Igrejas Emergentes

Análise das características e dos riscos de um movimento supostamente evangelizador da cultura pós-moderna.

A chamada “teologia emergente” leva a uma religiosidade “emergente” que se expressa em uma eclesiologia e uma atividade missionária também “emergentes”. Há alguns anos, esse modelo de “igrejas emergentes” tem experimentado grande expansão nos Estados Unidos.John Leland afirma que essas comunidades eclesiásticas “são vistas como a nova onda de culto evangélico que impulsionou a proliferação das megaigrejas nos anos 80 e 90”.Algumas pessoas as identificam como igrejas “pós-modernas”.“Igreja emergente é justamente isto: uma igreja que está emergindo, ou seja, saindo da ideia tradicional de igreja e emergindo para a expressão pós-modernista. Seus adeptos a veem como ‘uma igreja pós-moderna, para uma cultura pós-moderna’.” 4

Não é muito fácil estabelecer precisamente a época do surgimento e desenvolvimento do que alguns chamam de “movimento emergente”, que está em ação desde o início dos anos 90. Contudo, parece ser útil lançar mão da descrição feita por Wolfgang Bühne sobre as “três ondas do Espírito Santo”: Pentecostalismo, carismatismo e terceira onda do Espírito Santo. Adotando essa sequência, podemos dizer que as igrejas emergentes são uma quarta etapa do movimento surgido no início do século 20. O processo teria transcorrido nas seguintes fases: (a) Do pentecostalismo ao neopentecostalismo (1900-1960); (b) do carismatismo à “terceira onda” (1960-1980); (c) do movimento para o crescimento da igreja às megasigrejas (1980-2000); (d) das igrejas modernas às igrejas emergentes (2000-2010). Depois de tudo, “alguns historiadores religiosos consideram que representam a próxima onda de culto evangélico, após a expansão das megaigrejas dos anos 80 e 90”.7

Nenhuma dessas etapas teve início realmente sem um período de gestação e preparação, assim como o Movimento da Santidade, na segunda metade do século 19, que aplainou o caminho para o pentecostalismo do século 20. Nesse sentido, alguns estudiosos veem nas igrejas emergentes expressões de aculturação no contexto pós-moderno, como haviam sugerido, há décadas, teólogos europeus como Dietrich Bonhoeffer, John Robinson, Harvey Cox e os teólogos da libertação latino-americanos.8

As manifestações desse movimento são absolutamente diversas, portanto, difíceis de definir e caracterizar. Alguns elementos visíveis são facilmente identificáveis: Manutenção de sites na internet, weblogs, bem como publicação de livros com diagramação moderna. A arte é promovida e, certamente, destaca-se o desenvolvimento místico e não a racionalidade cúltica. Em alguns casos, há um retorno à liturgia e às práticas medievais tomadas do catolicismo ou dos ortodoxos orientais: velas, incenso, leituras, meditação e oração sobre um texto bíblico.9

Para Dan Kimball, líder do movimento, essa igreja “deve combinar hinos, iconografia, mantras, cânticos beneditinos e obscuridade. Tudo isso porque, segundo ele, os pós-modernos desejam experimentar Deus com seus cinco sentidos”. 10 Leonard Sweet, outro líder, afirma que a igreja emergente é experimental (experimenta Deus, com todos os sentidos), é participativa (mais que sermonear, promove a conversação e a interação), usa imagens (ícones, vídeos e filmes), e é comunitária. 11

A ideia de “emergente” se relaciona com o surgimento de uma igreja destinada a “uma geração que tem pouco apego à igreja”, isto é, pelo menos em um princípio, trata-se de uma igreja dirigida a jovens norteamericanos menores de 30 anos sem vínculo a nenhuma igreja. 12 Na verdade, essas igrejas poderiam ter qualquer nome, ou nenhum, porém, pelo menos nos primeiros anos, elas têm atraído pessoas do mundo evangélico. Atualmente, o movimento está causando impacto também nas igrejas da América Latina. Reconhecidos pensadores evangélicos, como René Padilla, o estão promovendo e publicando seus livros. Mervin Rivera comenta que as igrejas estão mudando, não apenas na música, mas na teologia e na maneira de interagir com a sociedade. A liturgia tende a substituir os hinos pelos corinhos, trocam o órgão por piano eletrônico, bateria e contrabaixo, e deixam de lado a condução tradicional do culto. Por exemplo, ninguém precisa se preocupar em ficar sentado ou em pé. A evangelização pretende ser leve e diferente, com diálogo, reflexão e respostas, atendendo integralmente as pessoas em suas necessidades físicas, emocionais e materiais.13

As congregações variam entre as relativamente numerosas (400 ou 500 pessoas) e pequenos grupos nos lares. Existem grupos que se reúnem semanalmente em algum bar; inclusive têm organizado um Theology Pub, onde a discussão de um tema bíblico é regada a um pouco de bebida alcoólica. Às vezes, são distribuídos protetores de ouvidos entre os participantes, por causa do intenso volume da música. Outros simplesmente se reúnem em sótãos e garagens.

A informalidade é marca destacada, podendo a Santa Ceia ser celebrada como uma festa familiar, na qual as pessoas tomam vinho ou refrigerante e comem pastéis. Algumas igrejas oferecem pizza e têm seu próprio DJ. Em outros casos, o sermão é substituído por um videoclipe, seguido de debate. Leem-se poemas, e não são evitados temas polêmicos como, por exemplo, discriminação, homossexualidade e pornografia. Alguns focalizam o meio ambiente ou temas sociais.

Tudo parece descrever um movimento reacionário contra “os serviços aparatosos das mega-igrejas”. Como disse Dan Kimball, “tudo o que lembre espetáculo os afugenta”.14 Cansaram-se do show, da ambição, competição, busca de reconhecimento e, sobretudo, a falta de amor para com os necessitados. A ênfase dessas igrejas é dedicada aos relacionamentos. A aprendizagem
está fundamentada nas narrativas, histórias simples, na imaginação e a “desconstrução” do dogma cristão. Na verdade, querem desconstruir e reconstruir a fé cristã. O que está claro é que doutrina e teologia têm perdido importância e que tudo o que pareça institucional lhes “cheira” mal. Estão desiludidos com a igreja organizada e rechaçam o tradicionalismo: liturgia rígida, hinos, instrumentos tradicionais como órgão, códigos para vestimenta, exclusivismo, estruturas.15 O modelo administrativo adotado não é hierárquico nem pluralista. De acordo com Robert E. Webber, reconhecido líder do movimento de renovação litúrgica, “muitos estão iniciando grupos/igrejas portas adentro. A igreja emergente está nascendo de maneira subterrânea. Demos-lhe alguns anos, e veremos uma explosão”.16

O Ministério de Apologética e Investigação Cristã define a igreja emergente como “um movimento amplo, controverso, que busca usar abordagens culturalmente sensíveis para alcançar com a mensagem cristã a cultura pós-modernista, especialmente aquelas pessoas que não têm igreja”. 17 A Wikipedia define esse movimento como “um movimento cristão cujos participantes buscam viver a fé na sociedade pós-moderna emulando Jesus de Nazaré, independentemente das tradições religiosas cristãs”.18 Eddie Gibbs, autor de um livro sobre o movimento emergente, diz: “Popularmente, o termo ‘igreja emergente’ tem sido aplicado a uma
congregação de alto perfil, orientada aos jovens, que tem chamado a atenção por causa de seu rápido crescimento, sua habilidade de reter a população de 20 anos, seu louvor contemporâneo tomado de estilos musicais populares e que é promovida na subcultura cristã por meio de sites na internet e pelo diálogo.”19

Estas são algumas características utilizadas para destacar os aspectos comuns da igreja emergente: (1) Tentativa e conscientização para alcançar os que se movem na mutante cultura pós-moderna; (2) Esforço para usar a tecnologia (vídeo, internet, imagens); (3) abordagem litúrgica marcada pelo uso de velas, ícones, imagens, sons, diferentes aromas; (4) abordagem global a alguns sistemas de crenças, algumas vozes contraditórias; (5) ênfase na experiência e nos sentimentos, acima das verdades absolutas; (6) concentração na edificação de relacionamentos interpessoais, acima da proclamação do evangelho; (7) rejeição do tradicionalismo litúrgico, disposição dos bancos, música, entre outros itens; (8) negação de verdades absolutas e credos doutrinários; (9) reavaliação do lugar da igreja cristã na sociedade atual; (10) revisão da Bíblia e seus ensinamentos.20

Porém, o mais interessante é que essas igrejas “diferem quanto à teologia e ao método”. 21 Atribuem muito valor às boas ações e ao ativismo social e político, já que a ênfase está colocada na criação do presente reino de Deus na Terra.

Os autores não estão de acordo no que se refere ao número de tipos de igrejas emergentes. Ed Stetzer divide o movimento em três categorias: (1) Os relevantes, que buscam apresentar o mesmo evangelho de maneira compreensível à cultura pós-moderna, utilizando diferentes métodos de louvor, pregação, estrutura. (2) Os reconstrucionistas, que tomam o mesmo evangelho, porém reconstroem a igreja, promovendo, por exemplo, as “igrejas em casas”. (3) Os revisionistas, que questionam e revisam a igreja e a compreensão do evangelho.22

O website “Unidos contra a apostasia” enumera alguns tipos de igrejas emergentes: Simples, sincera, privada, orgânica, remanescente, missionária, genuína, verde, cultura alternativa, livre, pós-moderna, doméstica, liberal, anônima, pós-protestante, neomonástica, comunidade intencional, contemplativa, entre outros. Acrescenta ainda que se trata de um movimento eclético, transdenominacional e sincrético, no qual são aceitas ideias budistas, islâmicas e o melhor de cada religião.23

C. Weiss Daniels fez uma categorização de quatro tipos: (1) Modelo desconstrucionista, influenciado pela desconstrução pós-estruturalista relacionada com a filosofia de Derrida, Lyotard, Foucault e Caputo. É um modelo que adota o pós-modernismo em oposição ao modernismo e que frequentemente rejeita todo o institucional e denominacional. (2) Modelo pré-modernista, que volta ao estilo supostamente renascentista, com grande respeito pela tradição e por teólogos como Agostinho e Tomás de Aquino. Aqui, a igreja institucional é vista mais positivamente. (3) Modelo pacifista, do tipo anabatista, que proclama a não violência, o amor, cuidado dos pobres, uma espécie de ascetismo alicerçado em teólogos como Wittgenstein, Barth, Bonhoeffer, Yoder, McClendon e Murphy. Nesse caso, a igreja institucional não é vista com simpatia. (4) Modelo fundamentalista, ou ala conservadora, com uma hermenêutica conservadora e eclesiologia tradicional, porém, abertos a inovações na forma de evangelizar: reuniões em bares, uso de tatuagens e rock pesado. Essas igrejas devem se converter em megaigrejas.24

Mais complexa é a classificação de dez tipos de igrejas emergentes, feita por Andrew Jones: (1) Comunidades com base na cultura, como igrejas em patins, sobre ondas, igrejas hip-hop e as igrejas de cultura alternativa com base nas músicas rock, gótica e punk. (2) Igrejas da geração X, pós-modernas e “emergentes”, como modelo atrativo para jovens. (3) Ordens neomonásticas e comunidades intencionais, que propiciam as comunidades espirituais de fé. (4)
Igrejas privadas, simples e orgânicas. (5) Igrejas cibernéticas e as comunidades virtuais subentendidas. (6) Igrejas de cultos alternativos, expressão leve, liturgia nova. (7) Igrejas em bares e cafeterias e outras do “terceiro espaço”. Usam lugares baratos e acessíveis, em que ocasionalmente tomam bebida alcoólica e usam linguagem profana. (8) Movimento de oração contemplativa. (9) Cristãos que não vão à igreja, algumas vezes chamados de “cristãos sem igreja” ou “crentes não afiliados”. (10) Empresas sociais conduzindo comunidades com sentido missionário.25

Certamente, as igrejas emergentes são um desafio a toda postura conservadora. Mark Driscoll disse que “a igreja emergente é a última versão do liberalismo. A única diferença é que o antigo liberalismo se acomodava à modernidade e o novo liberalismo se acomoda à pós-modernidade”. 26 Muitos estão preocupados com a tendência pós-modernista de colocar a verdade sob suspeita assim como a ideia reconstrucionista, que não está preocupada com a interpretação correta do texto bíblico, mas com a experiência e as preferências dos leitores. São inquietantes a rejeição à doutrina, o relativismo e a abertura indiscriminada.27 Não há dúvida de que o movimento emergente estimula a reflexão profunda sobre a adaptação da igreja à cultura atual em métodos e formas, ao mesmo tempo que mantém sua identidade e sua mensagem. Como alguém expressou, “o movimento como um todo necessita aderir às verdades fundamentais da fé cristã”.28

Cristãos conhecidos, como David Wilkerson, têm expressado pesar por certas tendências das igrejas emergentes e estão convidando seus ouvintes a repassar algumas das advertências e admoestações bíblicas (Gl 1:7; 1Tm 4:1; Mt 24:24; At 20:28-31). Passagens como essas serão sempre oportunas para olhar criticamente esse e outros movimentos que estão surgindo nestes tempos peculiares e intrigantes da história da igreja.

Referências:

http://edant.clarin.com/diario/2004/03/05t-718928.htm, 05/03/2004, acessado em 21/07/2011.
Ibid.
Ver D. A. Carson, Becoming Conversant With Emerging Church (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2005); Eddie Gibbs and Ryan K. Bolger, Emerging Churches (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2005); Doug Pagitt and Tony Jones (editores), An Emergent Manifesto of Hope (Grand Rapids, MI: Baker Books); The Emerging Church (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2003); Brian McLaren, Una Ortodoxia Generosa (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2004).
http://verdaderavida.wordpress.com/2009/01/26/iglesia-emergente/, acesso em 21/07/2011.
Ibid.
Wolfgang Bühne, Explosión Carismatica: Um Análisis Crítico de las Doctrinas y Práticas de las Llamadas “Três olas del Espíritu Santo”, (Terrassa, Espanha: Clie, 1994).
John Leland: “As chamadas igrejas ‘emergentes’ já são um boom nos Estados Unidos.”
Dietrich Bonhoeffer, El Precio de la Gracia (Salamanca: Sígueme, 1968); The Cost of Discipleship (Nova York: MacMillan Coimpany, 1963); Vida en Comunidad (Buenos Aires: La Aurora, 1970); John A. T. Robinson, Sincero para com Dios (Barcelona: Ediciones Ariel, 1967); Harvey Cox, El Cristiano como Rebelde (Barcelona: Fontanella, 1969); The Secular City:
Secularization and Urbanization in Theological Perspective (Nova York: MacMIllan, 1966).
John Leland, Ibid.
10 Sujetos a la Roca, “Cristianismo em crisis, iglesia emergente”.
11 Ibid.
12 John Leland, Ibid.
13 http://desarrollocristiano.com/articulo.php?id=2221, acesso em 21/07/2011.
14 http://www.miapic.com/qu%C3%A9-es-laiglesia-emergente, acesso em 21/-7/2011.
15 Ministério de Apologética e Investigação Cristã: “Que é a igreja emergente?”
16 John Leland, Ibid.
17 Ministério de Apologética e Investigação Cristã, Ibid.
18 http://es.wikipedia.org/wiki/iglesia_emergente, acesso em 21/07/2011.
19 Sujetos a la Roca, Ibid.
20 Ministério de Apologética e Investigação Cristã, Ibid.
21 John Leland, Ibid.
22 Sujetos a la Roca, Ibid.
23 http://elhogarcristiano.wordpress.com/2011/04/21/falsas-doctrinasel-movimiento-apostata-de-la-iglesiaemergente-o-iglesias-en-casas, acesso em 21/07/2011.
24 http://entrecristianos.com/20080621458/los-cuatro-tipos-de-iglesias-emergentes, acesso em 21/07/2011.
25 http://networkedblogs.com/p22675605, acesso em 21/07/2011.
26 Sujetos a la Roca, Ibid.
27 Ibid.
28 Ministério de Apologética e Investigação Cristã, Ibid.

Daniel Oscar Plenc – Professor de Teologia e diretor do Centro White de Pesquisa, na Universidade Adventista del Plata, Argentina. Texto publicado na Revista Ministério, Mar/Abr-2012.

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