Resolvemos separar aqui algumas das razões pelas quais acreditamos que o sétimo dia da semana, o sábado, deve ser guardado pelos cristãos. Como o leitor deve saber, os integrantes dessa página são cristãos da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Assim cremos que Deus instituiu o sábado para que descansássemos de nossas tarefas seculares ordinárias e focássemos em atividades espirituais. Esse texto (que será dividido em três partes) pretende elucidar melhor em que nos baseamos para crer que o sábado permanece sendo uma instituição divina válida para os nossos dias e para todos os cristãos.
Razão 1: Instituição Pré-Queda
O sábado foi instituído como dia santo por Deus muito antes de existir Israel, as Tábuas da Lei com os Dez Mandamentos, Moisés, as 12 Tribos, Jacó, Isaque e Abraão. Foi instituído antes mesmo de existir pecado no mundo, já no início da criação. Isso significa que o sábado não é uma lei cerimonial mosaica ou abraâmica instituída com a única finalidade de prefigurar a vinda e o sacrifício de Cristo. Este dia nada tem a ver, originalmente, com a redenção do ser humano, mas sim com a necessidade de descanso espiritual e de rememoração de Deus como Criador. Não é, portanto, uma instituição do mesmo tipo do sacrifício de animais para a remissão de pecados, da circuncisão de meninos ou das festas/feriados judaicos da lei mosaica. O sábado é anterior a tudo isso e foi instituído para outra finalidade.
O texto de Gênesis 2:1-3 afirma: “Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera”.
Perceba: o texto afirma que Deus santificou esse dia. A palavra santificar significa “tornar santo”. E “santo” quer dizer separado, distinto. Ou seja, Deus separou o sétimo dia dos demais, tornou-o diferente. Também o abençoou, ressaltando que esse dia não é comum, mas especial. Alguns têm sustentado que Deus abençoou e santificou apenas aquele sétimo dia em específico, por ter sido o dia em que Ele descansou da obra que fizera. Outros ainda afirmam que Deus abençoou e santificou o dia apenas para Ele. Os dois grupos deduzem dessas visões, portanto, que não houve ali, naquele momento a instituição do sábado como mandamento para os homens, o que viria a ocorrer apenas na era mosaica. Assim, o mandamento do sábado seria posterior ao pecado e uma lei cerimonial mosaica.
Esse pensamento não faz sentido. A Bíblia afirma que o Sábado foi feito por causa do homem (Mc 2:27). E isso é lógico. Deus não se cansa, física, mental ou espiritualmente. Ele não precisa de uma pausa no tempo para se dedicar mais às coisas espirituais. O sábado, portanto, não é uma instituição que Deus criou para si mesmo, por necessidade ou para mero benefício próprio. Assim, quando Deus torna distinto o sétimo dia, não o torna distinto para Ele, mas para nós. E quando torna o sábado abençoado é também para nós que Ele o faz.
Ademais, fica claro que o mandamento dado a Moisés, nas Tábuas da Lei séculos depois fazia referência à instituição desse dia como santo já no início da criação. É o que diz o mandamento. O homem deveria separar esse dia porque Deus o separou. E Deus não o separou para si, mas para nós. Então, não há dúvidas que a instituição do sábado se deu no Éden.
Sempre é interessante refletir: se Deus santificou o sábado antes do pecado, em um mundo perfeito, era plano dEle que o guardássemos em um mundo perfeito para sempre. Se o ser humano não tivesse caído, a santificação desse dia permaneceria ocorrendo sem qualquer interrupção. Portanto, a ideia corrente de que o sacrifício de Cristo cravou na cruz também a instituição do sábado não faz sentido. Da mesma forma como não faria sentido dizer que o casamento, também uma instituição divina anterior ao pecado, foi cravado na cruz por Cristo. Tanto o sábado quanto o casamento não foram instituídos com a função primordial de representar algum aspecto da redenção. Cada uma dessas instituições possui outra função simbólica original. Assim, o sacrifício de Cristo na cruz não as torna nula, sem validade, sem função. Seus objetivos originais permanecem intactos.
Ora, tal como o ser humano sempre precisou de alimento (mesmo quando era perfeito, no princípio da criação), também sempre precisou de descanso espiritual e mental. Em nosso mundo caído isso talvez seja mais aparente, já que o pecado, o sofrimento, o afastamento de Deus e nossas limitações físicas se constituem grandes motivos de desgaste diário. Mas a instituição do sábado antes do pecado demonstra que mesmo um homem perfeito, em um ambiente perfeito, poderia desviar seu foco do Deus vivo. Até as coisas boas podem nos tirar atenção e tempo. O que é criatura pode tomar o lugar do Criador em nossas vidas (Rm 1:25). O sábado provê uma proteção muito eficaz contra isso, levando a criatura a um encontro semanal mais intimo com o Criador.
Isso nos mostra o quanto apenas em Deus, na Sua vontade e na Sua sabedoria estamos seguros. Os perfeitos Adão e Eva caíram no Éden. Boa parte dos perfeitos anjos caíram no Céu. O perfeito Lúcifer, sem que mal algum houvesse no universo, corrompeu-se. Qualquer criatura, por mais perfeita que seja, pode desviar seus olhos de Deus. Assim, se Deus julgou importante que separássemos o sétimo dia para Ele, antes até do pecado entrar no mundo, é porque mesmo sem pecado precisávamos desse descanso espiritual/mental das coisas ordinárias, desse volver os olhos para o extraordinário, desse encontro mais íntimo com o Criador.
Se isso era necessário antes do pecado, muito mais hoje, com a correria do dia-a-dia, as preocupações, a ansiedade, as pressões do mundo, as tentações, o erro e o desgaste ao qual nosso interior está exposto nessa esfera destrutiva da Terra. Esse descanso semanal torna-se um Oásis no meio do deserto, um posto para recarregar as baterias. Sem dúvida, um dia ímpar e necessário. Assim, a morte de Jesus Cristo na cruz não torna o sábado inútil, não tira dele sua função primordial, não chega nem perto de retirar a sua importância para o ser humano.
Razão 2: Um Mandamento do Decálogo
O sábado foi incluído por Deus no Decálogo (os Dez Mandamentos). A distinção de importância feita pelo próprio Deus entre os mandamentos contidos no Decálogo e as demais leis é evidente na Bíblia. Deus entregou os dez mandamentos a Moisés separados dos outros, em tábuas de pedra, escritas por seu próprio dedo; e a ocasião dessa entrega foi extremamente solene (Êxodo 19 e 20). Quando Moisés desce do monte Sinai com as tábuas da lei e vê a idolatria do povo, ele quebra as tábuas em um momento de ira (Êxodo 32:15-20). Deus, então, manda que o líder do povo hebreu faça novas tábuas de pedra e torna a escrever os mesmos dez mandamentos com o seu próprio dedo (Êxodo 34:1-4, 28-29). As tábuas são mantidas durante séculos no interior da Arca da Aliança, que ficava no interior do santuário hebreu.
Ora, sabemos por intermédio do livro bíblico Epístola aos Hebreus que o santuário hebreu fora construído com base num modelo de santuário que se encontra no céu, o santuário verdadeiro (Hb 8:1-5, 9:11-12 e 23-25). É natural concluir que no santuário verdadeiro, o celeste, há também uma arca da aliança contendo algo que simbolize os dez mandamentos. Afinal, o santuário terrestre é uma réplica do celestial. Curiosamente, em Apocalipse 11:19, há uma visão de João que descreve o santuário celestial e a abertura da arca da aliança. Isso confirma parte de nossa dedução e fortalece a ideia de que na Arca verdadeira existe algo que simboliza o decálogo.
Pela lógica entendemos porque o Senhor deu destaque a esses mandamentos. Eles são preceitos de cunho moral e que possuem utilidade em qualquer tempo e lugar desta terra. É por isso que muitos teólogos consideram o decálogo como imutável. Ele expressa a norma de conduta de Deus para o ser humano, seja na relação com o divino, seja na relação com as demais criaturas. E as evidências disso em toda a Bíblia são numerosas. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, os mandamentos do Decálogo são muito mais mencionados e enfatizados que as leis de cunho cerimonial ou civil. Deus rotineiramente se irrita com seu povo hebreu não por falhas cerimoniais ou por mudanças no código civil, mas sim por desvios morais – os quais sempre são transgressões justamente do Decálogo. No Novo Testamento, há diversas menções a trechos do Decálogo e exortações para que seus mandamentos sejam cumpridos. Os ensinos morais de Jesus, todos, se coadunam com o Decálogo, chegando ele mesmo a mencionar alguns de seus trechos. A importância e a distinção dos Dez Mandamentos, portanto, é irrefutável.
Uma vez que eles são vistos como um conjunto de leis morais imutáveis, úteis, distintas das demais e, evidentemente, como um todo, não faz sentido supor que uma delas tenha sido abolida. O apóstolo Tiago, ao discursar sobre leis morais da Bíblia, menciona dois mandamentos do Decálogo e afirma de maneira categórica que “qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse: ‘Não adulterarás’ também ordenou: ‘Não matarás’. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei” (Tiago 2:10-11). Se isso vale para esses dois mandamentos do decálogo, por que não vale para os demais? O exemplo dado por Tiago é claro e, baseado nele, podemos dizer: “Se não desonras a teus pais, porém quebras o sábado, vens a ser transgressor da lei”.
Isso é tão evidente que na maior parte da história cristã o pensamento principal a respeito desse assunto não foi o de abolição do mandamento sabático, mas a sua modificação. A cristandade, em geral, quase sempre entendeu que o mandamento permanece, tendo sido mudado apenas o dia de guarda – o sábado para o primeiro dia da semana (o “domingo”). A própria história, portanto, evidencia que a compreensão mais natural, lógica e bíblica, aceita desde os primeiros séculos é que a morte de Jesus não aboliu o mandamento sabático do decálogo.
Razão 3: O domingo não é santo
A ideia, no entanto, de que Jesus modificou o dia de guarda do sábado para o domingo carece de base bíblica. Nenhum texto do Novo Testamento afirma que o primeiro dia da semana se tornou santo e substituiu o sábado. Todas as passagens bíblicas que mencionam o primeiro dia da semana falam dele apenas como um dia qualquer. O fato de Jesus ter ressuscitado neste dia não nos oferece razão lógica para deduzir que Cristo instituiu essa modificação. Se formos transpor isso para um argumento lógico formal, em forma de silogismo, veremos que não há sentido na dedução. Um argumento formal, para ser válido, requer que a conclusão se siga das premissas. Se isso não ocorre, não temos um argumento lógico. Exemplo:
A) Maria só compra pão quando sai de casa;
B) Maria comprou pão;
C) Logo, Maria saiu de casa.
Outro exemplo:
A) Na casa de José só mora gente gorda;
B) Maria mora na casa de José;
C) Logo, Maria é gorda.
A conclusão segue das premissas dadas. Logo, o argumento é válido. Para saber se um argumento válido e verdadeiro, basta provar que as premissas sejam corretas. Se elas são corretas, a conclusão também é. Isso é um silogismo. Agora, veja o argumento de que Jesus mudou o dia de guarda:
A) O sábado foi instituído por Deus como dia santo semanal de descanso espiritual;
B) Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana;
C) Logo, Jesus mudou o dia de guarda.
Percebe que o argumento não faz sentido? A conclusão simplesmente não se segue das premissas. As premissas dizem uma coisa e a conclusão diz outra. Simplesmente não há como se deduzir que Jesus modificou o dia de guarda apenas porque ressuscitou no primeiro dia. Por mais que esse evento seja maravilhoso, não há uma relação direta entre as duas coisas. A não ser que Jesus dissesse que por conta de sua ressurreição estava mudando o dia de guarda, não há como concluir isso. O argumento, portanto, não é logicamente válido.
A mudança do dia de guarda se dá por meio de tradição humana e não por mandamento bíblico. Essa tradição provavelmente começa a se infiltrar no cristianismo entre o fim do primeiro século e início do segundo, quando todos os discípulos já tinham morrido e a separação entre o cristianismo e o judaísmo já era plena havia algumas décadas. Os novos cristãos passaram a postular que o primeiro dia da semana era superior ao sétimo por uma série de razões, dentre as quais se encontra o fato de que Jesus ressuscitou nesse dia.
O principal fator motivador, no entanto, era que o novo dia possuía a capacidade de marcar maior distinção entre judeus e cristãos, reforçando a ideia conveniente de que se tratavam de duas religiões distintas. O gradual distanciamento entre o cristianismo e o judaísmo (iniciado ainda no primeiro século) criou as condições para que uma nova teologia sabática surgisse.
Ao fim do primeiro século os cristãos já não tinham mais nenhum contato com sinagogas e a cultura judaica. Consolidou-se efetivamente uma divisão e o cristianismo já não era mais visto, nem mais se via, como fazendo parte do judaísmo. Estavam abertas as portas para mutações em sua teologia em busca de uma identidade própria, desconectada o tanto quanto possível de suas raízes judaicas. Ainda assim, durante os próximos três séculos diversos grupos de cristãos continuaram santificando o sábado e outros, tanto o sábado quanto o domingo [1].
Razão 4: Unidade entre Antigo e Novo Testamento
O Sábado é uma instituição imprescindível para manter a unidade, no campo simbólico, entre Deus no Antigo Testamento e Deus no Novo Testamento. Não temos dois deuses diferentes na Bíblia. O mesmo Deus Criador que aparece no AT é também o Deus Criador, Redentor e Consolador que aparece no Novo. Uma vez que o sábado não está ligado originalmente à leis cerimoniais mosaicas, mas sim ao memorial da criação e de Deus como O Criador, então a modificação desse dia equivale, no campo simbólico, a uma distinção entre Deus no AT e Deus no NT; como se fossem dois deuses e não apenas um; como se o Deus do NT não fosse também o Criador.
Isso se torna mais visível quando lembramos que no mundo politeísta os deuses costumavam a ter o seu próprio dia. Isso é provavelmente uma derivação/distorção do monoteísmo primitivo (uma leitura na obra “O Fator Melquisedeque” oferece uma visão mais ampla sobre isso). Assim o dia acabava sendo um forte sinal indicativo de determinada divindade. É certo que pelo número enorme de divindades em todas as nações, certamente havia vários deuses cujo dia era sábado. Entretanto, apenas Yahweh possuía um dia tão santo que levava seus seguidores a pararem suas atividades por completo e focarem nele. Então, o sábado marcava bem uma distinção entre o Deus Criador e os demais deuses, tal como entre seus seguidores e os politeístas. A modificação do dia de sábado, portanto, quebra com essa identidade, como se no Novo Testamento passássemos a adorar outro deus.
Razão 5: Há outros símbolos para a ressurreição
A santidade do domingo não é necessária para se honrar adequadamente a ressurreição de Cristo. Embora alguns argumentem que o primeiro dia da semana se reveste de santidade em função da ressurreição, o fato é que Cristo instituiu outros dois símbolos que nos remetem à ressurreição: o Batismo e a Ceia (I Co 11:24-26 e Rm 6:1-6). O Batismo simboliza a morte de nosso velho homem e o nascer de novo, o que quer dizer que morremos e ressuscitamos espiritualmente em Cristo. E isso só nos é possível porque Cristo morreu e ressuscitou literalmente por nós. Já a Ceia simboliza também a morte de Cristo e o seu sacrifício como nossa salvação. Jesus nos ordenou que tomemos dela até que ele volte, o que significa que Ele vive e que, portanto, ressuscitou.
Nessas duas instituições, toda a obra de Jesus Cristo por nós – sua morte, ressurreição, remissão de pecados e retorno para nos buscar – é representada e rememorada. Não é o domingo que possui essa função, segundo a Bíblia. E, substituir o sábado pelo domingo é algo desprovido de sentido, já que o novo dia estaria suplantando o dia que remete a Deus como Criador.
Razão 6: Deus como O Criador
A identificação de Deus como O Criador é muito cara à Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Há pelo menos 12 passagens em que Deus é identificado e/ou distinguido dos falsos deuses com palavras semelhantes a essa: “O Deus que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há”. Destacamos aqui as passagens: Gênesis 2:1-3; II Crônicas 2:11-12; Jonas 1:8-10; Salmo 115:15; Salmo 121:2; Salmo 124:8; Salmo 134:3; Salmo 146:5-6; Atos 4:24-27; Atos 14:15; Atos 17:23-24; Apocalipse 14:6-7. Os termos são muito semelhantes aos que são utilizados em Êxodo 20:8-11. Por uma razão simples: o melhor símbolo de Deus como Criador é justamente o sábado, já que ele é o dia de descanso que coroa a criação. Não há como guardar o sábado sem se lembrar imediatamente que Deus criou o mundo. Este fato está embutido na razão pela qual Deus ordena que se guarde esse dia: “Porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou” (Êxodo 20:11).
Razão 7: Universalidade do Sábado
O sábado jamais foi só para os israelitas. Ele não só foi criado antes que houvesse o povo de Israel como, durante a aliança de Deus com os israelitas, os gentios eram convidados a se achegar a Deus crendo nEle (evidentemente), não praticando o que era mau e guardando o Sábado (Isaías 56:1-8). Assim, Deus não enxergava o sábado como uma instituição judaica, mas como um dia a ser guardado por todos aqueles que queriam se achegar a Ele.
Razão 8: Jesus não “trabalhava” no Sábado
Jesus jamais transgrediu o sábado, como se alega. É comum que se use o texto de João 5:17-18 para sustentar isso. A interpretação não só é rasa como herética. Qualquer teólogo sério, não sabatista mesmo, concordaria conosco. Afinal, a Bíblia diz que Jesus foi perfeito aqui na terra. Ele se tornou apto a ser nosso substituto justamente por ter sido inerrante em todo o cumprimento da lei, incluindo tudo o que a Antiga Aliança exigia de um judeu (Gl 4:4-5, Hb 4:14-15, Hb 5:7-10 e Hb 7:26-27). Assim sendo, ele não só foi moralmente impecável, como também se submeteu à circuncisão, participou das festas judaicas, comeu os pães asmos e etc. Sustentar que Jesus tenha quebrado algum mandamento durante sua vida na terra é ignorar o claro ensino das Escrituras sobre sua perfeição; é dizer que Jesus não cumpriu toda a lei e que, portanto, não se tornou o substituto perfeito do ser humano.
Para citar uma opinião não sabatista, os conhecidos apologistas Norman Geisler e Thomas Howe (que entendem o sábado como uma ordenança abolida após a cruz) afirmam:
“Durante sua vida terrena, Jesus sempre guardou pessoalmente a Lei de Moisés, inclusive oferecendo sacrifícios aos sacerdotes judeus (Mt 8:4), participando das festas judias (Jo 7:10) e comendo o cordeiro pascal (Mt 26:19). De vez em quando ele violava as tradições falsas dos fariseus, que tinham sido levantadas em torno da Lei (cf. Mt 5:43-44), repreendendo-os: ‘Invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa tradição’ (Mt 15:6)” [2].
Como podemos ver, não se trata de uma interpretação sabatista. Felizmente, o texto de João 5:17-18 é claro e não deixa dúvidas: a acusação de quebra do mandamento partia dos líderes religiosos, sobretudo os fariseus. João apenas descreve o que eles alegavam sobre Jesus. Ora, Jesus, por sua vez, faz uso de uma ironia. Já que os fariseus consideravam como trabalho o ato de curar pessoas, Jesus assumiu a “culpa” e completou que, nesse sentido, Deus igualmente trabalha incessantemente.
Os “trabalhos” que o Pai e Jesus desempenhavam no sábado não eram remunerados, egoístas ou seculares. Eram atividades altruístas que expressavam o amor de Deus ao ser humano. O Pai sustentava o universo, mantinha o funcionamento da natureza, apoiava o homem, ouvia orações, protegia e abençoava. Jesus pregava o evangelho, ensinava as Escrituras, curava pessoas e transformava vidas. Haveria alguma lógica em classificar estas atividades altruístas e espirituais como “trabalhos”? É essa a essência do mandamento? A intenção do sábado era que todos ficassem parados? É óbvio que tal interpretação é ridícula. O ensino de Cristo é cristalino: não há qualquer erro em fazer o bem no sábado (Mt 12:12). A instituição do sábado nada tem a ver com uma suposta proibição de ajudar ao próximo. Jesus, portanto, não transgrediu o mandamento.
Razão 9: Jesus não usou sua autoridade para abolir o Sábado
Jesus não anulou a guarda do sábado em Mateus 12:1-14. Mais uma vez esse é um texto em que Jesus confronta os fariseus sobre concepções errôneas em relação ao mandamento do sábado. Os líderes religiosos acusavam os discípulos de Jesus Cristo de transgredirem o sábado porque haviam colhido espigas para comer. Para o farisaísmo, o ato era pecaminoso porque equivalia ao trabalho de colheita. Mas Jesus entendia de outra forma. Seus discípulos estavam com ele em uma obra missionária durante todo o sábado. Sentiram fome e resolveram catar umas espigas para comer. Não se tratava de um trabalho de colheita, no qual se gastaria o dia inteiro e que visaria a negociação e o lucro. Era simplesmente a satisfação de uma necessidade física diária através de um ato simples e rápido, que não atrapalharia em nada a missão e a espiritualidade do dia. Não havia trabalho ali. Era um simples “lanche”.
Jesus contrapõe as alegações farisaicas com exemplos. No primeiro, ele lembra que em certa ocasião Davi e seus soldados estavam famintos e o sacerdote lhes deu os pães da proposição (que só eram lícitos aos sacerdotes). Não houve reprovação de Deus a este ato. A lição de Jesus era que uma lei divina feita em prol do homem não poderia entrar em conflito direto com as próprias necessidades do homem. Se isso valia para uma regra cerimonial, que intentava apenas ser um memorial instrutivo para o ser humano, muito mais para uma lei moral como o sábado. O sábado, sendo uma benção para o homem, não poderia proibir a ele a satisfação da fome, sobretudo em meio a um trabalho espiritual nobre.
No segundo exemplo, Jesus outra vez faz uso de ironia, dizendo que os sacerdotes violavam a lei todos os sábados no templo e ficavam sem culpa. O que Jesus queria dizer é que se a concepção farisaica de “trabalho” estava correta, eles mesmos violavam a lei ao desempenharem suas tarefas religiosas no sábado (o que era o trabalho deles). No entanto, apesar disso, as Escrituras não imputavam culpa a eles. A conclusão é lógica: a concepção deles de trabalho estava errada. Seria um absurdo supor que Deus entendia o serviço religioso como um trabalho e os sacerdotes como violadores do sábado.
No relato de Marcos, Jesus acrescenta que o sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado. Longe de isso significar a abolição do sábado, quer dizer apenas que o sábado foi criado para suprir as necessidades do homem e não o oposto. Impedir seus discípulos de comer era desvirtuar o objetivo do sábado. Ora, a afirmação de Jesus pode ser usada para outras coisas. O carro foi feito por causa do homem e não o homem por causa do carro. O dinheiro foi feito por causa do homem e não o homem por causa do dinheiro. Essas coisas são importantes, mas não devemos colocá-las acima das necessidades e do valor do próprio ser humano, do contrário perdem o sentido.
Finalmente, Jesus termina dizendo que é Senhor do Sábado. Com isso ele não quer dizer, no texto, que mudou as regras porque ele é o dono do dia. Na missão em que Jesus desempenhava, necessitando cumprir com perfeição toda a lei, uma atitude dessa seria errônea – tal como seria errôneo Jesus ceder às tentações de Satanás ao fim dos 40 dias de jejum. Ele tinha poder e autoridade para isso, mas sua missão era agir como um homem perfeito aqui na terra. O que Jesus quis dizer com afirmação foi, sim, que ele sabe bem o que é certo e o que é errado fazer no sábado, já que é o dono do Sábado.
Na segunda parte desse texto, veremos as razões de 10 a 12. E na terceira parte, veremos as razões de 13 a 15.
Referências:
1. No artigo “Como o domingo tornou-se o popular dia de culto”, de Kenneth A. Strand, PhD, ele menciona algumas fontes mais famosas que se referem ao costume da guarda do sábado juntamente com o domingo por muitos cristãos nos primeiros séculos. Dentre esses destacam-se os historiadores Sócrates Escolástico (c. 380 d.C. – c. 450 d.C.) e Hermas Sozomenus (c. 400 d.C. – 450 d.C.) e os teólogos João Cassiano (360 – 435), Gregório de Nissa (330 – 395) e Asterio de Amasea (350 – 410). A tese doutoral “Do Sábado para o Domingo”, do teólogo adventista Samuele Bacchiocchi, defendida na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, também cita alguns desses autores. As duas obras podem ser encontradas nos seguintes links:
– http://centrowhite.org.br/pesquisa/artigos/como-o-domingo-tornou-se-o-popular-dia-de-culto-parte-1/
2. GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. “Manual Popular de dúvidas, enigmas e contradições da Bíblia”. Pode ser encontrado no link abaixo:
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista