A liberdade religiosa é uma causa nobre pela qual vale a pena lutar. Mas, infelizmente, ela se tornou um laço para o povo de Deus.
Há um mês, o pastor Ganoune Diop participou de um painel de discussão realizado na Igreja Adventista de Newlife, em Nairóbi, Quênia, durante o qual ele fez declarações bastante preocupantes.
Diop é diretor do Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa (PARL) da Associação Geral.
De acordo com o site da Religions for Peace, uma organização inter-religiosa de cunho ecumênico, Diop é secretário da Conferência de Secretários Gerais das Comunhões Mundiais Cristãs, foi diretor de Relações com a ONU da Associação Geral e diretor dos Centros de Estudos das Cinco Religiões e Filosofias Mundiais (hinduísmo, budismo, judaísmo, islamismo, secularismo e pós-modernismo), entre outras atribuições.
Em janeiro de 2019, o pastor Diop participou do quinto Simpósio Anual sobre o Papel das Organizações Baseadas na Fé em Assuntos Internacionais (ele é um dos organizadores fundadores da série de simpósios), realizado na sede da ONU em Nova York e coorganizado pela Igreja Adventista.
Na ocasião, Diop explicou por que as organizações religiosas podem e devem se envolver na questão do financiamento do desenvolvimento sustentável, uma prioridade da ONU fortalecida pela encíclica papal Laudato si‘, publicada quatro meses antes da resolução que estabeleceu os objetivos e metas da Agenda 2030.
As declarações de Ganoune Diop no painel de discussão na IASD de Newlife não são, portanto, um caso isolado.
Elas afetam não só o pastor Diop ou o departamento da Associação Geral que ele representa, mas a todos os adventistas do sétimo dia que creem na verdade presente.
Flertando com o diabo
Segundo Diop, a Igreja Católica, embora não tenha atuado em harmonia com o princípio da liberdade religiosa durante a Idade Média, mudou em 1965 com o Concílio Vaticano II, em virtude de sua Declaração em prol da liberdade religiosa.
Essa estranha percepção (para dizer o mínimo) não é nova.
Em uma entrevista à Adventist Review, Bert B. Beach, que serviu como diretor do PARL até sua aposentadoria em julho de 1995, disse o seguinte sobre sua visita ao Vaticano II:
Essa visita abriu-me um mundo totalmente novo. Até então, devo confessar que eu era completamente ignorante. Eu nem mesmo sabia o que o ecumenismo realmente significava.
Beach, que se descrevia como “um construtor de pontes”, também disse:
Devemos ser especialmente cuidadosos ao falar sobre a Igreja Católica. Devemos lidar com a teologia e o ensino católicos à luz do Concílio Vaticano II e de outros documentos da Igreja contemporânea. Não devemos recorrer somente a citações do século XIX [uma referência aos escritos inspirados de Ellen G. White] ou mesmo voltar aos dias do Concílio de Trento. Devemos nos certificar de que o que dizemos a respeito dos ensinos católicos é de fato assim.
Mais adiante, ele acrescentou:
O que dizemos deve refletir a verdade, e não nossas opiniões e expectativas. É preciso dizer do modo como é agora. Hoje a Igreja Católica diz oficialmente que todo ser humano tem o direito de seguir sua consciência e praticar sua religião. Quero dizer, isso é bastante claro….
A ênfase do pastor Beach na ideia de que Roma mudou a partir do Concílio Vaticano II não passou despercebida.
Ganoune Diop também a enfatizou ao se referir à declaração oficial de Roma – a Dignitatis Humanae, de dezembro de 1965 – como “um belo texto sobre liberdade religiosa” e, por isso, “os adventistas devem se informar sobre o que está acontecendo no mundo, para que não caluniemos pessoas conhecidas [incluindo o papa] sem estar cientes de sua contribuição”.
Eu sei, chega a ser surreal.
Afinal, estamos falando de líderes experientes e qualificados da Igreja Adventista que dizem (e enfatizam) que Roma mudou – contradizendo o Espírito de Profecia e o testemunho da história – e que, portanto, devemos ser cautelosos para não caluniar figuras que têm contribuído para a causa da liberdade religiosa em todo o mundo.
É surpreendente que esses líderes adventistas, em seu evidente entusiasmo ecumênico, tenham ignorado que a liberdade religiosa só pode existir se igreja e estado permanecerem separados, uma condição essencial que vai de encontro à forma de governo da única Igreja-Estado do planeta, que ironicamente se apresenta como defensora da liberdade religiosa!
Com tais guardiões de nossos direitos, certamente podemos dormir em paz!
A Declaração Dignitatis Humanae
O leitor não precisa (e não deve) acreditar em mim. Os documentos produzidos pelo Concílio Vaticano II são de domínio público. Basta acessá-los no site do Vaticano para comprovar se Roma mudou ou não.
Contudo, será suficiente examinar aqui a Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa e, assim, verificar se essa mudança de fato ocorreu.
Em meio às palavras lisonjeiras sobre liberdade religiosa, o documento usa expressões bastante sugestivas, como “liberdade responsável”, “honesta liberdade”, que não deve ser “restringida mais do que é devido”, etc., as quais devem ser entendidas à luz das seguintes declarações:
- a “única religião verdadeira se encontra na Igreja católica e apostólica”;
- os “homens e as sociedades têm [um “dever moral”] para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo”;
- “todos os homens… têm também a obrigação de aderir à verdade conhecida [isto é, a católica] e de ordenar toda a sua vida segundo as suas exigências”;
- o direito à liberdade religiosa é legítimo, “desde que se guarde a justa ordem pública” [tal como entendida pela Igreja];
- “a suprema norma da vida humana é a própria lei divina” [sobre a qual a Igreja reclama ser a única depositária e verdadeira intérprete];
- não se deve “negar ao homem o livre exercício da religião na sociedade, uma vez salvaguardada a justa ordem pública”;
- deve-se garantir coletivamente a “liberdade ou imunidade de coação em matéria religiosa… desde que não se violem as justas exigências da ordem pública”;
- “cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum” [para saber o que isso significa, clique aqui];
- “se há de reconhecer ao homem o maior grau possível de liberdade, só restringindo esta quando e na medida em que for necessário”;
- “não poucos se mostram inclinados a rejeitar, sob pretexto de liberdade, toda e qualquer sujeição, ou a fazer pouco caso da devida obediência” [à autoridade da Igreja];
- “todos, mas sobretudo aos que têm a seu cargo educar outros… se esforcem por formar homens que, fiéis à ordem moral [definida pela Igreja], obedeçam à autoridade legítima [a autoridade papal] e amem a autêntica liberdade [aquela que é circunscrita aos critérios fixados pela Igreja];
- a “Igreja [goza] de toda a liberdade que o seu encargo de salvar os homens requer. É uma liberdade sagrada… e é de tal modo própria da Igreja, que agem contra a vontade de Deus quantos a impugnam. A liberdade da Igreja é um princípio fundamental nas suas relações com os poderes públicos e toda a ordem civil” [aqui se apresenta a verdadeira razão por que Roma defende a liberdade religiosa];
- a “Igreja Católica é mestra da verdade” e “declara e confirma, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana” [ou seja, é a Igreja quem declara e confirma quais são os princípios de ordem moral que devem reger as consciências e a sociedade].
Em resumo, Roma aborda a liberdade religiosa dentro de limites muito restritivos e condicionais, determinados pela própria Igreja-Estado e para a sua vantagem, e só se refere à liberdade religiosa como uma “liberdade sagrada”, irrestrita e incondicional, quando aplicada a ela mesma e a suas relações com o poder civil.
Por que deveríamos mudar?
Em O Grande Conflito, p. 571.1, Ellen G. White escreveu:
A Igreja de Roma apresenta hoje ao mundo uma fronte serena, cobrindo de justificações o registro de suas horríveis crueldades. Vestiu-se com roupagens de aspecto cristão; não mudou, porém. Todos os princípios formulados pelo papado em épocas passadas, existem ainda hoje. As doutrinas inventadas nas tenebrosas eras ainda são mantidas. Ninguém se deve iludir. O papado que os protestantes hoje se acham tão prontos para honrar é o mesmo que governou o mundo nos dias da Reforma, quando homens de Deus se levantavam, com perigo de vida, a fim de denunciar sua iniquidade. Possui o mesmo orgulho e arrogante presunção que dele fizeram senhor sobre reis e príncipes, e reclamaram as prerrogativas de Deus. Seu espírito não é menos cruel e despótico hoje do que quando arruinou a liberdade humana e matou os santos do Altíssimo.
O que há, então, na igreja papal ou em suas filhas que a Igreja Adventista precisa aprender ou inspirar-se ou, ainda, mudar?
Apocalipse 18:2 descreve a terrível condição moral e espiritual dessas Igrejas no tempo do fim:
Então, exclamou com potente voz, dizendo: Caiu! Caiu a grande Babilônia e se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável.
Honestamente, não me parece um lugar adequado para inspirar-se ou aprender alguma coisa.
A verdade é que não há nenhuma razão para negligenciarmos nossa herança protestante nem tampouco a mensagem e missão distintivas que Deus nos confiou e que nos caracterizam como o Seu povo remanescente no tempo do fim só para nos associarmos a instituições que Deus não pode abençoar.
Buscar harmonia com Roma e suas associadas é deslealdade a Deus.
Quando Josafá fez aliança com Acabe (2 Crônicas 18:1-3), parecia uma decisão sábia do ponto de vista humano, pois um ataque conjunto contra a poderosa Síria, que era uma ameaça tanto para Judá quanto para Israel, teria maior possibilidade de êxito.
Mas a iniciativa de Josafá não tinha a aprovação de Deus e, portanto, a campanha militar com Acabe resultou em uma derrota desastrosa e humilhante.
Saindo ao encontro de um abatido e desaminado Josafá (2 Crônicas 19:2), o profeta Jeú explicou-lhe por que a aliança com Acabe não teve a sanção divina:
Devias tu ajudar ao perverso e amar aqueles que aborrecem o Senhor? Por isso, caiu sobre ti a ira da parte do Senhor.
Assim como Josafá não tinha o direito de se unir a um homem tão vil, a igreja remanescente não tem o direito de se unir a uma Igreja cujo espírito não é menos cruel e despótico hoje do que quando arruinou a liberdade humana e matou os santos do Altíssimo.
É uma ideia tola e perigosa acreditar que Roma mudou ou que o ecumenismo é uma coisa boa. Alguns dos melhores e mais amorosos líderes do movimento ecumênico são jesuítas, os quais ainda estão determinados a destruir o que restou do protestantismo e seu legado.
Sim, devemos colaborar com outras denominações na defesa, promoção e ampliação da liberdade religiosa, mas isso não significa partilhar de sua visão de mundo, esconder nossas doutrinas distintivas ou abandonar nossa visão escatológica.
Você precisa ler os documentos do Concílio Vaticano II para entender por que a Igreja Adventista tem sofrido sérias mudanças em seu estilo de adoração, métodos evangelísticos e foco de missão desde o encerramento do Concílio em dezembro de 1965.
Encurtar a distância entre a igreja remanescente e Roma tem significado, na prática, alargar a “porta estreita” na mesma proporção, isto é, rebaixar nossos padrões em nome da popularidade e prestígio.
Não posso imaginar nenhuma outra estratégia mais diabólica para desviar as pessoas da verdade presente e fazer com que a mensagem do terceiro anjo perca sua influência.
Que o Senhor abra os olhos de nossos líderes para que vejam o perigo e reajam com a ajuda e a bênção de Deus, antes que seja tarde demais.
Fonte: Blog As Três Mensagens