Leis Dominicais

As leis dominicais são muito antigas. Na Europa, a primeira lei dominical foi promulgada pelo imperador Constantino, em 7 de março do ano 321, e estabelecia as seguintes restrições:

“Devem os magistrados e as pessoas residentes nas cidades repousar, e todas as oficinas ser fechadas no venerável dia do Sol. No campo, entretanto, as pessoas ocupadas na agricultura podem livre e licitamente continuar suas ocupações, porque acontece muitas vezes que nenhum outro dia se lhe assemelha para a semeadura de sementes ou para a plantação de vinhas; não aconteça que, pela negligência do momento apropriado para tais operações, as bênçãos celestiais sejam perdidas.”1

Nos séculos subsequentes, vários outros decretos imperiais impuseram, com crescente rigor, a abstinência do trabalho aos domingos, como se pode ver pelas seguintes citações:

“Em 386, durante o tempo de Gra­ciano Valentiniano e Teodósio, foi decretado que todos os processos e ações judiciais cessassem no Dia do Sol. … Em 425, no tempo de Teodósio II, foi imposta a abstinência de espetáculos teatrais e de circo [no domingo] … No Concílio de Orleans, em 538, o trabalho rural foi proibido.”2

Outros decretos dominicais, ampliando as restrições ao trabalho e à recreação no domingo, foram impostos por imperadores e papas:

“Em 1237, Henrique III proibiu a frequência aos mercados aos domingos; a exposição dominical de lãs no merca­do foi banida por Eduardo III, em 1354; em 1409, Henrique IV proibiu os jogos ilícitos no domingo; Henrique VI pros­creveu as feiras dominicais nos terrenos em volta das igrejas, em 1444, e quatro anos mais tarde tornou ilícitas todas as feiras, mercados e exposições de quaisquer mercadorias; Eduardo VI proibiu o trabalho físico aos domingos, através de vários decretos em meados do décimo sexto século; vários esportes dominicais e diversões foram restringidos em 1625 por Charles L. Lewis.”3

As restrições às atividades dominicais nos Estados Unidos surgiram logo no início da colonização, e foram trazidas para as colônias com base na legislação britânica do século 13.

“Começando em 1650, a colônia de Plymouth condenou o trabalho servil, viagens desnecessárias, esportes, e a venda de bebidas alcoólicas no domingo, e aprovou leis referentes ao comparecimento à igreja.”4

A lei dominical da Colônia de New Haven, datada de maio de 1653, estabelecia penas severas aos ofensores:

“Quem profanar o Dia do Senhor, ou qualquer parte dele, seja através de trabalho servil pecaminoso, esporte ilegal, recreação ou outra prática, de propósito ou por descuido, será devidamente punido com multa, prisão ou castigo corporal, segundo a natureza da gravidade do pecado e ofensa. Mas se o tribunal, após análise de evidências claras e satisfatórias, concluir que o pecado foi cometido de modo arrogante e de mãos levantadas contra a ordem expressa e autoridade do bendito Deus, tal pessoa, tendo assim injuriado e menosprezado a Deus, será morta, para que os demais possam temer e evitar tais procedimentos rebeldes e provocantes.”5

Adventistas punidos por violarem o domingo

Entre 1879 e 1896, mais de cem adventistas que viviam no sul dos Estados Unidos, especialmente nos Estados do Tennessee e Arkansas, foram processados, multados ou apri­sionados por trabalharem no domingo. Dennis Pettibone narra vários desses casos:

“Robert M. King, recentemente convertido ao adventismo, estava sen­do processado por lavrar seu milharal no domingo … Os vizinhos não adventistas de King haviam violado a lei ca­çando, pescando e trabalhando no domingo sem ser processados. Mas quando King saíra quietamente para cultivar um milharal ‘tão alto … que quase o ocultava das vistas’, fora imediatamente preso.

“Da prisão, ele escreveu: ‘Parece­-me estranho que eu tenha de jazer na prisão por trabalhar no domingo, quando posso ver daqui pessoas trabalhando aos domingos e nada se diz sobre isso. No domingo passado, quatro ou cinco homens trabalharam o dia todo, arrastando madeira para um forno de olaria. Mas eles, logicamente, não eram adventistas.’”6

“As detenções efetuadas em 1879, instigadas pelo ministro metodista D. T. Clemente, não resultaram em condenação porque a justiça considerou que a imposição da legislação dominical sobre os observadores do sábado era inconstitucional. Entretanto, um outro adventista, por nome W. H. Parker, teve menos sorte seis anos mais tarde. Acusado em 1885 de ‘perturbar a ordem pública por trabalhar no domingo’, Parker foi multado em 20 dólares.

“Parker se recusou a pagar. Ele acreditava que o pagamento da multa seria um reconhecimento de que a condenação era justa. Em vez disso, preferiu passar 280 dias na prisão. Essa decisão custou-lhe a vida, pois morreu de malária, contraída na imunda prisão.”7

Samuel Mitchel, da Geórgia, foi outro adventista que morreu na pri­são, em 4 de fevereiro de 1879, devido a condições insalubres. Ele havia sido condenado por lavrar a terra no do­mingo. Day Conklin, também da Geórgia, uma década mais tarde, ficou sem lenha num domingo frio do mês de março. O ato de cortar apenas a le­nha suficiente para impedir que sua família ficasse congelada resultou em condenação por transgredir a lei dominical. Um adventista de Maryland foi preso e multado por se recusar a testemunhar no tribunal no sábado.8

Em 1902 a Sra. White aconselhou especificamente os adventistas da Califórnia a não desafiarem essas leis, dizendo: “Desafiar as leis dominicais não fará senão fortalecer em suas perseguições os fanáticos religiosos que as buscam impor. Não lhes deem ocasião alguma de os chamarem violadores da lei.”9

Esse conselho foi dado para que os adventistas tivessem prudência para não despertar o preconceito e atrair perseguição desnecessária, pois o sinal da besta será recebido não pela abstinência do trabalho aos domingos, mas pela rejeição consciente do quarto mandamento. (Ver O Grande Conflito, pág. 449.)

Ira Divina?

No entanto, os defensores da legislação dominical frequentemente a descreviam como uma iniciativa humanitária, em favor do trabalhador, obrigado a trabalhar horas extras no domingo. Quais seriam os reais motivos e tendências do movimento dominical? Vejamos a interpretação de Dennis Pettibone:

“No início de 1863 a Guerra Civil não havia ido bem para o Norte. Desolado com o terrível desastre que suas tropas haviam sofrido em Fredericksburg em dezembro, o general Ambrose Burnside havia recentemente deixado de ser o comandante do exército do Potomac. Interpretando as derrotas do governo como uma manifestação da ira divina, os pasto­res representantes de onze denominações protestantes se reuniram em Xe­nia, Ohio, em 4 de fevereiro de 1863, procurando encontrar meios de aplacar um Deus irado. Essa reunião resultou na formação da Associação Nacional de Reforma.

“Por que estaria Deus irado com os Estados Unidos? Segundo os por­ta-vozes dessa associação, a razão era o fato de o seu governo não reconhecer a soberania de Jesus Cristo nem fazer cumprir Sua lei moral. Mesmo depois de a guerra ter terminado e o Norte ter vencido, eles mantiveram sua convicção de que Jeová estava descontente com a América. Os reformadores nacionais continuaram a ad­vertir, pelo menos durante as três décadas seguintes, que os juízos divinos ameaçavam os Estados Unidos.

“Os reformadores nacionais deram início ao movimento em favor de uma lei dominical nacional em 1879. Eles consideravam essencial uma legislação dominical, porque o sábado fazia parte da lei de Deus …. E uma tal legislação, acreditavam eles, significaria ‘reconhecimento nacional da so­berania divina’ ….

“Outros protestantes, como os reformadores nacionais, acreditavam que a aprovação e imposição de uma rigorosa legislação dominical seria um importante método de evitar os juízos divinos. Uma das razões apresentadas para a imposição de uma lei dominical é que ela melhoraria a frequência à igreja.”10

Pettibone continua descrevendo a ação dos agitadores da legislação dominical, dizendo que eles tentaram eliminar todo e qualquer trabalho e recreação no primeiro dia da semana:

“Incitaram oficiais da lei a prender crianças residentes em apartamentos por jogarem beisebol num terreno baldio; foi também preso um homem de Nova Jersey, por jogar tênis no gra­mado de sua casa; um abastado mora­dor de Nova Iorque, por pescar em seu lago particular; um Jovem de Sta­ten Island, por andar de skate, e um residente de Connecticut, por andar de bicicleta no domingo.

“Ministros e periódicos religiosos aplaudiram quando a Liga da Lei e da Ordem, de Pittsburgh, tentou acabar com o jornal de domingo, prendendo não apenas o seu editor, mas também mais de 100 jornaleiros, funcionários e donos de bancas.”11

Os adventistas organizaram, en­tão, a Associação Nacional de Liber­dade Religiosa, e proclamaram que a separação de Igreja e Estado é um im­portante princípio bíblico e constitu­cional, tornando-se os mais enérgicos oponentes das leis dominicais.12

Aqui temos, portanto, um qua­dro da agitação religiosa que se desenvolveu nos Estados Unidos no fim do século XIX. Analisando esse con­texto histórico, alguns adventistas modernos, um século depois, acredi­tam que a legislação dominical e os eventos finais descritos por Ellen G. White são condicionais, e que ela se deixou influenciar pelo fermento reli­gioso dessa época, quando uma lei dominical foi enviada ao Congresso (o famoso projeto Blair). Apontam também para o elemento surpresa da Segunda Vinda, afirmando que o povo de Deus não pode saber os acontecimentos que precederão a volta de Jesus.

Mas antes de nos deixarmos con­vencer por tais argumentos, seria bom levarmos em conta o seguinte: é ver­dade que há muito tempo as coisas parecem calmas no que tange a uma legislação dominical. Não faz muito, o editor da revista Liberty escreveu:

“Nos Estados Unidos as leis dominicais não constituem um problema, no momento, e são um assunto praticamente morto. Mas sabemos que isto um dia mudará.”

Bert B. Beach e John Graz, com base em sua longa experiência à frente do Departamento de Liberdade Reli­giosa e Deveres Cívicos da Associação Geral, ao analisarem o atual panorama mundial, observam os seguintes si­nais, que indicam que o terreno está sendo preparado para o cumprimento das predições de Ellen White:

1. O papado jamais foi tão prestigiado como agora. Num mundo de decadência moral, o papa é visto como um defensor dos valores morais, da vida, do casamento e da família. Ao pensarmos num poder eclesiástico, nossos pensamentos se voltam para o papado, e em especial para o atual papa.

2. Ao pensarmos numa superpotência sem paralelo, somos forçados a pensar nos Estados Unidos. Quem poderá desafiar esses dois poderes? E, esses fatos não confirmam nossa interpretação de Apocalipse 13?

Estamos vivendo num mundo globalizado. E essa globalização prepara o cenário para os eventos finais, pois o fim do grande conflito se dará numa escala global. A perseguição mundial contra o povo de Deus pressupõe um governo e uma autoridade religiosa de caráter mundial. Tanto a ONU como o papado já fizeram reivindicações nesse âmbito. 13

Deus está no comando, e Ele sabe quando estas coisas começarão a suceder. Quem viver, verá.

Referências

1.Carlyle B. Haynes, Do Sábado Paro o Domingo, pág. 43.

2. SDA Bib/e Student”s Source Book, pág. 1001.

3.Ibidem, pág. 1009.

4.Ibidem, pág. 1010.

5.Ibidem, pág. 1002.

6. Dennis Pettibone, The World of Ellen G. White, págs. 113 e 114.

7. Ibidem, pág. 115.

8.Ibidem, pág. 118.

9.Testemunhos Seletos, Vol. 3, pág. 395.

10. Ibidem, págs. 120 e 121.

11.Ibidem, pág. 123.

12.Ibidem, pàgs. 127 e 128.

13.B. B. Beach and John Graz, 101 Questions Adventists Ask, pág. 132.

Rubem M. Scheffel é pastor jubilado. Foi editor de livros denominacionais da Casa Publicadora Brasileira.

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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