Sintonizando os Hinos com a Bíblia

O hino reflete nossa vitalidade espiritual e, ao mesmo tempo, é uma resposta à manifestação da graça divina em nossa experiência cristã.

A Bíblia faz abundantes referências à música. No VT (Velho Testamento), a música está ricamente entretecida com os costumes (folclore) do povo, e tinha significado altamente espiritual nos serviços de culto no templo. Os salmos registram a oração poética e louvor no culto judaico, e permanecem como bela fonte de hinos cristãos. O NT (Novo Testamento) alude brevemente à música nos evangelhos, no livro de Atos e nas epístolas, e o livro do Apocalipse vibra com o grande e eterno salmo ao Soberano Criador-Redentor-Senhor.

Todavia, a Bíblia em parte alguma nos apresenta algum cuidadoso arrazoado sobre o uso da música no culto. No caso, há apenas poucas e sistemáticas considerações quanto ao conteúdo e procedimento de culto de congregação cristã. Um exame das Escrituras revela que apenas em relação a certos aspectos da música no culto temos direta autoridade bíblica: sua motivação, propósito e tono. Falando de modo mais simples, a Bíblia nos dá o “porque” e o “como” espirituais da música no culto; ela não nos dá o musical estilístico “o que”.

Queremos examinar duas instruções do NT quanto ao cântico de hinos: Efésios 5:5-20 e Colossenses 3:12-17. Ambas as passagens tratam de algum aspecto da conduta cristã – a expressão prática das doutrinas do apóstolo fixada nos primeiros capítulos de cada epístola.

Efésios 5

Neste capítulo Paulo encoraja os crentes a viver como filhos da luz, com todos os frutos e as graças do Espírito Santo. Devem eles tirar o máximo das oportunidades porquanto os dias são maus, e “saber qual seja a vontade do Senhor”. Não devem embriagar-se com vinho, mas encher-se do Espírito.

A exortação musical do apóstolo continua nos versos 19 e 20: “Falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Aqui Paulo anima os crentes a se comunicarem uns com os outros espiritualmente em cânticos e poesia, isto é, em representações nas quais os poemas tanto podiam ser falados como cantados. Os cristãos poderiam indagar-se hoje se reconhecem que a inspiração poética e musical pode ser inspirada pelo Espírito Santo, e podem ser uma evidência da presença do Espírito Santo na vida do crente. O contexto deste verso parece sustentar tal opinião.

O texto grego usa três termos diferentes para “salmos, e hinos, e cânticos espirituais”. Seu significado e uso, contudo, vai além, e não exige que se faça demasiada distinção. Salmon (“Salmo”) significa um cântico de louvor, originalmente acompanhado de instrumentos musicais. Pode referir-se aos Salmos do VT, mas o termo grego não o diz de modo absolutamente específico. De igual modo humnom (“hino”) significa também um cântico de louvor, mas o uso não sugere nenhuma espécie precisa de texto ou de música. Pode referir-se a hinos e doxologias que realçam os evangelhos e as epístolas.

O grego para “cânticos espirituais” é pneumatikos ode, uma ode ou adoração e aspiração lírica veiculada pela voz, talvez mesmo testemunho pessoal ou exortação. Na cultura grega a ode demonstrava nobilidade de sentimentos e dignidade de estilo. Crentes poeticamente dotados podem ter composto e cantado odes espirituais. Estas podem ter sido efusões líricas espontâneas, e o termo pode implicar tanto o solo como expressão musical congregacional ou conjunta.

Os três termos para “salmos”, “hinos”, e “cânticos espirituais”, têm um traço de importância comum: eles conotam elevado louvor e adoração a Deus em Cristo pelo que Ele é e pelo que tem feito. E este louvor inclui mínima referência pessoal. Quão saudável e estimulante é este objetivo de tornar Deus o foco!

O verbo “cantar” no verso 19 significa “cantar uma ode”, “fazer música”, (ou melodia) significa literalmente “salmodiar”. Talvez Paulo neste passo use “odear” (cantar ode) para a parte lírica e “salmodiar” para o tono. Em qualquer caso, ele indica que o cântico deve envolver tanto a garganta como o coração; em outras palavras, a personalidade toda. Cantar é tanto um ato externo como uma disposição interior, e o ponto focal de nosso canto é adoração a Deus. Este cântico ao Senhor também se torna comunicação de uns com os outros; nosso louvor a Deus pode e deve edificar os irmãos.

O parágrafo conclui com a favorita explosão de Paulo: Dando sempre graças a Deus o Pai por tudo, em nome do Senhor Jesus Cristo. O grego para dando graças, eucharisteo, sugere agradecimento por graça recebida. A mesma palavra descreve a Jesus, “dando graças” ao instituir a Ceia do Senhor, ou “Eucaristia”. O inteiro motivo, disposição, tema e alvo do cântico cristão é a gratidão, o agradecimento a Deus.

Uma observação posterior: Paulo implica uma comparação de embriaguez alcoólica e espiritual. Ambos, o vinho e o Espírito, comunicam alegria: um, alegria sintética e temporária; o outro, alegria real, permanente, progressiva. Ambos permitem um senso de libertação, de liberação: um espasmódico, o outro duradouro. Ambos libertam a língua e estimulam a comunicação. Enquanto que a embriaguez muitas vezes induz cântico profano e até obsceno, a renovação espiritual inspira os crentes para santa aleluia de gozo e gratidão.

Colossenses 3

Como no caso de Efésios, Paulo debate o cântico de hinos também em Colossenses 3:12-17, após a abertura doutrinal. O contexto para sua exortação específica no verso 16 concernente ao cântico de hinos é um todo encadeado de graças cristãs que se encontram entre o povo escolhido de Deus e especialmente sua culminação em amor, união, paz, e graças. Que quadro para conselho musical! Imagine o que uma mutualidade dessas graças entre os crentes faria pela música em nossas igrejas!

O verso 16 começa: “Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda sabedoria. …” O resultado da rica presença da Palavra é ensino e conselho. O ensino talvez envolva principalmente conteúdo doutrinal, e o conselho, exortação prática.

Paulo continua a traduzir este sábio ensino e conselho em expressão musical. Aqui a NIV (New International Version) e a RSV (Revised Standard Version) rezam: “… e ao cantardes salmos, hinos, e cânticos espirituais com gratidão a Deus em vosso coração”. Isto toma a cláusula paralela a “ao ensinardes e aconselhardes”, e ambas incluem significativos modos pelos quais pode ser expressa a presença da palavra. A ASV (American Standard Version), entretanto, traduz assim a passagem: “Que a palavra de Cristo habite em vós ricamente, em toda a sabedoria, ensinando e admoestando-vos uns aos outros com salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando com graças a Deus em vosso coração”. Isto sugere uma conexão mais íntima entre ensino-conselho por um lado, e cântico por outro. Como músico, eu naturalmente prefiro esta tradução. Em qualquer caso, o contexto implica uma íntima conexão, e o parágrafo paralelo de Paulo em Efésios o confirma. Temos aqui ensino doutrinal e conselho espiritual no cântico.

As principais idéias do verso 16 são: (1) a rica presença da palavra de Cristo: e (2) o ensino, conselho, e cântico. Qual é a causa e qual o efeito? A resposta mais óbvia parece ser que a rica presença da Palavra produz ensino e cântico. Mas uma interpretação complementar é também possível: ensino-conselho com sabedoria e cântico com gratidão são naturalmente meios para permitir que a Palavra habite ricamente em nós.

A reflexão sobre esta grande passagem desperta algumas inquiridoras perguntas sobre o uso contemporâneo de hinos: Quão fiel à Palavra é determinado hino? Quão ricamente habitado pela Palavra eu sou quando canto um hino ou o acompanho? Quão inteiramente determinado hino evangélico reflete a Palavra ou minha resposta a esta Palavra? Deve a igreja considerar o uso de hinos como instrução doutrinária ou encorajamento espiritual de jovens e de novos crentes? Significa isto esperar demasiado de um hino?

No verso 17 Paulo resume este pensamento num abarcante princípio ético: “Fazei tudo na base de vosso relacionamento com Deus por meio de Jesus Cristo, dando graças”. Pela terceira vez em três versos dá ênfase à gratidão a Deus. Somos de novo levados a fazer certas perguntas pessoais: Este hino ou cântico evangélico reflete a compreensão bíblica da graça de Deus e minha resposta cristã de gratidão? Estou cantando (na congregação, no coral, ou num solo) com genuíno senso de gratidão, baseado em recente e diária apropriação da graça de Deus? Deve ser uma das qualificações para que uma pessoa cante (no coral, ou como instrumentista, ou regente de coral ou de grupos de cantores) a posse de um espírito de gratidão? Que representaria para os problemas de música em nossa igreja, uma atitude de gratidão a Deus?

Ênfase Comum

Dois parágrafos de Paulo sobre o cântico de hinos dão ênfase a quatro pontos básicos. Primeiro, que o cântico de hinos tem dupla inspiração: o contínuo encher-se do crente em relação ao Espírito Santo e a rica presença da Palavra no coração.

Segundo, Paulo debate a atitude e motivação dos cantores e o conteúdo espiritual de seus hinos, mas ele nada diz sobre estilo musical, formas, ou acompanhamento. É importante, especialmente para músicos profissionais, lembrar-se de que não temos nenhuma revelação bíblica inspirada relativa à música em si mesma, que é grandemente afetada pelas mudanças de cultura e da História.

Mas a ênfase bíblica sobre a motivação espiritual, no conteúdo, e propósito do cântico não nos dá carta branca para adotarmos qualquer estilo que desejemos. O primeiro passo – talvez o mais importante – para apropriado estilo musical é que preencha o critério bíblico e doutrinal no texto e esteja focalizado no culto e ensino. Fazer isto é andar um bom caminho no rumo da escolha de hinos cujo tono enalteça o seu texto. E mais, crentes biblicamente bem informados e espiritualmente dedicados darão caminho para novas idéias musicais. Sentir-se-ão mais livres para comunicar uns com os outros relativamente ao gosto e estilo musical apropriados.

Terceiro, Paulo vê o cântico de hinos antes de tudo como alegre e grata resposta à graça de Deus; seu movimento básico é no sentido de elevado louvor a Deus. Somente depois disto é que ele, o hino, reflui para os crentes em edificação.

Quarto, alguns sentem nestes versos uma espécie de “Koinonia musical”, um senso de partilha e ativa participação por parte da congregação. O privilégio de cantar pertence a toda a comunicação cristã, não a uma elite.

A brevidade destas passagens pode sugerir que a igreja primitiva não tinha grandes problemas com música. O conselho de Paulo sobre música parece aplicar-se igualmente a toda a igreja ou a pequenos grupos em reunião e mesmo à devoção em família, com o cântico de hinos como natural expressão de plena presença do Espírito em todos os aspectos.

O NT contém muitas passagens majestosas e sublimes que são poéticas na forma e no conteúdo. Estas, juntamente com os salmos do VT e muitas referências à música no templo, mostram que cântico e música eram partes integrantes da vida em Israel e na igreja primitiva. Podemos aprender a fazer esta espécie de música que é inspirada pelo Espírito Santo e pela Palavra, e dirigida ao alto, para Deus, em grata resposta a Sua graça.


 

Fonte: Revista Adventista, Março, 1981, pp.7-9.

Autor: C. Nolan Huizenga


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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