Ao passo que o evangelho eterno é uma expressão da graça redentora de Deus (Atos 20:24), a lei moral é uma expressão de Sua santa vontade (Deuteronômio 10:12-13; Mateus 19:17; I João 5:3).
Mediante a Palavra de Deus e Seu Espírito são revelados ao homem os grandes princípios de justiça, os elementos que constituem a verdadeira força de caráter expressos no santo decálogo.
E desde que a lei é santa, justa e boa (Romanos 7:12) e expressão exata da perfeição divina (Salmo 19:7, comparar com Mateus 5:48), segue-se que o caráter formado pela obediência àquela lei será santo.
A lei de Deus é, antes de tudo, uma revelação de Si mesmo à humanidade. Ela é um dom divino da graça e também o reflexo da vontade divina.
Por ser uma revelação da santidade de Deus, uma representação de Seu caráter (Salmo 19:7-8; 119:142, 151 e 172), Paulo considerou a lei “espiritual” (Romanos 7:14) e se referiu a ela usando os mesmos atributos que descrevem a natureza de Deus: “Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom.” (verso 12).
A lei é santa porque é uma expressão da santidade e vontade divinas; justa, porque põe em relevo a norma de um caráter justo que está ao alcance dos seres humanos (ver Mateus 5:48); e boa, por seu sentido moral.
De modo que a lei divina revela a natureza de seu Autor e expressa Seu pensamento e propósito.
Singularidade e perpetuidade da lei moral
O Novo Dicionário da Bíblia observa que o decálogo em realidade é um sumário compreensivo da lei de Deus, cuja validade permanente é evidente pela natureza de seu conteúdo e pela atitude do Novo Testamento para com o mesmo e é ainda assinalado por sua espantosa promulgação, sua forma física durável, e sua localização sob o trono de Deus, no santuário. (1)
No Comentario Exegetico y Explicativo de La Biblia, Jamieson, Fausset e Brown consignam que os quatro primeiros mandamentos contêm nossos deveres para com Deus; os outros seis, nossos deveres para com o próximo; e, interpretados por Cristo, alcançam tanto o domínio do coração como o dos lábios (Mateus 5:17). (2)
Matthew Henry, em seu Comentário Bíblico do Antigo Testamento, refere-se à lei moral com estas oportunas palavras:
Deus fala de muitas maneiras aos filhos dos homens; pela consciência, por providências, por sua voz, a todas as quais devemos atender cuidadosamente; mas nunca falou, em momento algum, como quando deu os Dez Mandamentos. Deus tinha dado antes esta lei ao homem; estava escrita em seu coração, mas o pecado a desfigurou tanto que foi necessário reviver o conhecimento dela. A lei é espiritual, e toma conhecimento dos pensamentos, desejos e disposições secretas do coração. Sua grande exigência é o amor, sem o qual a obediência externa é pura hipocrisia. Requer obediência perfeita, infalível, constante; nenhuma lei do mundo admite a desobediência. Qualquer que guardar toda a lei, mas ofender um único ponto se faz culpado de todos (Tiago 2:10). Omitir ou variar algo no coração ou na conduta, em pensamento, palavra ou obra, é pecado e o salário do pecado é a morte. (3)
O amor é o princípio da obediência
O modo como João se refere à lei nos remete imediatamente ao princípio fundamental que abrange cada um de seus preceitos:
Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. (I João 4:8)
Segundo Mario Veloso, o contexto em que João define a lei dessa maneira constitui uma explicação das atividades espirituais do anticristo (versos 1 a 3).
Aqueles que “são de Deus” fazem distinção entre a “verdade” e o “erro” (verso 6). O erro do anticristo é negar a missão de Cristo (verso 3). Ele “nega” Jesus (I João 2:22), e assim nega também o Pai porque o Filho e o Pai são um (I João 1:2 e 3). Isso constitui uma negação do companheirismo e do conhecimento, inclusive o conhecimento de Deus e o companheirismo do Filho.
Enquanto o espírito do erro representa poderes satânicos em operação, o espírito da verdade (I João 4:6) é a obra do Espírito Santo para estabelecer íntima comunhão com o Filho pela fé e transmitir o conhecimento verdadeiro de Deus mediante a revelação (verso 13). Aqueles que amam a Deus fazem Sua vontade (I João 2:17) e “guardam os seus mandamentos” (versos 3 a 6). (4)
Ao referir-se à vinda do Consolador, Jesus Cristo disse que a Sua obra consistiria em convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo (João 16:8), guiando a toda verdade (verso 13).
A lei de Deus é a verdade ((Salmo 119:142 e 151), e todo aquele que ama a Jesus verdadeiramente, guardará os Seus mandamentos (João 14:15; I João 3:9-10).
Ora, os mandamentos de Deus não são penosos (I João 5:3), visto serem regidos pelo princípio único do amor (Mateus 22:24-40), e, sem amor, não pode haver obediência de coração e espírito (Romanos 2:28-29), a não ser uma conformidade formal à letra da lei, incapaz de comunicar vida (II Coríntios 3:6).
Esta era a triste condição dos judeus legalistas, não obstante os claros ensinos de Moisés a respeito do tema ((Levítico 19:18 e 34; Deuteronômio 6:5; 10:12) e os testemunhos de Cristo sobre o verdadeiro propósito da lei (Mateus 22:24-40; Marcos 12:29-34; Lucas 10:27-28).
Se as Escrituras definem pecado como “transgressão da lei” (I João 3:4), então o amor, como princípio antagônico ao pecado, constitui “o cumprimento da lei” (Romanos 13:10).
Hoje somos desafiados pela Palavra de Deus a resgatar em nossa vida a dimensão evangélica da obediência à lei pela fé em Jesus (Apocalipse 14:12). Qual será nossa resposta?
Notas e referências
1. O Novo Dicionário da Bíblia. J.D. Douglas (Org.). 3ª edição revisada. São Paulo: Vida Nova, 2006, art. “Dez Mandamentos”, p. 340-341.
2. Roberto Jamieson, A.R. Fausset, David Brown. Comentario Exegetico y Explicativo de la Biblia. Tomo I: El Antiguo Testamento. Vigésima edición. El Paso, TX: Casa Bautista de Publicaciones, 2003, p. 85.
3. Matthew Henry. Comentario Bíblico do Antigo Testamento. Volume 1: Gênesis a Neemias. Tradução de Daniela Raffo, p. 83-84.
4. Mario Veloso. “A Lei de Deus”. Em Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. Raoul Dederen (Ed.). Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011, p. 514.