À luz da exortação de Cristo contra o engano nos últimos dias (Mateus 24:4), terminamos nossa postagem anterior com três importantes questões em mente: Em que área Satanás concentrará sua atenção, esperando, assim, lograr êxito contra o povo de Deus? É possível que seu objetivo não seja inicialmente destruir a fé da igreja, mas danificá-la, sabotá-la, de modo que seus membros imaginem ser ainda seguidores de Cristo, quando na verdade já pertencem a outro partido? Qual a importância das três mensagens angélicas nesse contexto?
Conforme vimos anteriormente, o Apocalipse é um livro cristocêntrico por excelência, ou seja, Cristo é Agente e Personagem chave da mensagem profética. Com efeito, sua principal preocupação não é apenas vaticinar sobre o futuro curso da igreja, mas prepará-la para a crise final que ela deverá enfrentar. Essa dimensão pastoral da Revelação, à semelhança de Mateus 24, é evidente na preocupação de Cristo em exortar e alertar a igreja contra os enganos e falsas crenças que ameaçariam seus membros, especialmente nos últimos dias.
Como um desenvolvimento excepcionalmente rico de Mateus 24, o Apocalipse pode nos ajudar a identificar a área ou foco no qual Satanás concentrará seus esforços no sentido de seduzir e enganar o povo de Deus no fim dos tempos, prevenindo-nos, portanto, contra seus sofismas. Essa será nossa questão inicial, e para respondê-la precisamos entender como o último livro da Bíblia foi divinamente estruturado.
O principal foco do conflito final
É muito importante que o leitor compreenda que a forma literária do Apocalipse é uma parte essencial de sua revelação. Isolar qualquer texto do livro de sua estrutura literária significa comprometer o verdadeiro sentido da profecia e do seu cumprimento histórico. Diferentes arranjos estruturais podem ser identificados no Apocalipse, dependendo do ponto de vista que se aplique a partir do próprio conteúdo do livro (veja um exemplo aqui). Assim, o Apocalipse pode ser dividido de maneiras diferentes, segundo a escolha que se faça entre os grandes temas de que se ocupa a Revelação.
Sem dúvida alguma, o mais importante arranjo estrutural que encontramos no Apocalipse é aquele em que o santuário celestial ocupa um papel central nos escritos proféticos de João. O fato de que o Apocalipse esteja estruturado na perspectiva do santuário é de valor inestimável não só para a presente investigação, mas, sobretudo, para um maior entendimento da dimensão celestial da obra redentora de Cristo (conforme Hebreus 8:1-2).
Os Evangelhos revelam importantes aspectos da obra terrestre de nosso Salvador – Seu nascimento, ministério, sofrimentos, morte e ressurreição. O Apocalipse se concentra na obra celestial de Cristo à direita do Pai como nosso Sumo Sacerdote e Juiz e, finalmente, como Rei dos reis e Senhor dos senhores, que reinará para sempre com os Seus santos na Terra renovada. O Apocalipse representa, portanto, o cumprimento glorioso e triunfante dos Evangelhos, revelando-nos um panorama da glória de nosso Redentor!
O santuário – centro da Revelação
Com efeito, não é possível compreender o Apocalipse sem ter em perspectiva o ministério de Cristo em Seu santuário. Para cada grande revelação feita no livro há uma cena expressiva ocorrendo no centro divino de operações no Céu:
- Antes de enviar as mensagens às sete igrejas, João vê Jesus vestido com trajes sacerdotais no Lugar Santo (Apocalipse 1:12-18).
- A visão do trono de Deus que exalta o papel de Cristo como o Cordeiro precede a abertura dos sete selos (capítulos 4 e 5).
- A profecia das sete trombetas é precedida por uma extraordinária visão relacionada ao altar de incenso (8:2-6).
- A abertura do Lugar Santíssimo em que João vê “a arca da Aliança no seu santuário” (11:19) precede a descrição das cenas finais da história do mundo.
- Antes que a ira de Deus se manifeste mediante os sete últimos flagelos, uma visão reveladora indica que os serviços de intercessão no santuário celestial foram finalmente concluídos (15:8).
- Por fim, ao descrever a terra renovada, João transmite mensagens de ânimo aos santos enviadas do santuário (21:3).
A centralidade do santuário no Apocalipse nos transmite a segurança de que os destinos deste mundo são conduzidos segundo o contínuo ministério de redenção e juízo dirigido por Cristo em Seu santuário. Como observa Edward Heppenstall, o vitorioso cumprimento do propósito de Deus no local onde se encontra o Seu trono, torna possível a erradicação do pecado e de seu autor, e o estabelecimento do reino eterno de Deus.
A ligação entre Daniel e Apocalipse
Apesar de o santuário ser central no livro de Apocalipse, a primeira metade do livro apresenta apenas o simbolismo do primeiro compartimento, com a ação mudando para o segundo compartimento no capítulo 11:19. (1) Essa divisão bastante significativa revela que os eventos proféticos de natureza histórica (capítulos 1 a 9) estão ligados ao primeiro compartimento do santuário (Lugar Santo), enquanto que os eventos de natureza escatológica (capítulos 12 a 22) estão ligados ao segundo compartimento (Lugar Santíssimo). O “divisor de águas” entre as duas partes se encontra em Apocalipse 10.
Nesse capítulo, encontramos algumas ligações óbvias com o livro de Daniel que não aparecem em nenhum dos capítulos precedentes. Entre estas correspondências reveladoras, destacamos aqui a ligação entre Apocalipse 10:5-6 e Daniel 12:7. Observe a semelhança entre ambos os textos:
Não obstante a evidente semelhança entre os dois juramentos, há também diferenças importantes. A mais significativa delas para o propósito de nosso estudo se refere a um complemento intencional no juramento do Anjo forte de Apocalipse 10 em relação ao juramento do “Homem vestido de linho” de Daniel 12: a expressão “o mesmo que criou o céu, a terra, o mar e tudo quanto neles existe”!
Note que esse Anjo com características messiânicas (Apocalipse 10:1) faz Seu solene juramento dentro do marco da sexta trombeta (capítulo 9), isto é, durante o tempo do fim, visto que o soar da sétima trombeta coincide com a segunda vinda de Cristo (11:15-18). O juramento constitui o ato central do Anjo forte de Apocalipse 10, e a ênfase nos atributos criadores de Deus o diferencia do juramento em Daniel 12.
Essa ênfase elaborada e intencional sobre Deus como Criador chama a atenção da última geração de crentes para o elemento central no último grande conflito entre Cristo e Satanás: a adoração. Em Apocalipse 13 e 14, essa ênfase será ampliada nas oito referências ao tema presentes nesses capítulos. O grande problema religioso em demanda nos últimos dias se refere, pois, à questão de adorar o Criador em espírito e em verdade, ou adorar Babilônia.
A adoração como o problema religioso final
Por meio da ênfase no atributo criador de Deus presente no juramento do Anjo forte em Apocalipse 10, o remanescente final é advertido sobre o que estará em jogo nos derradeiros momentos da história humana.
O Apocalipse informa que Satanás concentrará todos os seus esforços nesse assunto com o objetivo de confundir e enganar as testemunhas da igreja do tempo do fim. Sua determinação aumenta porque ele sabe que ainda é possível responder ao apelo de Deus na voz do primeiro anjo (Apocalipse 14:6-7) e, assim, aceitar a verdadeira adoração a Deus como o caminho divinamente indicado para honrar e glorificar o Criador.
É possível perceber mais claramente a determinação diabólica em subverter o conceito bíblico de adoração quando notamos como os três elementos do cosmos mencionados no juramento do Anjo forte – o céu, a terra e o mar – são reivindicados como os domínios de uma falsa tríade satânica. Em Apocalipse 12 e 13, a esfera de influência dos três agentes perseguidores (o dragão, a besta marítima e a besta terrestre) abrange todo o cosmos: o dragão veio do céu, a primeira besta, do mar, e a segunda besta, da terra. (2)
É à luz dessa falsa reivindicação que Apocalipse 14 cumpre sua função como a contraparte positiva do capítulo 13, o qual, por sua vez, é um desenvolvimento de Apocalipse 12. De um lado, temos os santos que perseveram em sua lealdade a Deus e à verdadeira adoração (Apocalipse 14:1-5), e do outro, os poderes anticristãos que pretendem estabelecer um modelo paralelo de culto em desafio a Deus (Apocalipse 13:1-18).
Compreender essa importante distinção enfatizada no capítulo 14 – o ponto focal do livro do Apocalipse – ser-nos-á de inestimável auxílio para conhecer a vontade de Deus no que tange à adoração e, desse modo, não ser engolfados pelo poder sedutor do último grande engano.
Notas e referências
1. George R. Knight. A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo: estamos apagando nossa relevância? Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010, p. 68.
2. Hans K. LaRondelle. As Profecias do Tempo do Fim. XXII – O Conflito Final de Lealdade do Tempo do Fim – Apocalipse 13.
Fonte: Três Mensagens