus planos, mesmo que estes estejam contra a Sua vontade. No entanto, não o livrará das consequências: Acabe morreu flechado na batalha de Ramote-Gileade. Faraó teve seu país atingido por dez pragas, sendo a última a morte de todos os primogênitos, incluindo o dele. Saul, sem a ajuda de Deus e de seu hábil
guerreiro Davi, perdeu a vida na batalha contra os filisteus. E o censo levantado por Davi acarretou a morte de setenta mil israelitas. Em todos esses casos, foi demonstrada a verdade de que “aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6:7).

Por Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho. Publicado na RA de Ago/2011.

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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