Desde 2009, a Nigéria vive uma onda contínua de violência que tem afetado de forma desproporcional a população cristã – especialmente nas regiões norte e central do país, onde atuam grupos extremistas como Boko Haram, ISWAP (Estado Islâmico na África Ocidental) e milícias armadas de pastores fulani. Diversas organizações civis e religiosas denunciam um verdadeiro genocídio silencioso.
O relatório da Intersociety (International Society for Civil Liberties & Rule of Law), uma das fontes mais citadas, afirma que 52.250 cristãos foram assassinados entre 2009 e meados de 2023, e que 18.000 igrejas e 2.200 escolas cristãs foram incendiadas ou destruídas nesse período.[1]
Outras estimativas ampliam esse número: segundo o Genocide Watch, o total de cristãos mortos na Nigéria desde o ano 2000 ultrapassa 62.000 pessoas.[2] Um relatório mais recente da Intersociety, publicado em 2025, indica que 7.087 cristãos foram mortos apenas nos primeiros 220 dias de 2025, além de 19.100 igrejas destruídas.[3] Considerando todo o período desde 2009, a entidade estima um total de 125.009 cristãos assassinados e 185.009 nigerianos mortos no total, quando somadas todas as motivações religiosas, étnicas e políticas.[3]
Esses números impressionam, mas devem ser interpretados com cautela. As estimativas dependem de relatórios de campo, registros de paróquias, denúncias locais e dados incompletos das autoridades. Mesmo assim, a convergência entre diferentes fontes sugere que a Nigéria se tornou o país mais perigoso do mundo para ser cristão, respondendo por cerca de 80% de todos os assassinatos de cristãos por motivos religiosos em 2023, segundo a organização Open Doors.[4]
Igrejas queimadas e destruição de templos
As mesmas fontes apontam que entre 18.000 e 19.100 igrejas foram atacadas, queimadas ou “forçosamente fechadas” desde 2009. Isso representa uma média de cerca de 1.200 igrejas destruídas por ano.[5] Em alguns estados, como Plateau e Benue, denominações locais tiveram dezenas de congregações encerradas após ataques. A Release International relatou que 70 templos de uma única denominação foram destruídos apenas em Plateau.[6]
Por que a mídia internacional fala tão pouco sobre isso?
a) Complexidade do conflito. A violência nigeriana envolve uma sobreposição de fatores – religiosos, étnicos, políticos e econômicos. O conflito entre agricultores cristãos e pastores fulani muçulmanos, por exemplo, inclui disputas por terra e recursos naturais. Essa complexidade torna difícil para a imprensa enquadrar o fenômeno apenas como “perseguição religiosa” sem parecer reducionista ou enviesada.[7]
b) Falta de acesso e riscos. As regiões mais afetadas estão sob controle de grupos armados, com estradas perigosas, sequestros e ataques constantes. Repórteres estrangeiros raramente conseguem entrar com segurança para verificar os fatos.
c) Falta de apelo midiático e seletividade. Crises humanitárias “distantes”, sem imagens marcantes ou conexão direta com o público ocidental, recebem pouca atenção em grandes redes globais. Enquanto isso, guerras mais geopolíticas – como as da Ucrânia ou do Oriente Médio – monopolizam a cobertura internacional.
d) Controvérsias sobre as fontes. Alguns pesquisadores questionam a metodologia de ONGs cristãs e denunciam possível inflacionamento dos números. Um estudo publicado na revista African Affairs observou que “dois terços das vítimas civis do Boko Haram eram muçulmanas”, o que indica que a violência afeta amplamente diferentes grupos religiosos.[8] Ainda assim, isso não nega que os cristãos sejam alvos preferenciais de sequestros, execuções públicas e destruição sistemática de igrejas.
e) Negação do governo nigeriano. O próprio governo da Nigéria frequentemente rejeita a ideia de perseguição religiosa, atribuindo os ataques a “banditismo”, “terrorismo genérico” ou “conflitos rurais”. Essa postura reduz a pressão internacional e limita investigações independentes.[9]
f) Polarização e medo de “islamofobia”. Veículos de comunicação ocidentais temem ser acusados de fomentar preconceito ao destacar crimes cometidos por grupos islâmicos. Essa autocensura contribui para o silêncio midiático, mesmo diante de dados consistentes sobre massacres em massa.
Conclusão
A Nigéria vive há mais de quinze anos uma escalada de violência que combina radicalismo religioso, falência estatal e negligência internacional. O número de cristãos mortos e igrejas destruídas é comparável a zonas de guerra reconhecidas, mas sem a devida visibilidade global.
Enquanto o Ocidente debate questões de tolerância religiosa em abstrato, milhares de famílias nigerianas perdem seus entes queridos, seus templos e suas aldeias. A omissão internacional reforça a impunidade e perpetua a tragédia.
(Yuri Schmitke é advogado)
Referências:
[1] International Society for Civil Liberties & Rule of Law (Intersociety). “Martyred Christians in Nigeria: 52,250 killed, 18,000 churches and 2,200 schools destroyed (2009–2023)”. Disponível em: https://intersociety-ng.org/martyred-christians-in-nigeria-2009-2023
[2] Genocide Watch. “Genocide Warning: Nigeria”. Disponível em: https://www.genocidewatch.com/single-post/genocide-warning-nigeria
[3] International Society for Civil Liberties & Rule of Law (Intersociety). “7,087 Christians killed and 19,100 churches destroyed in Nigeria in the first 220 days of 2025”. Disponível em: https://intersociety-ng.org/7087-christians-killed-in-nigeria-2025
[4] Open Doors International. World Watch List 2024 – Nigeria. Disponível em: https://www.opendoors.org/en-US/persecution/countries/nigeria/
[5] Catholic News Agency. “Nigeria: more than 1,200 churches destroyed each year in attacks against Christians”. Disponível em: https://www.catholicnewsagency.com/news/255312/nigeria-more-than-1200-churches-destroyed-each-year
[6] Release International. “70 churches closed in Plateau State after attacks”. Disponível em: https://releaseinternational.org/nigeria-70-churches-closed-in-plateau-state-after-attacks/
[7] United States Department of State. 2023 Report on International Religious Freedom: Nigeria. Disponível em: https://www.state.gov/reports/2023-report-on-international-religious-freedom/nigeria/
[8] Pérouse de Montclos, M.-A. “A ‘sectarian’ jihad? The political and social background of Boko Haram”. African Affairs, Oxford University Press. Disponível em: https://academic.oup.com/afraf/article/114/454/1/219667
[9] Government of Nigeria. Press statements rebutting allegations of religious persecution. Disponível em: https://nigeria.gov.ng
Fonte: Outra Leitura
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