A casa do tesouro em Mal. 3:10 (contexto bíblico e escritos de Ellen G. White)

Na discussão do texto de Malaquias 3:8-10 levanta-se a questão se este possui uma ênfase congregacional ou aplica-se a uma instituição mais ampla. Se está se referindo a cada igreja local ou é uma provisão para um sistema unificado. 

Para o leitor adventista do sétimo dia é importante saber qual das duas propostas anteriores está mais próxima do contexto da passagem bíblica em questão. Também é importante, e por isso será consultado, o pensamento sobre o assunto de um dos mais célebres e influentes membros do grupo de pioneiros do Movimento Adventista e posteriormente co-fundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Ellen G. White. 

Neste breve trabalho pretende-se demonstrar qual ideia encontra-se por trás da expressão “casa do tesouro”   tanto no Antigo Testamento (AT) como também qual a aplicação da frase nos escritos deixados por Ellen G. White. Para tanto analisaremos três aspectos que consideramos ligados à expressão “casa do tesouro”. O primeiro deles é o conceito de organização religiosa que está por traz dessa expressão; o segundo é a definição de quem custodiava e administrava  o tesouro da casa e, finalmente, o terceiro, como se aplicava esse tesouro.

 

Aceitando-se que o dízimo e as ofertas, como naqueles tempos, devam ser devolvidas pelo adorador à igreja hoje, conforme Malaquias 3:10,   e, considerando o seu contexto e o do pensamento pioneiro de Ellen G. White, este artigo pretende demonstrar, onde devem finalmente ser custodiados, quem deve administrar e em que devem ser aplicados os dízimos e as ofertas. 

 

O conceito de organização Em Israel

O ministério de Malaquias está localizado por volta do ano 432-424 AC. Seu livro descreve os problemas de infidelidade entre os israelitas para com os serviços da casa de Deus. Contemporâneo de Neemias (444 AC), e tendo desenvolvido seu ministério durante ou imediatamente após este, Malaquias evidentemente está se referindo à  “casa do tesouro” como deixada após a organização e reforma do sistema do Templo, feita por Neemias, logo depois do retorno do Cativeiro. É para esse sistema restaurado por Neemias (Ne 12:44-47; 13:10-13), que o pesquisador deve se voltar para entender para onde, segundo o profeta, deveriam ser trazidos os dízimos e as ofertas. 

É importante lembrar que os livros de I, II Crônicas, Esdras e Neemias formam um todo evidenciando uma obra e um autor comum. Assim, Malaquias 3:10 poderá ser melhor compreendido através do contexto da “casa do tesouro” (ôtsar) apresentado principalmente nesses livros e revelando que eles lidavam com a mesma situação:  

É possível que a desobediência do povo induziu algumas das queixas dos sacerdotes às quais Malaquias já havia se referido. Neemias lida com o mesmo problema (Ne 10:32-39; 13:10). Se Malaquias é anterior aos eventos de Neemias 13, talvez as palavras de Malaquias no verso 8 tenham sido atendidas.  (grifo suprido)

Naquele sistema organizado por Neemias, segundo as informações bíblicas, acontecia o seguinte:

1. A distribuição era centralizada   e controlada a partir de Jerusalém e de lá os recursos eram repartidos por todos os levitas do país (2Cr 31:4-6; Ne 12:44). 

2. Havia câmaras para nelas “ajuntarem das cidades, as porções designadas pela lei para os sacerdotes e para os levitas” (Ne 12:44).

3. Uma equipe era encarregada da distribuição para Jerusalém e outra equipe para o resto do país  (Ne. 13:13).

4. Havia cuidadosa separação entre os dízimos e as ofertas (12: 44)

5. Havia tesoureiros específicos para cada depósito como nos dias de Ezequias (2Cr 31:19).

6. Os encarregados eram representantes dos próprios levitas,   assim não seriam vítima do jogo de interesses alheios à função. Se eram dignos de serem ministros do santuário também o seriam para administrar os fundos para seu próprio sustento “com fidelidade” (2Cr 31:12-15)

7.  Havia necessidade de evitar que os levitas fugissem para atividades seculares. Deviam dedicar-se especialmente ao ministério (Ne 13:10-11).

8. Como os levitas eram assistidos conforme o registro de suas famílias, mulheres e crianças (2Cr 31:18, 19), a assistência financeira e material não considerava como prioridade os lugares que eram os maiores doadores, para que ali ficassem retidos os dízimos, mas as necessidades de manutenção dos indivíduos e da obra em Israel como um todo. Assim que, todos os levitas recebiam sua manutenção de acordo com as necessidades de suas famílias (2Cr 31:17-19).

9. O “tesouro” de Deus envolvia não somente dízimo mas também ofertas (2Cr 31:12; Ml 3:8). Estes eram entregues em produtos ou dinheiro conforme o doador. 

O mesmo padrão e outros detalhes adicionais podem se encontrados nas grandes reformas espirituais do povo de Deus sob Joás (835-796 AC); em 2Cr 24:1-14 e 2Rs 12:4, 5; sob Ezequias (729-686 AC), 2Cr 31:2-21; e no tempo de Josias (640-609 AC), 2Rs 22:1-7 e 2Cr 24:8-10 e 31:14. Em todas elas as construções e reformas do Templo eram feitas exclusivamente com outras ofertas e jamais com os dízimos.

Pode-se depreender dos registros bíblicos que essa unificação do sistema gerido pelos próprios levitas: 1) proporcionava  igualdade de tratamento e proporcionalidade na manutenção do ministério; 2) concedia uma visão global unificada  gerando um senso nacional de missão e unidade entre os sacerdotes; 3) Procurava evitar ambições financeiras na liderança espiritual da igreja israelita. 

Portanto, na Bíblia, os dízimos e ofertas dos sacerdotes não ficavam em cada vila ou cidade, ou na posse do próprio adorador.   Os relatos bíblicos disponíveis indicam que tanto no período pré como pós-exílio, sempre que o sistema de manutenção dos sacerdotes foi reformado sob direção profética, a casa do tesouro foi uma tesouraria centralizada em Jerusalém e administrada pelos próprios levitas. Para esta “casa do tesouro” Malaquias apelava para que fossem conduzidas todas as dádivas. A partir desse centro administrativo todos os levitas recebiam auxilio conforme o registro de “suas famílias” (2Cr 31:17-19). 

A casa do tesouro, portanto, segundo os relatos das Escrituras, é um centro organizado e estruturado como sede da ação religiosa em Israel. Um centro de unidade dentro de um conceito amplo de organização religiosa no qual não se concebe ações independentes ou separadas. Tudo converge para o templo e dele para as partes. A obra é entendida com um todo unido.

Em Ellen G. White

Nos escritos de Ellen G. White a expressão é usada para as tesourarias locais, de instituições e das associações, uniões e Associação Geral indistintamente. Adicionado a isso está, em seus ensinos, a ideia de que a obra é uma unidade e não uma dispersão congregacional. 

A unidade das igrejas em associações é por ela reconhecida. Essas associações em vários níveis são consideradas as “responsáveis” pela promoção e gerência dos dízimos, através dos presidentes eleitos pelas igrejas. Segue-se algumas dessas mensagens que reproduzem os mesmos princípios bíblicos já apresentados anteriormente. Os anos das declarações ao final de algumas declarações ajudarão a perceber a persistência desses princípios ao longo dos anos através dos quais ela escreveu:

1. A obra de Deus deve ser considerada como uma unidade mundial  e não como unidades  “independentes.”  

• “Deve-se considerar a obra em todo o mundo.”   “Sua obra é um grande todo”,   que deve estar unido em todas as frentes com as escolas, ministério e o trabalho médico.   Deus clama por uma ação unida.   Uma frente unida contra o inimigo,   o mundo   e para a vitória.   Ou seja, a igreja deve ser um “grande organismo”.  Esse organismo está estruturado em associações, estaduais que houve necessidade de serem estabelecidas   e precisam ter meios para sustentar novos campos.   Essas associações existem para unir-nos e revelar o poder de Deus produzindo frutos.  

• “A medida que nossos membros foram aumentando em número, ficou evidente que sem alguma forma de organização haveria grande confusão e a obra não se realizaria com êxito. A organização era indispensável para proporcionar o sustento do ministério, para dirigir a obra a novos território, para proteger tanto a igreja como os ministros dos membros indignos, para o registro das propriedades da igreja, para a publicação da verdade por meio da imprensa, e para muitos outros objetivos.”   

• A participação de cada membro, nas diversas instância, desde a igreja local passando pelas associações, uniões e associação geral é o plano de Deus.  

• A organização da igreja em uniões foi um arranjo de Deus.   E através delas Deus seria acessível para realizar a Sua obra.   

A obra é uma “causa” incluindo “nossas várias instituições” e os “numerosos outros departamentos” (1886). 

• Escolas, instituições e igrejas são parte desse todo que é a igreja (1899).   

2. O tesouro, segundo ela, envolve “dízimos e ofertas”. O desejo de se apropriar do dízimo para uso não recomendado é o resultado de não haver igual fidelidade nas ofertas. 

3. Referindo-se às associações, ela menciona a tarefa da sede da obra para o direcionamento dos recursos em benefício de uma causa unificada:

Aqueles que se encontram à testa dos negócios na sede da causa, têm de examinar detidamente as necessidades dos vários campos; pois eles são os mordomos de Deus, destinados a estender a verdade, a todas as parte do mundo. Eles são inescusáveis, se permanecerem em ignorância com respeito às necessidades da obra…”. São esses mordomos que “têm que destinar às necessidades da obra do Senhor os meios de Seu tesouro…  

Dirigindo-se aos administradores da organização Ellen G. White declara que:  “Devemos compreender mais e mais que os meios trazidos ao tesouro do Senhor nos dízimos e ofertas de nosso povo, devem ser empregados para a manutenção da obra, não somente na pátria, mas nos campos estrangeiros.”  

Às associações do seu tempo que, na administração do dízimo e ofertas, na época, não adotavam a partilha dos recursos com outros campos, afirma: “Em algumas associações tem-se considerado louvável o economizarem-se meios, e apresentar um grande excesso no tesouro. Deus não tem sido honrado com isso.”   Mesmo o “tesouro” das instituições é para ajudar os campos missionários também.  

Portanto, para Ellen G. White, a igreja é um grande todo, uma unidade que deve manter-se em apoio mútuo das partes. Essa unidade se dá através do sistema de associações sobre quem recai, como veremos mais detidamente, a responsabilidade gerencial dos dízimos e parte das ofertas da igreja. Essa organização é essencial para que a igreja não se fragmente e não deve ser dispensada ao nos aproximarmos do fim dos tempos.   

Os administradores do dízimo e das ofertas

Nesta parte veremos mais algumas citações de Ellen G. White nas quais as expressões “tesouro” e “casa do tesouro” associadas direta ou indiretamente a Malaquias 3:10 são aplicadas à igreja.

Segundo ela, Deus, no que diz respeito aos dízimos e ofertas, “nunca mudou os planos que Ele próprio ideou.”   Por outro lado, os ancião e oficiais são desafiados a cumprir a missão que Deus lhes deu de levar o povo a ser fiel nos dízimos, ofertas e votos.  Enfaticamente, ela declara que a “casa do tesouro” de Ml. 3:8 a 10 está sob a responsabilidade dos presidentes de Associações que precisam orientar os anciãos e diáconos a trazerem os dízimos ao tesouro “para a sua obra em todo o mundo”.

Seu apelo, no contexto de Malaquias 3:10, é para que os presidentes de associação cumpram o “dever” de ensinar ao povo a ser fiel nos dízimos. Por outro lado é dever dos anciãos de igreja trabalhar para que o dízimo e as ofertas sejam trazidas à igreja e em seguida repassados à associação. 

Segundo Ellen White os  presidentes de Associação devem estar atentos às finanças dos campos e tem como responsabilidade:  “…ver que anciãos e diácono das igrejas nelas realizem seu trabalho, cuidando de que um fiel dízimo seja trazido para o tesouro.”   

O dízimo não é uma propriedade egoísta de alguma igreja local mas é o recurso para enviar mensageiros de Deus “às partes mais distante da Terra.”   E que através da associação cada ramo da obra receba igual atenção.  

É dever dos presidentes de associação e dos pastores educar o povo a ser fiel e, nas palavras de Ellen G. White palavras, “não roubar a Deus”, a fim de haver recursos no tesouro da obra. 

Os membros devem cuidar das igrejas e liberar os pastores para desenvolverem a pregação em novos campos e ainda, segundo ela,  “mandar” ofertas e dízimos para obreiros nos “campos” mais necessitados.  A oposição à organização para impedir que o dízimo seja trazido, conforme Malaquias, ao tesouro, contraria os meios ordenados por Deus, e é obra do inimigo.  O dízimo deve ser devolvido à IASD, conforme Malaquias. 

Portanto, a gerência dos dízimos, de acordo com Ellen White,  deve estar sob a administração das associações. Estas recebem os recursos dos membros através das igrejas locais para uma ação organizada de evangelização do campo. Os presidentes como representantes dos campos devem agir junto aos pastores e anciãos a fim de que os dízimos e ofertas sejam entregues para o trabalho da associação e abertura de novos campos.

A aplicação do dízimo e das ofertas

O dízimo é um fundo que, dentro da filosofia da Igreja Adventista do Sétimo Dia, deve ser aplicado para a manutenção do ministério pastoral como indicado nos princípios encontrados na Bíblia e nas diretrizes dadas por Ellen G. White, que são consideradas inspiradas no âmbito da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Os dízimos devem ser aplicados como segue:

1. pastores.  No pagamento de salários e despesas diretamente ligadas à sua atividade pastoral.

2. missionários em campos estrangeiros.  

3. médicos missionários.  

4. professores de Bíblia.  

5. irmãs que sejam obreiras bíblicas.  

6. um fundo de aposentadoria para pastores.  

7. assistência em eventual invalidez de obreiros.  

8. um plano de saúde para obreiros.  

9. despesas de mudança dos obreiros. 

10. A orientação inspirada também declara que os dízimos devem ser usados para sustentar as instituições da igreja, pagando despesas coerentes com as finalidades desse fundo sagrado, pois estas são “instrumentos para levar avante Sua obra na terra”.

O uso especial do dízimo por Ellen G. White 

Mesmo que, disse ela, ministros indignos venham a recebe parte de nossos dízimos e ofertas não devemos deixar de contribuir para a causa de Deus.  E “não deixes de dar à causa de Deus, e seja achado fiel, porque outros não estão agindo corretamente.”  Um exemplo importante ocorreu em 1870 quando administradores foram advertidos por E. G. White: 

“Os fundos nem sempre têm sido empregados como designaram aqueles que doaram com grande sacrifício.  Homens ambiciosos e egoístas, faltos de espírito de sacrifício e renúncia têm administrado infielmente os meios trazidos à tesouraria.” 

E apesar disso ela disse sobre os doadores: 

“As pessoas sacrificadas, consagradas, que devolvem a Deus o que lhe pertence, como ele exige, serão recompensadas de acordo com suas obras. Ainda que os meios assim consagrados sejam mal utilizados de modo que não realizem o objetivo que o doador tinha em vista – a glória de Deus e a salvação das almas – os que fizeram o sacrifício com sinceridade de alma e com sinceridade de propósito para a glória de Deus não perderão a sua recompensa.”   (mesmo ano?)

Em 1890 ela admitiu: 

“Se os assuntos da associação não são manejados de acordo com a ordem de Deus, isso é pecado dos que cometem o erro. O Senhor não culpará ninguém que faz o que está ao alcance para corrigir o mal. Mas você não cometa o pecado de reter de Deus o que é Sua propriedade.”  

Esta posição, apesar dos desvios da administração, permaneceu a mesma até 1909, próximo ao fim de sua vida, quase vinte anos mais tarde.  

Ela assim falou e assim procedeu como declarou seu filho: “Desde minha conexão com os assuntos de minha mãe em 1881, a maior parte do tempo, um dizimo completo de seu salário era colocado nas mão do tesoureiro da igreja ou da associação.” 

Quando se apelou a associação do Colorado para socorrer os pastores que estavam idosos ou mal remunerados e que não recebiam suficiente para se manter o Pr. Watson reagiu contra a coleta em uma igreja de 400 dólares entre ofertas e dízimos para os ministros negligenciados. Nessa situação E. G. White escreveu-lhe uma carta em 22 de janeiro de 1905 declarando a necessidade de não esquecer aqueles ministros. O conteúdo da carta está reproduzido a seguir:

Moutain View, Califórnia, 22 de janeiro de 1905.

Meu irmão, desejo dizer a você: seja cuidadoso com o modo como age. Você não está agindo sabiamente. Quanto menos você falar sobre o dízimo que é destinado para o mais necessitado e aos Campos mais carentes no mundo, mais sensível você será.

Durante anos tem sido mostrado a mim que meu dízimo deveria ser remetido para ajudar os ministros brancos e negros que eram negligenciados e não recebiam o suficiente, necessário para sustentar a família. Quando minha atenção se voltava para os ministros idosos, brancos ou negros, era minha especial tarefa investigar suas carências e suprir suas necessidades. Esta deveria ser minha obra especial, e tenho feito isto em inúmeros casos. Nenhum homem deveria dar notoriedade ao fato de que em ocasiões especiais o dízimo é usado desta maneira.

Com respeito à obra entre os negros no Sul, aquele Campo foi e ainda está sendo roubado dos meios que deveriam chegar até seus obreiros. Se têm existido casos nos quais nossas irmãs têm destinado seus dízimos para o sustento de ministros que trabalham por pessoas negras no Sul, conserve-se cada homem, se for sábio, calado.

Tenho destinado meu dízimo para os casos mais necessitados que são trazidos ao meu conhecimento. Fui instruída a fazer assim; e com o dinheiro não é retirado da tesouraria do Senhor, não é um assunto que deveria ser acompanhado por comentários, pois tornaria necessário meu envolvimento com essas coisas, o que não desejo fazê-lo, porque não é o melhor.

Alguns casos têm sido mantidos diante de mim durante anos, e tenho suprido suas necessidades do dízimo, conforme Deus me instruiu a fazer. E se qualquer pessoa me disser: irmã White, você poderá destinar o meu dízimo para onde você sabe que ele será mais necessário, eu direi: sim, farei; e tenho agido assim. Elogio essas irmãs que têm aplicado seu dízimo onde é mais necessário para ajudar a realizar uma obra que está sendo negligenciada, e se a esse assunto for dado publicidade, fortalecerá um ponto de vista que seria melhor se fosse deixado como está. Não tenho interesse em dar publicidade a essa obra que o Senhor me indicou realizar, e a outros também.

Envio-lhe essa explicação para que você não cometa nenhum erro. As circunstâncias alteram os casos. Não aconselharia ninguém a realizar uma prática de arrecadação do dinheiro do dízimo. Mas durante anos e ainda hoje, há tantas pessoas que perderam a confiança no método da aplicação do dízimo e têm colocado seu dízimo em minhas mãos, e dito que se não o pegasse, eles mesmos o encaminhariam para as famílias de ministros mais carentes que encontrassem. Tenho recebido dinheiro, dado um recibo por ele, e dito a eles como foi aplicado.

Escrevo-lhe considerando que isso o ajudará a se manter quieto em vez de provocar estardalhaço e dar publicidade ao assunto, para que muitos outros não sigam seu exemplo.  

Sobre a carta ao Pr. Watson:

a) Ela declara que o dízimo recolhido por ela e o seu próprio eram dirigidos ao pagamento de pastores e aos campos mais carentes (associações, missões) e não para ser usado pela igreja local em suas despesas de trabalho missionário o que seria uma distorção de todo o seu ensino.

b) Evidentemente ele estava sendo coerente com o seu ensino geral sobre o tema, de que as associações não deveriam acumular recursos em prejuízo de outros campos mais necessitados de “outras partes do mundo”, exatamente contrariando os que pensam que o dízimo deve ser usado localmente.  

c) Existia, o que não é o caso hoje, uma distorção no cuidado com os pastores, “ministros brancos e negros” e “ministros idosos” que estavam sem receber sua manutenção enquanto trabalhavam para a obra em outros campos, pois “eram negligenciados e não recebiam o suficiente para sustentar suas famílias.”

d) Era um procedimento que, apesar de o dinheiro estar indo para pastores e campos (associações), ela “não aconselharia ninguém a realizar uma prática de arrecadação do dinheiro do dízimo.” Isto é, não era um procedimento a ser seguido pela igreja.

e) Ela não queria que fosse dada “publicidade” e nem que se fizesse “estardalhaço” para não reforçar “o ponto de vista que seria melhor que fosse deixado como está”, para que outros não fizessem exploração desse fato e lhe dessem divulgação como, infelizmente, hoje está acontecendo. As pessoas estavam entregando a ela o dízimo por acharem que não seria bem empregado pelo campo local (que já tinha muito e não estava sendo sensível às necessidades de outros campos). Não se tratava de reter o dízimo de forma alguma na igreja local mas, ao contrário, desejava envia-lo para longe, outros campos e pastores carentes. 

f) Também sustentar idosos, que, apesar de não trabalharem mais, precisavam ser mantidos.

g) Esse dízimo estava indo diretamente do adorador, o irmão, para o pastor ou campo necessitado e não tinha sido nem mesmo entregue na igreja local e nem tinha chegado à “tesouraria do Senhor”. Ou seja, os cofres da associação, ou seu caminho normal, através da tesouraria da igreja local; não estava havendo nenhum problema real de retenção ou desvio do dízimo do seu propósito original. Seria como qualquer membro entregar seu dízimo em outro campo que acha mais carente. Sempre respeitando o princípio bíblico e do Espírito de Profecia, de entregar ao campo para pagamento de pastores.

h) Quanto a seu envolvimento pessoal numa “irregularidade”, é bom lembrar que ela declarou que “fui instruída a fazer assim”  e não era para ser dada “publicidade” a algo que era uma orientação particular de Deus para ela, “essa obra que o Senhor me indicou a realizar, e a outros também”, que a ela confiavam seu dízimo.

i) Se alguém recebesse 1) instrução específica de Deus para enviar seu dízimo para outro campo contanto que fosse 2) para uma família de ministro que estivesse passando necessidade em algum campo distante em crise, estaria de acordo com o que diz a carta. Não há nenhuma base para usar tal carta como pretexto para fazer o contrário da orientação inspirada por Deus.

É interessante relembrar que, nem mesmo na construção e reforma do tabernáculo de Deus no deserto e do Templo construído por Salomão, se usou o dízimo, mas ofertas à parte tiveram que ser providas para a construção, conforme vemos em Êx 30:11-16; Lv 27:1-15.  Quanto aos reparos e manutenção do Templo de Deus, nenhum dízimo foi usado conforme os exemplos já apresentados de Joás, Ezequias, Josias e Neemias.  

Essa atitude de E. G. White, além das razões já apresentadas, justificava-se naquela ocasião  (1905) pois o sistema de jubilação para manutenção de aposentados somente existiria em 1911 por solicitação dela mesma (mesmo o governo dos EUA somente implantou o Seguro Social em 1935). Além disso não havia ainda o sistema de auditoria interna da igreja que reduziria muito os erros no manejo dos fundos da igreja, implantado em 1914.   

Mas mesmo durante aquele período em que ela agia como mantenedora dos pastores carentes, no que ela chamou de “minha obra especial” (não é para outros fazerem o mesmo), sua ação, ajudada por seu filho continuava coerente com seus conselhos sobre o uso do dízimo conforme declara seu filho J. Edson White: 

“Mantemos uma conta separada das pequenas somas de dízimos que nos chegam dessa forma e as usamos inteiramente para sustentar os ministros que trabalham em favor das pessoas de cor.” 

Quando em 1911 o seguro social da igreja e as deficiências de atendimento aos pastores foram sanadas, desaparecendo a necessidade original de 1905, ela respondeu ao ser procurada para aceitar dízimos:

“Vocês me perguntam se aceitaria dízimo de vocês para usá-lo onde mais se necessita na causa de Deus. Em resposta direi que não recusaria faze-lo, mas quero dizer que há um caminho melhor. É melhor depositar confiança nos ministros da associação onde vocês vivem, e nos dirigentes da igreja onde vocês freqüentam. Aproximem-se dos seus irmãos.”  

Conforme Ellen G. White ainda declara:

Igrejas devem ser erigidas, escolas estabelecidas, e casas publicadoras equipadas com condições para fazer a grande obra na publicação da verdade a ser enviada para todas as partes do mundo. Essas instituições são ordenadas por Deus e devem ser sustentadas pelos dízimos e ofertas liberais. Ao a obra aumentar, meios serão necessários para levá-la avante em todos os seus ramos.   

Mas o órgão legítimo para gerir os dízimos e as ofertas missionárias é, como vimos anteriormente,  a associação organizada pelos membros através dos oficiais por eles eleitos.

Evidentemente dentro de cada instituição adventista deve desenvolver-se a atividade pastoral e evangelística e os obreiros e suas despesas diretamente ligadas ao trabalho devem ser custeadas pelos dízimos. Porém, mesmo projetos missionários, feitos por famílias na igreja, não deveriam requerer fundos da associação, salvo se um pastor for necessário. 

Portanto, Ellen G. White entendia que a “casa do tesouro” eram as sedes da obra organizada e que as igrejas locais, também chamadas assim, deveriam fazer o papel de recolher os dízimos e ofertas e repassá-los à organização imediata como associações e uniões.

Também notamos um forte sentimento unificador e uma visão todo abrangente do conceito de missão mundial que está diante da igreja como instituição e, por isso, esta não pode prescindir de todos os recursos que possa dispor para a ampliação da obra em todos os seus ramos.

Conclusão

Os relatos bíblicos tratam da questão dos dízimos para  manutenção sacerdotal e as ofertas como recursos que eram totalmente administrados no templo e a partir dele. O templo funcionava como a sede da obra que exercia controle unificador tanto na área religiosa como administrativa e financeira.

Não há registro de o dízimo do sacerdote levita ser administrado em nível local ou individual. Não havia mistura de fundos oriundos de dízimos e ofertas. Tanto o dízimo como as ofertas entregues tinham uma finalidade diferente. Não se misturava os recurso e nem os destinos desses recursos.

Ellen G. White, refletindo uma destacada voz dentre os pioneiros adventistas, declara que a obra não é local mas mundial e sustenta uma forte visão institucional reagindo contra as tendências à fragmentação organizacional.

Para ela, como vimos, a “casa do tesouro” é a tesouraria da igreja em todos os níveis, mas que a administração dos recursos deve ser feita a nível organizacional através das associações e uniões e não pela igreja local. O responsável pessoal por essa promoção, esclarecimento e administração das ofertas destinadas à associação e especialmente os dízimos é o presidente do campo. Os oficiais das igrejas locais são parte vital na conscientização e transferência dos recursos.

A obra de Deus, tanto nos relatos bíblicos como em Ellen G. White apresenta-se como um “grande todo” e “uma só”. Apresenta-se mais como sistema organizacional e não apresenta evidências de uma estrutura ou administração congregacional ou fragmentada por regiões. Ou seja, em ambos os modelos, tanto o bíblico como o de Ellen G. White, a “casa do tesouro” tem caráter institucional e mais amplo do que a igreja local ou cidade. 

 

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Demóstenes Neves da Silva é Professor na FADBA/SALT antigo IAENE

Fonte: Mais Relevante

 

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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