Sou sabatista há quase dez anos. Durante esse tempo, já conversei com muitas pessoas não sabatistas que relacionam a guarda do sábado a legalismo e falta de liberdade em Deus. Se você é uma dessas pessoas que pensam assim, eu gostaria de te convidar a ver esse hábito (de guardar o sábado) sob uma ótica diferente. Você não precisa concordar, mas quero te ajudar a entender melhor como um sabatista enxerga o sábado. Para isso, vamos fazer um exercício de reflexão a partir de algumas perguntas. Comecemos.
(1) Você acha que seria saudável para seu corpo e sua mente trabalhar os sete dias da semana, sem nenhuma folga? A não ser que você seja um viciado em trabalho, sua resposta deve ser “não”. E o viciado em trabalho certamente já está doente em sua psiquê, pois não consegue parar. Mesmo um empresário, que vê a necessidade de seu negócio abrir todos os dias, provavelmente não vai querer trabalhar sem folga. Ele criará uma escala. É o que geralmente acontece.
Se sua rotina de trabalho (ou mesmo de estudo) não possui sequer uma folga por semana, esteja certo que seu médico e seu psicólogo diriam: “Rapaz, você precisa de descanso. Precisa parar e focar mais em outras coisas além do trabalho”.
Então, podemos concluir que ter ao menos um dia de folga por semana é necessário, importante e desejável para nossa saúde física e mental.
(2) Você acha que seria saudável para o seu relacionamento com seu cônjuge, filhos, família e melhores amigos, trabalhar (ou estudar) todos os dias, sem nunca ter um dia de folga para passar ao lado deles sem preocupação de trabalho? Creio que não. A não ser que você esteja com sérios problemas de afetividade e altruísmo, você sabe que sua família e melhores amigos sentem falta da sua presença. E você também sente falta da presença deles. Você também tem consciência de que se não der mais atenção para seu cônjuge e filhos, pode perder a admiração deles. Muitas famílias são destroçadas por falta de atenção e de tempo para com o outro.
(3) Você, como cristão (ou, pelo menos, crente em Deus), acha que seria saudável espiritualmente trabalhar todos os dias e não ter um único dia exclusivo para Deus e as coisas de Deus? Aqui estou falando para pessoas que possuem um trabalho secular. Sei que há quem trabalhe com evangelismo (pastores e missionários). Mas a maioria das pessoas tem um emprego secular. Sem dúvida, nesse cenário, é muito ruim não ter um único dia para se reunir com irmãos com calma, a fim de orar, cantar louvores, estudar a Bíblia, compartilhar experiências espirituais, visitar pessoas, pregar o evangelho, oferecer estudos bíblicos e traçar planos de evangelismo e ajuda comunitária. É necessário e desejável ao menos um dia exclusivo para isso, já que nos outros o tempo é reduzido por causa das tarefas diárias.
(4) Supondo que todos concordem com essas três primeiras conclusões, mas cada um escolhesse o seu próprio dia de descanso, você acha que isso seria ideal para resolver os problemas elencados? Eu acho difícil. Imagine bem: Você é casado e tem três filhos adolescentes. Só que sua folga é segunda, a da esposa é na terça e dos filhos é quarta, quinta e sexta. Afora isso, seus amigos também folgam todos em dias distintos um do outro. Neste caso, mesmo tendo um dia de folga por semana, dificilmente as famílias, amigos e comunidades espirituais poderão se encontrar em maioria. Uma multiplicidade de dias de descanso individual mata a ideia de um desfrute coletivo. Assim, você provavelmente vai concordar que um dia fixo para todos é o que melhor atende a essas necessidades.
Claro, existem algumas atividades que não podem parar nenhum dia, pois lidam diretamente com vidas e segurança. Isso está além da mera categoria “subsistência”. É atividade de amor ao próximo também. Mas essas atividades são minoria e é possível criar uma boa escala entre aqueles que desempenham tais funções.
Muito bem, se você concluiu comigo que um dia fixo de descanso coletivo é importante, então você entendeu, em parte, como pensa um sabatista. Mas não acaba aqui. Que dia deveria ser esse? Aqui entram outras perguntas.
(5) Se uma pessoa que valoriza muito uma data (seu aniversário de nascimento ou de casamento, ou o aniversário do filho) e você, como cônjuge ou pai, esquecer a data e só lembrar dias depois, você acha que essa pessoa não terá ficado chateada por você ter esquecido a data? Em geral, quem tem uma data importante esquecida por uma pessoa que ama fica triste. Por quê? Porque é a sua data. Ou seja, lembrar no dia certo faz diferença.
Na Bíblia, Deus instituiu o Sábado para ser um dia especial que aponta para Ele como o Criador do mundo, e que proporciona um descanso literal do ser humano com Ele. Deus não disse que podíamos escolher qualquer dia para isso. Ele escolheu. Então, faz diferença se resolvemos escolher outro dia.
É claro, minha analogia do aniversário é limitada. Deus não é como uma esposa ou criança que tem a necessidade emocional e psicológica de que lembremos de uma data especial para Ele. O dia aqui faz diferença por outro motivo: porque ao guardá-lo, concordamos com a autoridade de Deus. Deus mandou e nós fazemos. Escolher outro dia é, neste quesito, trocar a autoridade de Deus pela nossa. Ele escolheu um dia, mas nós, por motivos de conveniência, escolhemos outro. Uma vez que o sábado aponta Deus como Criador, a atitude toma contorno de rejeição de Deus como Criador. E, uma vez que o sábado é um elo que mostra que Deus no AT é o mesmo Deus no NT, a atitude toma contorno de rejeição do Deus da Bíblia.
Não é a toa que os quatro primeiros mandamentos do decálogo são a respeito da relação com Deus, e os seis últimos são a respeito da relação com o próximo. Assim, guardar o Sábado (o quarto mandamento) se relaciona intimamente com o reconhecimento de Yahweh como nosso Deus.
Os hebreus tinham muita consciência disso. Em diversas passagens, eles caracterizam Yahweh e o diferenciam dos demais deuses a partir do fato de Ele ter criado céu, terra, mar, fontes das águas e tudo o que há no mundo (Gn 2:1-3 e 14:19-22; Êx 20:8-11 e 31:12-18; II Rs 19:15; I Cr 16:26; II Cr 2:11-12; Jn 1:8-10; Ne 9:6; Sl 96:5, 115:15, 121:2, 124:8, 134:3, 135:5-6, 146:5-6; Is 37:16, 45:18; Jr 10:11; Mt 11:25; Lc 10:21; At 4:24-27, 14:15, 17:23-24; Ap 10:5-6 e 14:6-7). Por isso, Yahweh afirmou aos hebreus que fez do sábado um sinal para que os hebreus soubessem que o Deus que estava falando com eles era Yahweh, aquele mesmo Deus que criou o mundo e santificou o sétimo dia (Ez 20:12-20). Pelo sábado, eles sabiam que era o mesmo Deus, o mesmo Criador, o mesmo Yahweh.
Jesus, provando continuidade, se coloca como Senhor do Sábado (Mt 12:8; Mc 2:28; Lc 6:5). Isso o identificava como Yahweh, já que o sábado era chamado de “Sábado de Yahweh” no AT (Êx 16:23-25, 20:10; Lv 23:3; Dt 5:14) e de “meus sábados” pelo próprio Yahweh (Êx 31:13; Lv 19:3; Is 56:4; Ez 20:12-24).
Assim, quando guardamos o dia exato que Deus ordenou, estamos reconhecendo que (1) quem detém a autoridade é Yahweh, não nós; (2) Yahweh é o Criador; (3) o Deus do Antigo Testamento é o mesmo Deus do Novo Testamento. Pesa ainda o fato de Deus ter posto o sábado no decálogo (os dez mandamentos), onde todas as leis são de caráter universal (Êx 20:1:17). E o decálogo parecia ter bastante relevância. Deus o escreveu duas vezes para Moisés, em tábuas de pedra e com o próprio dedo (Êx 32:15-20, 34:1-4 e 28-29).
Talvez, nesse momento, você diga: “Ok, esses princípios são válidos, mas Deus deu o sábado apenas para os judeus”. O problema dessa alegação é que a Bíblia não corrobora com isso. O sétimo dia de sido abençoado e santificado por Deus antes de existir judeus, Israel, Moisés, Abraão e até o pecado (Gn 2:1-3). Além disso, mesmo depois que Deus fez do sábado um sinal hebraico (já que nenhum outro povo no mundo tinha Yahweh como Deus), deixou claro que os gentios poderiam e deveriam guardar o sábado se quisessem segui-lo (Is 56:1-8).
No NT, judeus naturais e gentios crentes em Cristo, aparentemente, continuaram guardando o sábado (Lc 23:56; At 13:14 e 42-44, 16:11-13, 17:1-4, 18:1-4; ver também At 2:46, 3:1-3, 5:20-21, 5:42, 9:2, 13:5, 14:1, 17:10-17, 18:19, 19:8-10). O apóstolo Paulo não reconhecia ter quebrado nenhum mandamento da Lei (At 22:3-6, 24:14-21, 25:7-11), motivo pelo qual continuava ser visto como um judeu pelos gentios (At 16:19-22). O próprio Jesus, pouco tempo antes de morrer, deu a entender que na perseguição que se abateria sobre Jerusalém no ano 70 d.C., o sábado ainda estaria sendo guardado normalmente (Mt 24:20). Uma vez que esse texto também se aplica à perseguição final dos cristãos, isso quer dizer que no fim os cristãos tornarão a guardar o sábado em massa. Finalmente, é interessante lembrar que o decálogo, no Antigo Testamento, era guardado na Arca da Aliança do Santuário terreno (Êx 25:16-21; Dt 10:1-5; I Rs 8:9; II Cr 5:10). No Novo Testamento, o discípulo João constata, em visão, que há uma Arca Aliança no Santuário Celeste (Ap 11:19). Isso sugere que o decálogo continua valendo e terá relevância no fim. As passagens de Apocalipse 12:17 e 14:12 são mais dois indícios nesse sentido.
Talvez você diga aqui: “Ah, mas não faz sentido o sábado dever ser guardado pelos cristãos, pois quem guarda o sábado está obrigado também a se circuncidar e guardar outros os mandamentos do AT”. Porém, isso é uma inversão de um texto bíblico. Paulo não diz que quem guarda o sábado e outros mandamentos deve se circuncidar. Ele diz o contrário: quem se circuncida deve guardar todos os outros mandamentos (Gl 5:3). A ordem das palavras altera o sentido. O significado da frase de Paulo era o seguinte: o gentio que se deixava passar pelo ritual da circuncisão por crer ser isso algo imprescindível para a salvação, por conseqüência lógica, estaria obrigado a guardar tudo na Lei que se aplicava aos judeus étnicos. Por quê? Vamos ver.
Primeiro, porque o rito da circuncisão sempre foi um rito específico para judeus. Em nenhuma passagem da Bíblia Sagrada, Deus impõe circuncisão a um gentio que queria servi-lo. O rito era um sinal do pacto missiológico entre Yahweh e a descendência física de Abraão (Gn 17:9-14), não uma porta de entrada para a salvação de gentios. O gentio que queria servir a Yahweh não precisava de circuncisão, mas sim de fazer o bem e guardar o sábado (Is 56:1-8). No AT, um gentio só passava pelo rito se quisesse tornar-se um israelita para participar plenamente de todas as festividades hebraicas. Neste caso, leis que eram aplicadas só aos israelitas (por conta do pacto missiológico com Yahweh) passavam a ser aplicadas ao gentio da mesma forma (Êx 12:43-49).
Segundo, porque quem fazia da circuncisão um requisito para ser salvo, agia como se Cristo não tivesse vindo. Assim, de certa forma, retornava ao contexto do AT. Não que no contexto do AT a salvação fosse pela Lei. Mas no AT só havia a Lei, sendo Cristo ainda uma promessa. Esse retorno ao AT, portanto, era entendido por Paulo como uma forma de destituir Cristo de seu papel de Salvador. E quando fazemos isso, o que nos sobra é tentar, sem sucesso, ser absolutamente perfeito no cumprimento de todos os mandamentos que nos são aplicáveis. Por isso, se o gentio passava pelo rito (que não lhe era obrigatório) com essa mentalidade, então deveria se tornar um judeu perfeito e guardar também festas, sacrificar animais, usar borlas nas vestes, etc.
Não há razão para pensar, no entanto, que o inverso é verdadeiro. Enquanto o rito da circuncisão sempre foi exclusivo dos hebreus, o sábado nunca o foi. Então, guardar o sábado não obriga um gentio a viver como um judeu do Antigo Testamento.
Há duas alegações muito comuns que ouço ainda. A primeira é: “Todos os dias devem ser guardados. A Nova Aliança faz de todos os dias iguais”. Mas isso, na prática, só ocorre com quem é missionário ou pastor em tempo integral. Todas as outras pessoas trabalham, estudam e fazem suas atividades seculares ordinárias. Então, continua sendo necessário um dia específico para Deus, onde o tempo é exclusivo dEle, das coisas dEle e do seu próximo. Além disso, cabe lembrar que o sábado não impede ninguém de adorar a Deus todos os dias. E todos os homens e mulheres sabatistas descritos na Bíblia certamente franziriam o rosto se ouvissem alguém dizer que guardar o sábado significa adorar apenas no sétimo dia. Os santos da Bíblia buscavam a Yahweh todos os dias de suas vidas. O sábado era apenas um dia mais especial, onde se parava tudo para adorar a Adonay com exclusividade e juntamente com a congregação.
Ademais, mesmo para alguém que viva do evangelho, o sábado é mais especial. Por quê? Porque Deus abençoou e santificou esse dia. É motivo suficiente. Esse dia aponta para Deus como Criador, Senhor do nosso tempo e autoridade sobre nós. O sábado, ademais, é um templo no tempo. Não precisamos ir até o sábado. O sábado chega até nós, não importa em qual parte do globo estivermos. Dessa forma, ele representa também a onipresença divina, o fato de Deus ser espírito, de não se limitar a templos físicos e espaços geográficos. O sábado é uma ótima forma de adorar a Deus em espírito e em verdade (Jo 4:21-24).
A segunda alegação comum que ouço é: “Guardar o sábado nos tira a liberdade. E Jesus nos chamou para a liberdade”. Mas aqui há um conceito muito distorcido de liberdade. Jesus nos chama para a liberdade em relação ao pecado e às leis Levíticas que não podiam salvar, mas apenas apontar para Cristo (a verdadeira salvação). Em Cristo, somos livres da escravidão do pecado e do jugo da morte eterna. Por conseguinte, também somos livres da culpa, do desespero e da paranóia. Essa é a liberdade que Cristo oferece. O sábado não tem a ver com escravidão. Não tem a ver com pecado, nem com leis Levíticas. Na verdade, quando Deus dá as tábuas da Lei pela segunda vez a Moisés, enfatiza que o povo deveria guardá-lo porque agora não era mais escravo no Egito (Dt 5:12-15). No Egito, não era permitido guardar o sábado. O sábado, portanto, era um dia de descanso e liberdade.
E é aqui que lanço a pergunta derradeira: por que separar um dia inteiro para estar na presença de Deus seria escravidão, enquanto que trabalhar como um escravo seria liberdade? Aparentemente, como muitos hebreus da época de Moisés, temos amado mais o trabalho e as nossas atividades seculares do que a Deus. Yahweh nos deu seis dias para fazer toda a nossa obra. Pediu apenas um para Ele. E nós temos dificuldade de separar esse um. Talvez não sejamos tão diferentes dos hebreus do deserto.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista