Da nova elite

Há um pensamento reformado, que é uma das mais importantes verdades que posso me lembrar. “ Cristo é Senhor de Tudo”. E se Cristo é Senhor de Tudo, e se Tudo deve glorificá-lo, então, para o cristão não existem coisas desimportantes. Tudo para o Cristão glorifica a Deus. Meu trabalho, por mais comum que possa ser, louva e engrandece a Deus. O cristão nessa perspectiva deve ver a Graça de Deus em Tudo. Deus criou as coisas especiais, assim como as coisas comuns; e as coisas comuns são tão especiais quanto as coisas especiais.

Schaeffer e Rookmaker defenderam essa ideia. Eles viram que Arte deve também louvar a Deus. Engana-se porém quem acredita que o valor da arte está no evangelismo. A arte é boa não porque evangeliza, mas porque glorifica a Deus. A função primeira da arte cristã não é evangelizar, mas glorificar. E ao glorificar, ela evangeliza.

Todos nossos dons devem gritar da Glória de Deus. Se eu cozinho, devo cozinhar para Sua Glória. Se lavo um prato, lavo-o para a Glória de Deus. Se crio uma música, componho para o adorar. Cristo é o centro do Universo, e como centro,  tudo que produzo deve subir a Ele como cheiro suave.

Esse é o segredo da força da Reforma. A salvação vem pela fé, todos podem ter fé, e a fé produz obras; as obras devem glorificá-lo, logo todos podem glorificá-lo. Acredito que esse é o cerne da ideia que veio a se chamar Sacerdócio de Todos os Crentes. Todos são Sacerdotes. Não apenas o Pastor. Não apenas o Ancião. Não apenas o líder. Todos são sacerdotes. Todos têm dons. Todos devem usar seus Dons para Cristo, pois Todos foram salvos por Cristo.

Isso obviamente não é o rebaixamento das coisas santas, mas a exaltação das coisas comuns. O Pastor não tem um trabalho menos santo, por ser o membro comum tão especial quanto ele.  Essa verdade é apenas a certeza de que Todos devem glorificá-lo em Tudo.

Esse pensamento, contudo, pode ser mal interpretado. Alguns pensam que se Cristo pede Tudo que sou, e se Cristo quer que eu o glorifique com os meus dons, então, tudo que eu possa fazer deve ser usado para O exaltar. Por exemplo, se eu sou um cantor de funk, devo usar esse meu dom para glorificar Seu Nome. Se produzo uma série de TV, não preciso parar de produzi-la por ter me convertido, pois, Deus quer que eu use esse meu dom para Ele.

O problema com esse pensamento é que ele não exalta as coisas comuns, mas rebaixa as coisas santas. O pensamento de que “não existe diferença entre o santo e o profano”, como vem sendo formulado pelas novas gerações, caminha a léguas mil do pensamento bíblico.

É bem verdade que devo usar Todos os meus dons para Cristo, mas devo lembrar também que só é um dom aquilo que pode ser santificado por Cristo. E santificação é um assunto que se relaciona com Sua Lei. Logo, qualquer “dom” que não obedeça à Lei de Cristo não é um dom.

Falha quem deduz que Cristo santifica Tudo que tenho. Cristo santifica Tudo que tenho que pode ser santificado. Aquilo que não o pode (pois é contrário à Sua Lei) ele joga fora.

Há, então, coisas que podem ser redimidas, e coisas que não podem ser redimidas. Há coisas que podem glorificá-lo, e coisas que não podem glorificá-lo. O parâmetro é a Sua Lei. Uma série de TV pode glorificar a Deus porque não há passagem alguma na Bíblia que condene esse tipo de produção. Contudo, se uma série de TV contém nudez, linguagem sem virtude e influencia seus fãs a pecarem, essa série não pode ser usada para glorificar a Cristo. Cristo é segregador. Ele não aceita tudo. Ele aceita tudo que pode ser aceito.

Nesse contexto, o tema da arte cristã ganha destaque. Os artistas nunca gostaram de dever satisfação a ninguém. Isso porque a arte parece surgir na livre vontade do artista. Carpeaux já disse que Beethoven quando criava por obrigação não produzia grande coisa. Todos hoje acham-se Beethoven, e querem criar apenas o que quiserem.

Cria-se assim uma Nova Elite eclesiástica. Os músicos, acredito, são pioneiros nisso. A música deles não deve ser julgada por ninguém, pois a Arte não deve satisfação, já que ela é boa em si mesma. Arte é importante não porque prega a Palavra, mas porque é Arte. Por isso, o artista cristão não precisa dar satisfação à Igreja. Se ele cria, já cumpre seu papel e assim alegra a Deus.

Isso, obviamente, é uma falsidade. Um cristão que encontra valor na sua arte apenas por ser arte, esquece que nada que o homem cria tem valor, se não for dignificado por Deus.  Não nego que uma obra possa denegrir a imagem de Deus e mesmo assim possuir resquícios de virtudes. O Teatro grego é ideologicamente contrário ao cristianismo, mas não deixa de ter qualidades.

O cristão contudo não pode cair nesse erro, pois ele já foi exposto à luz. E se a luz da Lei já chegou até ele, não há justificativa para ele produzir algo contrário a essa Lei.

O pensamento da Arte pela Arte dentro do cristianismo construiu uma nova elite. Se antes os sacerdotes eram a elite intocável da igreja, hoje a nova elite são os músicos e artistas. Eles podem produzir o que quiserem e nós não podemos discordar. E se o fizermos, receberemos um simples “você não entende de arte.”

Exemplifiquemos. O cantor Gabriel Iglesias lançou a pouco tempo o clipe de sua nova música, Jeremias. Alguns criticaram a produção. Felipe Valente, também cantor, saiu em defesa de Iglesias e disse:

Quando alguém diz “não entendi e não gostei”, me leva à crer que ela só é capaz de gostar de algo q não lhe seja estranho, ou seja, previsível. Se a previsibilidade supera o deslumbramento pelo inusitado, logo, tendo a achar que tal pessoa detesta arte. Meu conselho: não sofra. Procure sempre músicos previsíveis.

O argumento de Valente é que existe um tipo de música cristã “previsível”. A música de Gabriel, contudo, é “inusitada” e por isso é arte. Apenas os que se “deslumbram” com o “Inusitado” podem apreciar essa arte.

Sua ideia de arte é ridícula. O pensamento de que arte é arte quando choca é na verdade um conceito moderno de arte e totalmente anticristão. Seria Bach inusitado? O que há de inusitado em Beethoven? Por mais que a arte seja sempre arrebatadora, ela nem sempre é chocante. O que há de mais tradicional que os sonetos de Camões?

O problema está com a palavra “inusitada”. Se “inusitado” é aquilo que surpreende, então o pensamento de Valente está certo. Afinal, mesmo um poema comum (como o tradicional soneto) é inusitado, quando bem escrito, pois a Beleza é sempre surpreendente.

Mas percebe-se que o “inusitado” aqui faz referência a simples capacidade de ser diferente, de ser chocante. Os artistas de verdade não importam-se se são chocantes ou não, inusitados ou não; ele se preocupam em produzir beleza. Motivo porque Rembrendt é um artista, e Duchamp apenas um entusiasta.  Razão porque a poesia camoniana durará até o último dia deste planeta, e a de Oswald de Andrade já está sendo esquecida.

Ser “inusitada” não é uma qualidade artística. Ela pode existir, e às vezes existe. Mas nem sempre é qualidade. Afinal, a função da arte não é chocar, mas glorificar a Deus. Talvez por crer que a função da arte é chocar, Valente coloca uma crase onde não deveria existir. E por isso seu comentário é também arte. Camões deve estar chocado com o seu comentário, mesmo agora quando morto.

A verdade é que todo artista deve ser livre para produzir arte. Mas a liberdade verdadeira só pode encontrar-se na submissão a Cristo. O cristianismo só voltará a produzir arte elevada, quando aprender a criar sob à Sombra da Cruz. Os artistas não são especiais, os artistas não são uma elite. Eles devem se submeter a Cristo e aprenderem a produzir verdadeira arte. Oro para que um dia isso aconteça. Oro para que um dia, os artistas cristãos produzam arte cristã, ou pelo menos arte.

Por Patrike Wauker

Fonte: Reação Adventista


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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