Nosso Sumo Sacerdote – 2. Significado da Expiação

 

O significado bíblico da expiação centraliza-se em uma ideia básica – a de que Deus criou o homem para viver em um estado de união com Ele, para desfrutar em todos os aspectos de um relacionamento harmonioso com Ele e com os seus semelhantes. Por pertencer primariamente a Deus, o homem foi feito para desfrutar da unidade e viver em paz com seu Criador.

O pecado, porém, rompeu esta união e criou desarmonia por toda a parte. Existe, portanto, uma ruptura radical nesta união. Deus e o homem estão alienados pelo pecado do homem. O homem herdou o resultado do pecado de Adão, a separação de Deus. O homem por si mesmo não tem condições de voltar a Deus.

Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. (Romanos 3:10-12).

A expiação é a maneira de Deus fazer uma reconciliação, de conquistar o homem e trazê-lo de volta à comunhão com Ele. Daí a palavra inglesa “at-one-ment” [“a uma só mente”, ou uma mesma forma de pensar].

Esse conceito e verdade sobre a expiação são tão abrangentes e transcendentes que é impossível comunicá-los ou compreender-lhes corretamente o significado simplesmente pelo estudo de palavras usadas separadamente. A doutrina bíblica da expiação, no entanto, centraliza-se no uso de determinadas palavras específicas. Mas as palavras em inglês, grego ou hebraico não se correspondem atualmente em significado. Elas não são exatamente equivalentes.

A principal palavra em hebraico é kaphar. O significado original desta palavra é difícil de determinar. Estudiosos têm investigado o sentido desta palavra a partir de uma raiz árabe correspondente que significa “cobrir” ou “esconder” ou de uma raiz aramaica que significa “limpar”, “purificar”, “erradicar”.

O Antigo Testamento enfatiza a ideia de cobrir o pecado por alguma forma de expiação ou reconciliação. Quatro formas de radicais são usadas no Antigo Testamento. A primeira fala de resgate. “O resgate da vida de um homem é a sua riqueza, mas o pobre não tem meios de redenção” (Provérbios 13:8). A segunda é traduzida como “encobrir” em um sentido figurado, isto é, propiciar ou conciliar. Jacó procurou propiciar ou “encobrir” sua injustiça anterior feita a seu irmão Esaú por certa quantidade de presentes. “Porque ele disse: Eu o apaziguarei com o presente que vai adiante de mim” (Gênesis 32:20). A terceira é a forma plural da palavra kipurim, usada para designar o “dia da expiação” (Levítico 23:27), o moderno Yom Kippur. Êxodo 30:15 e 16 fala sobre o dinheiro da expiação, meio siclo, a ser pago por todo israelita “para fazer expiação por suas almas”. Em virtude de Seu ato de remir Israel da escravidão no Egito, Deus, por isso, trata todo o Israel como pertencendo a Ele. Por conseguinte, o homem reconhece isto ao pagar meio siclo como preço do resgate. O israelita assim reconhecia o direito de Deus sobre sua vida, que ele pertencia a Deus. O quarto uso da palavra refere-se à parte superior da arca ou propiciatório como o lugar da expiação ou propiciação. “Farás um propiciatório de ouro puro” (Êxodo 25:17). O significado do uso desta palavra marca o lugar onde o juízo ou a ira de Deus contra o pecado é “encoberto” ou “conciliado” simbolicamente pelos sacrifícios de animais tipificando o sacrifício de Cristo, que haveria de vir.

A ideia principal em todos estes casos é a realização de uma reconciliação com Deus por meio de um curso apropriado de reação.

Kaphar tem a ideia básica de fazer reconciliação, purificando do pecado, razão por que é frequentemente traduzida pela palavra reconciliação.

Nenhuma oferta pelo pecado, cujo sangue se traz à tenda da congregação para fazer reconciliação com o santuário, será comida; no fogo será queimada. (Levítico 6:30).Ele trouxe o novilho para a expiação do pecado; e Arão e seus filhos impuseram as mãos sobre a cabeça do novilho, por oferta pelo pecado, e o imolou; e Moisés tomou o sangue e, com o dedo, o pôs sobre os chifres do altar em redor, e purificou o altar, e derramou o resto do sangue na base do altar, e o santificou, para fazer reconciliação por ele. (capítulo 8:14, 15).E quando tiver terminado de reconciliar o santuário, a tenda da congregação e o altar… (capítulo 16:20).

O profeta Daniel, falando da obra sacrifical de Cristo que haveria de vir, profetizou: “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para acabar com os pecados e fazer a reconciliação pela iniquidade, e trazer a justiça eterna.” (Daniel 9:24).

Os sacrifícios levíticos apontavam para o sacrifício de Cristo, pelo qual os homens seriam verdadeiramente redimidos do pecado. Mediante esse processo, homens e mulheres perdidos seriam resgatados pelo sangue de Cristo. A alienação seria removida. A reconciliação entre Deus e o homem seria concretizada. Portanto, o homem deve valer-se disto. Assim, sempre que os israelitas aproximavam-se de Deus no deserto, traziam um animal, oferecendo um sacrifício pessoal como um reconhecimento contínuo de sua parte de que a ruptura havia sido curada e eles estavam unidos com Deus. O fato de muitos perderem de vista o verdadeiro significado dessas cerimônias deve-se não aos próprios sacrifícios, mas a terem os homens fechado suas mentes ao verdadeiro significado da expiação.

Israel era continuamente lembrado que o pecado cria um rompimento nas relações do homem com Deus e destrói a união que Deus deseja estabelecer. Assim, Deus procurou instruir o povo na verdade básica da expiação – que o pecado deve ser removido, se o povo deseja experimentar reconciliação com Deus e manter comunhão com Ele, de modo que Seus seguidores vivam vidas limpas diante do Senhor. Daí a ideia principal de fazer “uma reconciliação”, ou expiação.

No Novo Testamento, a doutrina da expiação gira em torno de três palavras que expressam três ideias principais: resgate, reconciliação e propiciação ou expiação.

Duas palavras gregas dão a ideia de resgate, frequentemente traduzidas por “redenção” ou “redimir”. A palavra mais importante é lutron – “resgate” – a redenção ou libertação de uma pessoa pelo pagamento de um preço. Neste caso, o custo seria o sangue de Cristo, pois “sem derramamento de sangue não há remissão” (Hebreus 9:22). “O Filho do homem veio… para dar sua vida em resgate de muitos” (Mateus 20:28, ver Tito 2:14). Outras formas gregas do mesmo radical são encontradas em Lucas 1:68: “O Senhor Deus de Israel… visitou e remiu o seu povo”. Ele (Cristo) assegurou-nos uma “eterna redenção” (Hebreus 9:12). “Sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3:24). Aqui a forma usada significa comprar de volta um cativo, libertar da escravidão pelo sacrifício, Cristo. A outra palavra, exagorazö, significa “comprar de volta” e é traduzida por “redimir”. “Cristo remiu-nos”, isto é, resgatou-nos da maldição e condenação da lei pelo sacrifício de Si mesmo (Gálatas 3:13).

A palavra inglesa expiação é encontrada no Novo Testamento da KJV [King James Version] apenas em Romanos 5:11. A palavra grega katallagè é traduzida em versões posteriores pela palavra reconciliação, a qual está mais próxima do significado correto da palavra. A palavra é uma combinação de kata e allassö. Significa mudar ou trocar. No sentido religioso usado no Novo Testamento, refere-se ao relacionamento com Deus que é mudado de inimizade para harmonia. Outros exemplos do uso desta palavra na forma verbal também têm o significado de reconciliação (Ver Mateus 5:23, 24; I Coríntios 7:11; II Coríntios 5:18-20; Romanos 5:10). A obra de reconciliação ou expiação é atribuída a Deus, que toma a iniciativa pela dádiva e sacrifício de Seu Filho, o qual restaura o homem à harmonia com Deus. Assim, a reconciliação é sempre efetuada através da pessoa de Jesus Cristo, que morreu pelos pecados do homem.

A terceira palavra grega relacionada à obra expiatória de Cristo é hilastenon, traduzida como “propiciação” ou “expiação”. A palavra grega é derivada de um radical que significa “mostrar misericórdia” (Ver Lucas 18:13). No grego clássico, a palavra é usada para apaziguar ou propiciar os deuses por meio de dons e sacrifícios.

Não há nenhuma possibilidade de reconciliação entre Deus e o pecado, ou seja, que a transgressão continue para sempre. “Expiação” é uma palavra que expressa a intenção divina de destruir o pecado que arruinou o universo. A restauração da perfeita união não foi consumada na cruz. O problema do pecado ainda não foi definitivamente resolvido. A cruz é o ato supremo de Deus para a redenção do homem. Porém é apenas um aspecto da obra de Cristo com respeito à final união. A reconciliação é efetuada pelo Cristo vivo. Não é algo que aconteceu há dois mil anos. A expiação ou reconciliação é experimentada somente quando os homens vivem diariamente uma vida de confiança e dependência dEle. A redenção final de todas as coisas para si mesmo nunca poderá ser alcançada até que o homem seja conquistado a uma vida de inabalável fé e obediência. É o Cristo vivo do presente quem salva, redime e reconcilia.

Cristo é nosso advogado perante o Pai, nosso Mediador, Intercessor, Representante, nosso grande Sumo Sacerdote. A obra realizada na cruz é o convite divino para retornar a Deus e estar em harmonia com Ele. Com este fim Cristo está ainda empenhado no ministério da reconciliação no santuário celestial. Realmente, nós podemos dizer que, a menos que Deus continue Seu propósito para a reconciliação final de todas as coisas, nenhum poder no mundo pode deter as forças do mal e destruir o mal que existe no mundo.

A morte de Cristo foi muito mais do que um gesto divino de amor. Rompeu o poder de Satanás e do pecado. Por Seu contínuo ministério até o fim, o pecado e as forças do mal serão também destruídos.

Jesus Cristo identificou-Se para sempre com a raça humana. Ele é ainda o Filho do homem, embora se assente no trono de Deus.

Então virá o fim, quando ele entregar o reino de Deus, o Pai; quando tiver destruído todo principado e toda autoridade e poder. Porque convém que Ele reine, até que tenha colocado todos os inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte… E quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então o Filho também estará sujeito àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. (I Coríntios 15:24-28).
A batalha travada por Cristo enquanto esteve na Terra não foi somente individual. Não só os pecados dos homens foram carregados na cruz. A batalha foi uma continuação da guerra iniciada no Céu quando Satanás foi expulso (ver Apocalipse 12). A reconciliação final ainda precisa ser realizada, não apenas em cada crente, mas também no mundo e no universo. Porque o pecado ainda se manifesta no coração de criaturas morais e espirituais, a obra de reconciliação deve prosseguir. Em um sentido, a expiação foi feita. No sentido da harmonia universal, ela ainda será realizada. A vitória moral e espiritual de Cristo na cruz não foi imediatamente visível na erradicação do pecado. O mundo ainda requer a direção de Deus até que nem pecado nem morte prevaleçam.

A completa reconciliação e união do mundo com Cristo é realizada em três etapas. A primeira é a expiação na cruz, quando Cristo trouxe redenção ao pecador. A segunda é o ministério sacerdotal de Cristo (comparável ao ministério diário do sacerdócio levítico), Sua intercessão e representação perante o Pai em nosso favor, e Sua guia à igreja até o seu triunfo final. A terceira é a expiação por meio do julgamento. Sem todas estas etapas, não pode haver fim para o pecado, nem imortalidade para o homem. A destruição final do pecado e da morte vem com o fim do próprio Satanás. Talvez a negligência em compreender a obra completa de nosso Senhor, tanto na cruz como no santuário celestial, deixe o homem sem o completo conhecimento de toda a verdade, revelada pela Bíblia, quanto ao pleno significado da expiação.

A intercessão de Cristo no santuário celestial, em prol do homem, é tão essencial ao plano da redenção, como o foi Sua morte sobre a cruz. Pela Sua morte iniciou essa obra, para cuja terminação ascendeu ao Céu, depois de ressurgir. – O Grande Conflito, p. 528.

A solução final ainda não foi aplicada. A obra de julgamento no santuário celestial difere da vitória obtida por Cristo no Calvário. O Cristo vivo ministra até que a morte e o pecado não mais existam. Para o mundo ainda em pecado, a derrota final do mal nunca poderia ser realizada, única e simplesmente, por um evento que aconteceu na cruz há dois mil anos. Tanto o triunfo na cruz como a obra de Cristo como sacerdote no Céu são a esperança e a promessa de renovação e reconciliação final.

A chave para a ideia bíblica de expiação pode ser mais plenamente compreendida dentro desta perspectiva mais ampla. Tudo isto é “em Cristo” e realizado por Cristo. A culpa e a penalidade pelo pecado são agora removidas e anuladas. O crente é reconciliado com Deus e com seus semelhantes. Ele agora goza, pela imputação e pelo poder do Espírito Santo, da perfeita justiça de Cristo, que torna a comunhão com Deus um deleite e uma satisfação.

A ida de nosso exaltado Senhor ao Céu abriu o caminho para a obra de intercessão e de julgamento de Cristo e para o dia do triunfo final. Todo o Céu e todos os filhos de Deus na Terra aguardam ansiosamente aquele dia – quando Deus executará o juízo e a reconciliação final de todas as coisas consigo mesmo.

Vi um novo céu e uma nova terra; porque o primeiro céu e a primeira terra passaram… E eu, João, vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, preparada como uma noiva adornada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens, e habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles, e será o seu Deus. (Apocalipse 21:1-3).


Por Edward Heppenstall

 


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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