10 Principais Dificuldades do Sistema Teológico Calvinista

O erudito Reformado James Daane assinala em seu livro The Freedom of God (Eerdmans), que Calvino abordou a predestinação em suas Institutas sob a seção de soteriologia-após ter tratado em profundidade da questão central da justificação. A predestinação não era o seu ponto de início. Ele não tratou a respeito disso nos capítulos iniciais de teologia, propriamente dita. Contudo, no século XVII os teólogos calvinistas desenvolveram um conceito de “decretos divinos” que tornavam um certo ponto de vista da predestinação o ponto de partida e centro de todo um sistema teológico. Isso tem acarretado ao ramo Reformado da Igreja problemas embaraçosos e complexos dos quais nunca conseguiu desvencilhar-se.

Neste ponto, não atraímos a atenção aos argumentos empregados por declarados oponentes da fé Reformada, mas mencionamos algumas das dificuldades no sistema Reformado que têm sido comentadas pelos próprios eruditos Reformados:

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1. Não é um idéia cristocêntrica.

A noção de um decreto pré-temporal para eleger alguns e condenar outros “incondicionalmente” não é de fato uma eleição “em Cristo”. É verdade que o elemento “em Cristo” às vezes é introduzido nessa teoria de eleição, mas somente como um método de efetivar a decisão divina. Por detrás desse “em Cristo” há ainda a etapa mais profunda de eleição e condenação. O ato de eleição em si é fora de Jesus Cristo.

2. Jesus Cristo não é o ponto de partida.

Cristo deixa de ser o ponto de partida, e sim uma visão abstrata, filosófica e especulativa que se introduz diretamente na divina glória não velada e torna o Todo-Poderoso sujeito ao escrutínio da lógica humana. O que vem primeiro de tudo é a “eleição”.

Obs.: Lutero dizia que não devemos presumir penetrar a desvelada glória de Deus mas contentar-nos em conhecê-lo só como Ele a nós Se revelou em Jesus Cristo.Tudo quanto podemos saber a respeito de Deus e da eleição foi revelado em Seu Filho. Cristo é a verdade. O evento do Cristo é a verdade sobre o futuro, pois em Sua morte e ressurreição os eventos do juízo final já foram revelados. Ele é também a verdade sobre o passado. Jesus Cristo é a plena revelação do que Deus planejou desde a eternidade. Nesta questão deve-se determinar nada saber, salvo Jesus Cristo, e Este crucificado:

Coríntios 2:2 Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado.

3. Deus é a causa do pecado.

Quando é asseverado que Deus decretou deixar alguns de parte e reter deles o dom da fé, isso torna a Deus a causa subjacente de alguns não receberem fé. Conquanto os calvinistas neguem vigorosamente que Deus seja a causa do pecado, não é fácil evitarem essa acusação plenamente. Como poderão fazê-lo quando homens como Peter Y. de Jong declaram abertamente: “Deus claramente pré-ordena o mal”?—Crisis in the Reformed Churches (Reformed Fellowship, Inc.), p. 148.

4. Uma doutrina que não pode ser pregada.

O erudito Reformado James Daane (The Freedom of God [Eerdmans]) declara que a doutrina Reformada da eleição (e condenação) não pode ser pregada. Ele nos lembra dos argumentos quanto a se o evangelho devia ou não ser pregado a todos os homens, e revela como essa pergunta tem torturado as comunidades Reformadas por séculos. A despeito de esforços hercúleos por um após outro de seus eruditos, ainda não conseguem pôr para descansar a vexatória questão. Daane declara que, conquanto a teoria de eleição Reformada possa ser discutida ou argumentada apologeticamente, ela não pode ser pregada. Ninguém pode pregar a condenação, uma vez que somente o que é objeto de fé pode ser pregado. Daane também assinala ser um fato que a eleição não é pregada de púlpitos Reformados:

Hoeksema e Van Til empreenderam as mais abrangentes e sofisticadas tentativas para superar o abismo entre eleição e pregação. Ninguém tentou mais duramente, ninguém lutou mais séria e vigorosamente com esse problema. Comparado com os seus esforços, os dos teólogos escoceses do século dezessete e dos teólogos holandeses Reformados do século dezoito eram simplistas e ingênuos. Entretanto, por todos os seus esforços, Hoeksema e Van Til não tiveram maior êxito do que predecessores escoceses e holandeses. Uma vez alguém se comprometa à teologia do decreto, é teologicamente impossível que tal indivíduo permita, justifique ou explique a pregação do evangelho a todos os homens. Assim, também, é impossível que leve a eleição para o púlpito.—Ibid., p. 33.

5. Nega a descrição bíblica de Deus como Ser integralmente movido por amor e justiça.

A fim de justificar a doutrina Reformada da predestinação, Hoeksema alega que Deus não é afetado de qualquer modo pelos eventos fora de Si próprio. O amor de Deus, por exemplo, não é responsável pelo drama humano, e a misericórdia divina não é chamada à ação pela necessidade do homem. Quando Deus ama, diz Hoeksema, Ele é apenas amorável a Si próprio. Quando Ele é misericordioso, é tal somente para Si. O cristianismo é, destarte, reduzido à lógica fria e dura onde não há nem emoção, nem lágrimas. A isto acrescentem-se as ousadas reivindicações de que Deus não ama todos os homens, e emergirá disso uma imagem de um determinismo cruel e de punhos cerrados que é absolutmente insensível à tragédia humana.

6. Quase chega a ser um fatalismo frio e rígido.

A teoria da predestinação que, por decreto pré-temporal de Deus, objectifica dois grupos fixos chamados “eleitos” e “réprobos” pode não ser tão má quanto o fatalismo, mas ainda surge com a imagem de um determinismo rígido. A despeito de todos os esforços de eruditos bem-intencionados de suavizar a expressão fixa da face do determinismo calvinístico, eles não podem livrar-se daquele decreto frio, congelado que determina tudo que vem a se passar–seja, como lamenta Daane, o preço da beterraba no mercado amanhã ou o placar do futebol hoje. A responsabilidade humana pode ser firmemente afirmada, mas se tudo foi programado por antecipação, a liberdade humana é ainda uma ilusão.

7. Torna a história irrelevante.

Se todos os eventos foram determinados antecipadamente por decreto divino, como podemos nós, ou mesmo Deus, levar a história a sério? E uma vez que o evangelho é história, como podemos levar a sério o evangelho? Uma visão determinística da história não a esvazia de qualquer conteúdo real?

8. Distorce o sentido da ação humana de aceitação da fé.

Uma dificuldade evidente do calvinismo é a interpretação de que a aceitação da oferta de salvação pelo homem constitui uma participação humana, uma “obra meritória” no processo de salvação. Contudo, exatamente o contrário é o que se dá: o homem que aceita a Cristo como seu Salvador está renunciando a seus esforços de salvar-se a si mesmo, admitindo sua incapacidade de aproximar-se de Deus por seus próprios recursos humanos e submetendo-se integralmente a Outro, que é o Salvador, de cujos méritos dependerá inteiramente.

9. Inspira um falso senso de segurança.

Quem segue a perspectiva Reformada da eleição é levado a buscar o seu senso de segurança em sua própria espiritualidade. Isso, tem-se assinalado, é inevitável uma vez que a “perseverança dos santos” é a única verdadeira evidência que o calvinista tem de sua eleição. Apesar da decantada objetividade da perspectiva calvinística da eleição, o crente Reformado pode somente firmar sua certeza de eleição em sua experiência subjetiva.

10. Os frutos não têm sido bons.

Jesus declara que “pelos frutos se conhece a árvore, se é boa ou má”. Alguns dos frutos da visão calvinista não são nada positivos, como certas atitudes conflitantes desenvolvidas ao longo da história, como a outrora dominante filosofia do apartheid na África do Sul e outras situações de discriminação racial, grandemente inspirados por tal cosmovisão teológica. Também se sabe de muitos que vivem em pecado mas julgam-se “eleitos” de qualquer modo, sem sentirem o peso da consciência agudamente conclamando-os ao pronto arrependimento.

Estas são apenas algumas das dificuldades a que os próprios eruditos Reformados chamam a atenção no sistema Reformado de teologia. Mas quando consideram outras alternativas—geralmente o ponto de vista arminiano de eleição sobre a base de fé e obediência preditas juntamente com a negação da “depravação total”—estão preparados para conviver com tais dificuldades, antes que aceitar as intoleráveis conseqüências do sistema alternativo.

Em outras palavras, se o calvinista é posto contra a parede sobre quaisquer das dificuldades que se erguem de seu sistema teológico, ele diz que não vai saltar fora da frigideira do calvinismo para dentro do fogo do arminianismo. Considerar as dificuldades de outro sistema torna mais fácil conviver com suas próprias dificuldades.

Três Opções Para o Cristão Reformado

Parece haver três opções abertas para o cristão Reformado nestas alturas:

1. Renúncia ao seu sistema em favor do sistema arminiano.

Sabedor das graves dificuldades no sistema arminiano, a maioria do pessoal Reformado prefere viver com suas próprias dificuldades teológicas antes que renunciar ao seu sistema em favor do arminianismo.

2. Apego cego à tradição.

Pode apegar-se cegamente a sua tradição e passar o resto de seus dias polindo os “cinco pontos” e zelosamente policiá-los contra pessoas que em qualquer medida os maculariam. Este parece ser o declarado propósito de alguns grupos (e publicações) Reformados que aparentemente nada fazem exceto circular como uma espécie de patrulha da ortodoxia em defesa do que em inglês forma a sigla TULIP.1 Isso se torna mais seco do que as colinas de Gilboa, que não tinha chuva nem orvalho, o que nos lembra o que Spurgeon declarou a Gill:

O retrato dele . . . erguendo o nariz de modo extremamente expressivo, como se não pudesse suportar mesmo o cheiro de livre arbítrio. Foi nessa veia que ele escreveu o seu comentário. Ele caça o arminianismo por toda a sua extensão . . . cai sobre um texto que não é compativel com o seu credo, e o golpeia e recorta terrivelmente para trazer a Palavra de Deus numa forma mais sistemática.—Commenting and Commentaries, Kregel, ed., p. 9.

3. Assumir o slogan da ecclesia reformata semper reformanda.

Pode seriamente assumir o desafio de ser “reformado e sempre em reforma”. Mesmo apreciando a herança da Reforma, não há por que presumir que Lutero ou Calvino, Westminster ou Dort, fixaram o cânon da verdade absoluta.

Obs.: Tomara que nossos leitores Reformados acolham esta terceira opção. Se o fizerem, podemos juntos prosseguir e tentar desbravar novos territórios, tomando os lampejos da Reforma segundo os aspectos legal e moral da redenção e aplicá-los à doutrina da eleição. Ou, expresso doutro modo, consideraremos certos aspectos da teologia Reformada à luz da justificação pela fé.
______
[1] A sigla TULIP é composta dos cinco pontos do calvinismo (em inglês)– total depravity (depravação total), unconditional election (eleição incondicional), limited atonement (expiação limitada), irresistible grace (graça irresistível), e perseverance of the saints (perseverança dos santos).

Obs.: Material adaptado por Azenilto G. Brito do artigo “Aspectos Moral e Legal da Justificação Pela Fé”, de Robert D. Brinsmead, revista Present Truth (ver webpage http://www.PresentTruthMag.com).


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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