As Linguagens da Arte

O uso adequado da música na adoração continua sendo um assunto a ser estudado. Intensamente complexa, a música pode ser interpretada de muitas formas diferentes. De modo geral, o tema tem sido abordado com parcialidade em favor de certas formas musicais ou contra elas. Vamos examinado a partir da pressuposição de que, devido a complexas diferenças culturais, é difícil definir de maneira universal quais são os estilos musicais apropriados para a adoração a Deus. A adoração com uso de música é uma atividade centralizada em Deus e inteiramente voltada para Ele. A fim de que a música cumpra esse propósito, é preciso considerar a adoração a partir de uma perspectiva inspirada, com atenção às características da linguagem musical.

Perspectiva inspirada

Ao longo da Bíblia, pessoas transmitiram mensagens inspiradas por meio da música. Moisés e os filhos de Israel alçaram suas vozes em adoração ao Senhor após terem sido libertos dos egípcios, no episódio do Mar Vermelho. Em Deuteronômio 32, ao fazer um pronunciamento histórico e profético, Moisés novamente usou a música para impressionar a mente de seus ouvintes. Todo o livro dos Salmos apresenta um conjunto de meditações musicais claramente fixadas na Torah e no Messias. É evidente, portanto, que Deus usa a música como um meio de impressionar a mente de Seu povo com a verdade.

Além da comunicação da verdade bíblica, as Escrituras evidenciam outra faculdade da música: a de dirigir o pensamento dos adoradores para Deus. A escola dos profetas usava a música para propósito santo, para a pureza e edificação do caráter. O salmista se propôs a cantar louvares a Deus, louvando-O com todo o seu ser

(Salmos 9:2104:33). Isaias exortou: “Cantai louvares ao Senhor, porque fez coisas grandiosas” (Isaías 12:5). Em resposta à cura operada pelo Senhor, Ezequias declarou sua intenção de que fossem tocadas canções em instrumentos de cordas na Casa do Senhor, todos os dias de sua vida (Isaías 38:20). Paulo nos convida a cantar e louvar de coração ao Senhor (Efésios 5:19). Assim, o uso da música, na adoração a Deus, pelo que Ele é e pelo que tem feito, está profundamente arraigado nas Escrituras.

Deus é o centro da adoração. O culto não é algo que fazemos para nós mesmos, mas para Deus. E uma atividade centralizada em Deus, inteiramente focalizada nEle. Portanto, a pessoa mais importante na adoração não é o adorador, mas Deus. Por isso, uma atitude de sacrifício altruísta se torna essencial para que a adoração seja centralizada em Deus.

Infelizmente, muitos estilos de adoração atuais se tornaram cenários de entretenimento e debate. Serviços de culto socialmente agradáveis são às vezes realizados a fim de atrair pessoas para ouvir mensagens centralizadas no consumidor. A adoração nunca deve se transformar numa sessão de terapia voltada para o adorador, em que este busca seus próprios interesses. Ao contrário disso, como atitude de sacrifício próprio, a adoração precisa constituir-se num reconhecimento de Deus e numa resposta a Ele.

Linguagens da música

As complexidades da música e sua relação para com a adoração é tema significativo. Um importante aspecto distintivo da música é sua capacidade de se comunicar simultaneamente em duas linguagens singulares. Tanto a forma vocal como a instrumental atuam como linguagens. Embora a mensagem vocal da música seja facilmente reconhecida devido à letra ou poesia, a música instrumental também é capaz de falar de maneira inigualável. Portanto, para que se produza uma experiência apropriada e significativa na adoração, tanto a linguagem vocal quanto a instrumental precisam ser consideradas.

Com frequência, indivíduos criticam a letra de determinada música por sua repetição, mas a repetição não é necessariamente ruim. Geralmente, as pessoas gostam de cantar o refrão da música pelo fato de ser um trecho conhecido. A repetição só se torna negativa quando há uma verbalização desatenta das palavras. O conteúdo da letra é fundamental na adoração musical. Matthew Ward, um pioneiro do gênero “Jesus Music” (“Música de Jesus”, posteriormente chamada de música cristã contemporânea), reconhece a trivialidade em algumas músicas de adoração: “Certas músicas falam que Deus é bom, mas não dizem por que Ele o é. Falam que O adoramos, mas não entram em detalhes práticos da razão pela qual O adoramos.” [1]

A letra deve permanecer centralizada naquilo que Deus é, no que Ele tem feito e no que vai fazer. Embora a música para os jovens frequentemente precise ser simples, demasiadas vezes a mensagem vocal fica perdida num enigma indecifrável de repetições, e se concentra demais nas emoções e não no intelecto. A boa música para adoração precisa de variedade combinada com repetição e, ao mesmo tempo, deve exaltar um elevado padrão de pensamento e reflexão.

É muito mais difícil compreender as contribuições instrumentais da música. “É inegável que os compositores têm, consciente ou inconscientemente, usado a música como uma linguagem, que nunca foi colocada num dicionário, porque, por sua própria natureza, não pode ser tratada assim.” [2] Rousseau disse que “a música não imita meramente, ela fala; e sua linguagem inarticulada mas vivida, ardente e apaixonada tem cem vezes mais intensidade do que a própria linguagem falada”. [3] Assim, a música por si mesma, destituída de palavras, comunica.

Como as línguas faladas, a cultura desempenha importante papel na definição do significado da música. “Qualidades adquiridas por um objeto por meio de associação e sugestão” determinam o significado desse objeto. [4] O efeito que certo tipo de música tem sobre uma pessoa pode ser o oposto de seu efeito sobre outra. “A música pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes, em épocas diferentes.” [5] Assim como certas palavras são consideradas ofensivas por causa de suas conexões históricas e culturais, a cultura desempenha um papel importante na construção do sentido da música.

Contudo, qualquer que seja a influência da cultura, a música transmite uma mensagem universal do bem ou do mal. Para compreender as implicações desta declaração, é preciso considerar primeiro a moralidade. Jesus afirmou que “nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina” (Marcos 7:15). Uma música moralmente negativa não equivale necessariamente a uma contaminação pessoal, mas a música pode manifestar a pecaminosidade que existe dentro do compositor e, como tal, influenciar outros por meio disso. As tendências pecaminosas inerentes ao ser humano podem ser expressas por certas características musicais e podem também ser estimuladas pela música.

O Dr. Howard Hansen, diretor da Faculdade de Música Eastman da Universidade de Rochester (NY), afirma que “a música é uma arte curiosamente sutil, com inúmeras conotações emocionais diferentes”. Ela “é composta de muitos ingredientes e, de acordo com a proporção desses componentes, pode ser calmante ou revigorante, enobrecedora ou vulgarizante, filosófica ou frenética. Tem poderes tanto para o mal como para o bem.” [6] Curiosamente, há milhares de anos, Platão, em A República, afirmou que “a música pode (1) fortalecer uma pessoa, (2) fazer com que ela perca seu equilíbrio mental, ou (3) fazer com que ela perca sua força de vontade normal, de forma a deixá-la impotente e inconsciente de seus atos”. [7]

Assim, além da possibilidade de se comunicar em níveis culturais, a música pode se comunicar num nível universal, independentemente de suas associações culturais e históricas. A música pode ser uma expressão da perspectiva que o compositor tem da vida. Embora Deus inspire expressões musicais, Satanás também pode fazer isso. Médiuns espíritas reconhecem a capacidade de espíritos incorporados em produzir música através de um médium. [8] A música pode ser inspirada pelas forças do mal e conter mensagens universalmente impróprias em ambas as suas linguagens. Assim, o ritmo, a melodia e a harmonia podem comunicar uma mensagem universal que transcende a cultura. A adoração e a música não devem ser reduzidas a simples distinções culturais. Nossa maneira de dizer as coisas, de forma suave ou áspera, constitui-se numa linguagem que comunica independentemente da cultura. Tanto a agressão como a paz, a alegria e o medo podem ser exemplificados num nível universal. A aplicação de uma letra cristã a uma peça musical não torna esta última instantaneamente apropriada.

“A música muitas vezes é pervertida para servir a fins maus, e assim se torna um dos poderes mais sedutores para a tentação. Corretamente empregada, porém, é um dom precioso de Deus, destinado a erguer os pensamentos a coisas altas e nobres, a inspirar e elevar a alma” (Ellen G. White, Educação, p. 167). O ritmo é a base da música, mas quando o ritmo se torna pronunciado, choca os sentidos e começa a cruzar o limiar do consciente (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 36). [9] A repetição e a variedade, com períodos de tensão e relaxamento, são essenciais para se produzir música de boa qualidade.

A música precisa ser adequada ao ambiente e à mensagem que está sendo apresentada. Em geral, melodias próprias para a dança com palavras sacras não casam bem. [10]Ellen White relata a experiência de ter observado um jovem numa assembléia cristã participando de uma música que ela descreveu como “uma canção frívola, adequada para o salão de dança”. [11] Embora não saibamos exatamente qual era a música, não há dúvida de que algumas músicas são mais adequadas para comemorações populares e não devem ser adoradas para a adoração.

Assim como o ritmo e a melodia da música devem combinar com a mensagem da letra, a mensagem em si deve ter um padrão elevado. Steve Taylor, cantor, compositor, produtor musical e cineasta americano, diz: “O que é fundamentalmente importante na música cristã é seu caráter distintivo. Se ela perder a cruz, se perder Cristo, torna-se apenas ‘pop positivo’, e prefiro não ter nada a ver com ela.” [12] A música cristã precisa transcender e transformar a cultura, oferecendo algo mais do que aquilo que é encontrado num clube secular ou numa reunião social.

Síntese

Um aspecto da música consiste em sua capacidade de falar a língua da cultura que a define. Os estilos musicais relacionados a comportamentos ou imagens negativas devem ser evitados.

E preciso exercer cuidado ao se implementar novas formas de música com vistas à adoração, devido à capacidade que essas novas formas têm de agir como uma porta para outros extremos musicais. Muitos entusiastas da música contemporânea se vêem atraídos para certos estilos de música associados a comportamentos impróprios. Muitas vezes indivíduos encontram inspiração no talento instrumental de artistas seculares que promovem sexo ilícito, violência, ganância e/ou comportamento egoísta. Na verdade, o uso do tipo errado de música na adoração pode influenciar as pessoas a retomar escolhas ou ambientes musicais pecaminosos.

Os músicos que atuam no culto devem ser pessoas convertidas. De forma objetiva, eles partilham sua filosofia e perspectiva de vida através da música. “Coisa alguma há mais ofensiva aos olhos de Deus do que uma exibição de música instrumental, quando os que nela tomam parte não são consagrados, não estão fazendo em seu coração melodia para o Senhor” (Ellen G. White, Evangelismo, p. 510).

A música afeta o estado de espírito e a reação do adorador. Quando a adoração musical tem o propósito de cumprir os desejos egoístas do adorador, a adoração ao Deus único e verdadeiro desaparece. As pessoas que julgam necessário, em função de seu gosto musical, ter determinado estilo de música a fim de entrar em adoração devem reavaliar sua motivação. A adoração não é uma experiência para nos agradar, mas uma oferta que apresenta a Deus.

Sobre a escola dos profetas, Ellen White diz: “Fazia-se com que a música servisse a um santo propósito, a fim de erguer os pensamentos ao que é puro, nobre e edificante, e despertar na mente devoção e gratidão para com Deus. Que contraste entre o antigo costume, e os usos a que muitas vezes é a música hoje dedicada! Quantos empregam esse dom para exaltar o eu, em vez de usá-lo para glorificar a Deus!” (Patriarcas e Profetas, p. 594). Os adoradores e os que dirigem a adoração precisam ter equilíbrio e discernimento. Cantemos não apenas “cânticos de testemunho, fé simples e convite; mas também hinos de adoração, doutrina e admoestação”. [13] Usemos músicas que façam com que os adoradores examinem seu coração ao levarem sua oferta musical diante do trono de Deus. Não rejeitemos novos tipos de música simplesmente porque eles diferem das formas tradicionais, nem aceitemos livremente a música promovida pela cultura que nos cerca. Com cuidadoso discernimento, precisamos considerar tanto as implicações culturais quanto as universais que cercam a música. Que a música do adorador transforme a cultura, em vez de ser ditada por ela. Como cristãos, devemos apresentar uma cultura elevada, uma cultura celestial de música que eleve os pensamentos dos adoradores ao Criador e Redentor.


Ryan Hablitzel é estudante de pósgraduação no Seminário de Teologia, na Andrews University, em Berrien Springs, Ml.


Referências

1. Matthew Ward, Worship Leader, setembro/outubro de 2002, p.19.

2. Deryck Cooke, The Language of Music (New York: Oxford University Press, 1990), p. 13,14.

3. Jean-Jacques Rousseau, ‘Essai sur l’origine des largues’, em Ecrits Sur la Musique (Pans: Stock, 1979), p 229.

4. Carrol C. Pratt, The Meaning of Music (NewYork: McGraw-Hill 1931), p. 10.

5. Elisabeth Brown e Wiliam Hendee, “The Acquired Character of the Musical Experience”. Journal of the American Medical Association, nº 262 (setembro de 1989), p. 1662.

6. Howard Hansen, “A Musician’s Point of View Toward Emotional Expression”, American Journal of Psychiatry, nº 99 (novembro de 1942), p. 317.

7. Richard D. Mountford, “Does the Music Make them Do it?” Christianity Today, 4 de maio de 1979, p. 21.

8. W. W, Aber, A Guide to Mediumship: dictated by a Materialized Spirit (Lily Dale, NY: Dale News, 1946), p. 19.

9. Ellen White estava se referindo a um evento na reunião campal de Muncie, Indiana, em 1900, na qual foi exemplificado o fanatismo através do movimento da “carne santa”. A música desempenhou uma parte importante em produzir o fanatismo. Ela descreve esse tipo de música como uma “balbúrdia de barulho” que “choca os sentidos e perverte”.

10. A Sra. S. N. Haskell descreve a música imprópria mencionada na nota anterior como “melodias de dança com palavras sacras”, tocadas a partir de um livro de cânticos chamado o “Jardim das Especiarias”. S. N. Haskell, Relatório para Sara McEnterfer, 12 de setembro de 1900).

11. Ellen White, The Voice in Speech and Song (Suae, ID: Pacific Press, 1988), p. 420.

12. Steve Taylor, Christianity Today, 20 de maio de 1996, p. 23.

13. Donald P. Hustad, “Problems in Psychology and Aesthetics in Music”, Bibliotheca Sacra (julho de 1969), p. 227.


Fonte: Revista Adventista, Janeiro de 2011, pp. 14-16

Autor: Ryan Hablitzel

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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