RESUMO
Este trabalho analisa o desenvolvimento da doutrina do inferno no cristianismo, com ênfase na Igreja Católica, com o objetivo final de compreender o pensamento atual sobre esta doutrina.
A compreensão do assunto ajudará na abordagem que o Adventista deverá usar no estudo deste tema com um outro cristão que não crê, como os Adventistas, que não existirá eternamente um lago de fogo a consumir os seres humanos que não buscaram a salvação em Cristo.
Ao longo do trabalho verificar-se-á como a doutrina do inferno foi utilizada para incutir medo nos fiéis, desde os primórdios da Igreja Católica, numa tentativa de manter o povo sob um regime de pavor e desespero quanto ao pensamento de poder ser condenado à pena eterna do fogo, caso discordasse ou rejeitasse os ensinamentos da Igreja de Roma.
O estudo também abordará a penetração do ensinamento católico sobre o inferno dentro da Igreja Protestante, o que faz desta doutrina um dos pontos comuns mais defendidos e aceitos pela cristandade em todo o mundo.
INTRODUÇÃO
Uma das doutrinas mais comuns entre os cristãos, tanto católicos quanto protestantes, é a da existência de um inferno de fogo que consumirá eternamente aqueles que desprezaram a graça de Deus, concedida gratuitamente ao pecador arrependido. Mas de onde surgiu esta idéia? Como a doutrina do inferno se introduziu na Igreja Cristã? Como a doutrina se desenvolveu nos anos obscuros da teologia da Idade Média? A resposta a estas perguntas pode trazer mais luz sobre o porquê de o inferno ser um tema tão comum e gozar de tão ampla aceitação dentro do cristianismo.
Justificativa
O tema foi escolhido devido à necessidade de se conhecer melhor esta que é uma doutrina tão comum no meio cristão – a de que os ímpios passarão a eternidade no fogo do inferno. Compreendendo como ela surgiu no cristianismo, seu desenvolvimento e como foi utilizada pela Igreja Católica, que dominou o pensamento cristão por longo tempo, o estudante da Bíblia, especialmente o instrutor bíblico, poderá entender como a concepção do inferno está enraizada na mente do cristão do século XXI.
Objetivos
Conhecer o surgimento, desenvolvimento e fundamentação teológica da doutrina do inferno, em particular dentro da Igreja Católica. Também será apresentada uma breve contra-argumentação ao pensamento Católico acerca da existência literal do inferno de fogo eterno.
Metodologia
O procedimento metodológico utilizado no presente trabalho foi uma breve pesquisa bibliográfica nas obras disponíveis no acervo da biblioteca do SALTIAENE, bem como em material disponível na Internet.
Estruturação do Estudo
O trabalho está estruturado em 4 capítulos, a saber: o primeiro trata dos antecedentes históricos que podem ter dado origem ao pensamento cristão sobre o inferno, especialmente na concepção grega e judaica; o segundo capítulo aborda a doutrina do inferno dentro do Catolicismo; o terceiro capítulo explanará a presença desta doutrina no Protestantismo; e o quarto capítulo mostrará uma breve análise sobre o que a Bíblia realmente ensina sobre o inferno, numa tentativa de contraargumentar o pensamento Católico e Protestante sobre o tema. Ao final serão apresentadas as conclusões do trabalho.
CAPÍTULO I
ANTECEDENTES HISTÓRICO-FILOSÓFICOS
Antes de iniciar o estudo sobre a doutrina do inferno dentro do catolicismo propriamente dito, faz-se necessária uma rápida descrição dos antecedentes históricos que formaram o pano de fundo para o pensamento católico sobre o inferno.
Gregos
Na mitologia grega havia uma divindade que era a responsável pelo mundo subterrâneo, considerado o destino final dos mortos. Seu nome era Hades.1 Um outro nome para Hades era Plutão, simbolizando que ele também era o dono de todas as riquezas que existem sobre a terra.2 Embora Hades apareça poucas vezes nas lendas gregas, ele é bastante mencionado, citando-se como algumas de suas principais participações “o rapto de Perséfone, o 12º trabalho de Héracles, e o de Orfeus e Eurídice”.3
Primariamente, o reino de Hades era localizado no extremo ocidente, além do “rio Oceano” (segundo a Ilíada, de Homero). Posteriormente é que ele foi situado abaixo da superfície terrestre, passando a inspirar alguns séculos depois o pensamento cristão ocidental e asiático acerca do inferno.4
Segundo a mitologia grega, a trajetória de um defunto após ser sepultado era descrita como segue:
Quando alguém morria, era levado pelo deus Hermes até o Hades, onde bebia a água do Rio Lete, que trazia o esquecimento da vida terrena, e atravessava o rio Estige em uma barca, conduzida pelo severo Caronte. Como pagamento, o barqueiro recebia um óbolo, a moeda de menor valor, que os parentes colocavam na boca do falecido. O morto atravessava então os portões monumentais, eternamente guardados por Cérbero, cão de três cabeças e cauda de serpente. O feroz guardião permitia a entrada de todos, porém não deixava ninguém sair. Finalmente, diante de Hades e Perséfone, o defunto enfrentava a sentença dos severos e justíssimos juízes dos mortos – Minos, Radamante e Éaco. Segundo seus méritos, era conduzido aos aprazíveis Campos Elíseos ou aos tormentos eternos.5
Percebe-se, então, que a mitologia grega fazia uso constante da figura do Hades, posteriormente, introduzido e desenvolvido na teologia católica e cristã como um todo, como se verá adiante.
Judeus
Inicialmente, a teologia hebraica, no Pentateuco, não contemplava nenhum tipo de vida posterior, nem felicidade para os bons, nenhum tormento para os maus. Nos Salmos e Profetas, no entanto, aparece a esperança de imortalidade no pensamento hebraico. Mas são nos livros pseudepígrafos e apócrifos que esta esperança desenvolveu-se de forma mais acentuada.6 Segundo Champlin, no Antigo Testamento, o pensamento hebreu assemelha-se, em alguns pontos, ao grego quando refere-se ao estado da morte:
[…]Originalmente, não era um lugar onde habitavam seres conscientes, sofrendo tormentos. As almas eram concebidas muito mais em termos da moderna noção dos fantasmas, [eram] entidades destituídas de mentalidade, que ficariam a flutuar ao léu, mas sem qualquer identidade ou existência real. Gradualmente, porém, às almas do hades foi sendo atribuída a qualidade da consciência e, juntamente com isso, as idéias de recompensas para almas boas e de castigo para as más.7Entre os hebreus, o local equivalente ao hades grego chamava-se sheol, 8 que por sua vez possuía dois compartimentos: um para os bons e outro para maus; o inferno seria, então, o compartimento dos maus.9
A teologia hebraica também apresentou ensinamentos sobre um suposto lugar de destino além da morte. Bruce declara que “do séc. II a.C. em diante, a idéia do Éden como um lugar de bênção, e do Gehinom, como um lugar de castigo intenso para os maus, fixou-se na imaginação popular”.10 Para os fariseus, o fogo de Gehinom não é sempre puramente penal, no caso dos ímpios; Shamai, por exemplo, dizia que aqueles que tinham méritos e deméritos em equilíbrio, tinham de purgar seus pecados nas chamas do Gehinom, para só depois entrar no paraíso.11 Esta é uma concepção defendida por alguns judeus da atualidade, como se vê na seguinte citação:
O Gehinom, traduzido como Inferno ou Purgatório, é um dos estágios de purificação e expiação para as almas que, ao se despedirem deste mundo, não estão aptas a adentrar o Paraíso. O judaísmo, à luz da Chassidut, não considera o castigo como um objetivo por si. É apenas um meio para purificar a alma, preparando-a para um nível superior.12
Os israelitas, de modo geral, preocupavam-se mais com o tempo presente, e estarem preparados e aptos para entrarem no mundo vindouro. Sua concepção acerca do inferno e destino dos condenados, após a morte, não influenciou a concepção católica, tanto quanto aconteceu com a mitologia grega e pagã.13
CAPÍTULO II
A DOUTRINA DENTRO DO CATOLICISMO
Definição de “Inferno”
Segundo o Catecismo, o inferno é o “estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados”.14 O inferno também pode ser definido como o “distanciamento eterno de Deus”.15 O “inferno” é também considerado por alguns como sendo uma tradução do termo grego “hades”,16 que designava a morada dos mortos, como visto anteriormente.
Hodge assinala que, para os romanistas, o inferno é definido como sendo “o lugar ou estado no qual os anjos apóstatas, e os homens que morrem em um estado de pecado mortal, ou, como também se expressa, da impenitência final, sofrem para sempre o castigo de seus pecados.17
Quem é Enviado ao Inferno?
Na seção anterior, foi exposta a definição clássica católica sobre o inferno, que é o local ou estado para onde vão as almas dos que morrem com pecados mortais. Segundo o Catecismo, “o ensinamento da Igreja afirma a existência e a eternidade do inferno. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente após a morte aos infernos, onde sofrem as penas do Inferno, o fogo eterno”.18 O Catecismo continua declarando que não há predestinação da parte de Deus para que ninguém vá para o Inferno. É necessário, por parte do pecador, uma “aversão voluntária a Deus (um pecado mortal) e persistir nela até o fim”.19
Tendo em vista que a Igreja Católica crê na existência do inferno como sendo o destino para aqueles que cometem pecado mortal,20 serão descritos a seguir estes tais pecados.
Pecados Mortais
O catolicismo faz uma diferença entre aqueles pecados que são punidos com a morte eterna no fogo do inferno, os “mortais”, e aqueles que são penalizados de forma mais “branda”, podendo livrar o transgressor do lago de fogo. Para os católicos, conforme a gravidade, os pecados recebem distinção de penas diferentes, inclusive na Bíblia (1Jo 5:16-17).21
Os pecados chamados “mortais” são os que destroem a caridade no coração do homem por uma infração grave da lei de Deus. Este pecado “desvia o homem de
Deus”.22 Já o pecado classificado como “venial”, deixa subsistir ainda a caridade, embora esta seja ofendida e ferida.23
O pecado mortal exige no pecador uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração, “que se realiza no sacramento da Reconciliação”. Para Tomaz de Aquino, por exemplo, devem ser classificados como “mortais” os
pecados de blasfêmia, perjúrio, homicídio, adultério, etc.24 Esta classificação é feita, basicamente, sob três condições, que devem ocorrer simultaneamente, para que o pecado seja classificado como “mortal”, e leve o pecador à condenação eterna do inferno. São elas:25
1. Ter como objeto uma matéria grave;26
2. É cometido com plena consciência;
3. É cometido deliberadamente.
Por acarretar a perda da caridade, e conseqüente privação do estado de graça, o pecador que comete tal pecado estará condenado ao inferno eterno, caso não seja recuperado o estado de graça mediante o arrependimento e o perdão de Deus.27 O pecado venial deliberado, e que fica sem arrependimento, dispõe progressivamente o pecador a cometer um pecado mortal, por isso, no pensamento de Agostinho, os fiéis não devem acumular pecados “leves”, para que, juntos, não se tornem em grande peso.28
Origem da Doutrina na Igreja Católica
Desde os escritos dos Pais da Igreja encontram-se descrições acerca do inferno.29 Para Orígenes, por exemplo, “as torturas aí sofridas [são definidas] como sendo provocadas pela própria consciência do pecador”.30 Outros Pais também fizeram menção à existência do inferno através de suas obras: Inácio, Justino,31 Athenágoras, Irineu, Tertuliano.32
O Credo de Atanásio já declarava que “os maus serão julgados para toda a eternidade”,33 ou seja, todos os que praticaram o mau conscientemente cairão no fogo eterno. Em 543 AD. encontra-se a declaração concebida na reunião de Constantinopla, para combater o ensino dos misericordes, e ratificada pelo papa Virgílio:
Se alguém afirmar ou crer que o sofrimento e o castigo dos demônios e dos ímpios estão limitados no tempo e que algum dia terão fim e que haverá também reconciliação universal com os demônios e com os ímpios, que este seja condenado.34
O IV Concílio de Latrão (1215) também expressa a crença da punição eterna, 35 bem como o I Concílio de Lião (1245), ao afirmar que “quem morre sem penitência em estado de pecado mortal sem dúvida será torturado eternamente nas brasas do inferno eterno”.36 Declarações semelhantes a estas são encontradas no II Concílio de Lião, no Concílio de Florença, na carta do papa Inocêncio IV ao bispo de Túsculum (escrita em 06/03/1254), no Credo do imperador bizantino Miguel VIII e na Constituição “Benedictus Deus” do papa Bento XII (1334-1342).37 As diferentes formas de torturas infernais já são descritas no Catecismo editado após o Concílio de Trento (divulgado em 1566). 38
Até o Catecismo editado em Roma no ano de 1930, o tema do inferno como local de fogo real ainda não era considerado um “dogma” pela Igreja Católica, como pode ser visto na declaração a seguir: “É teologicamente certo, apesar de não ser “de fide”, isto é , apesar de não ser dogma, que o fogo com que os condenados do inferno são torturados seja fogo real ou corporal, não apenas fogo no sentido figurado”.39
Como se vê, aos poucos a doutrina do inferno foi sendo aprofundada e tomando forma de aceitação universal entre a cristandade.40 É clara a intenção dos teólogos de concretizar na mente das pessoas a idéia de um inferno literal, como destino para aqueles que morressem desligados da salvação. Segundo Johnson,
Os escritores pastorais eram muito mais específicos a respeito do Inferno que do Céu; escreviam como se tivessem estado lá. Os três grandes doutrinadores medievais – Agostinho, Pedro Lombardo e Aquino – insistiam em que as penas infernais eram tanto físicas quanto mentais e espirituais, e fogo de verdade tomava parte dos tormentos.41
Vê-se, então, que a doutrina do inferno desenvolveu-se paulatinamente, desde o início do catolicismo romano, e foi cada vez ganhando mais força e adeptos ao longo da Idade Média, chegando até os dias atuais.42
Descrições do Inferno
Após verificar que a doutrina do inferno começou a ser alicerçada desde os primórdios da Igreja Cristã, demonstrar-se-á nesta seção as descrições utilizadas pelos defensores da doutrina, para tentar “clarificar” na mente dos fiéis os tormentos que os aguardariam, caso fossem destinados ao tormento eterno no fogo do inferno. Tais declarações relativas aos horríveis tormentos pelos quais haveriam de passar os condenados ao inferno demonstram a clara intenção de fazer desta doutrina uma arma para a manutenção da ordem e obediência na sociedade.43 Temia-se que se esta doutrina viesse a ser esquecida ou amenizada, o que ocorreu em séculos posteriores (ao menos parcialmente), seria mais difícil controlar os níveis de moralidade e decência.44
Segundo o pensamento geral, o inferno era a concretização de toda e qualquer dor e sofrimento que a imaginação humana pudesse conceber.45 Jerônimo, por exemplo, comparava o inferno com uma “imensa prensa de lagar”.46 Agostinho dizia que o inferno era habitado por animais ferozes e comedores de carne, que faziam em pedaços os humanos, de forma lenta e dolorosa.47 O tormento de passar a eternidade sob tão terríveis torturas desenvolveu-se cada vez mais ao longo da Idade Média, chegando até os séculos seguintes. O francês Jacques Bridaine (1701-1767), por exemplo, pregava que a eternidade do inferno poderia ser imaginada da seguinte maneira: “Quando os condenados indagavam as horas, uma voz respondia: ‘eternidade’. Não havia relógios no inferno, nada além de um tique-taque interminável”.48
Na Igreja Católica, em 1732, com Afonso de Ligório, surge a Ordem dos Redentoristas, que eram especialistas em sermões sobre o fogo do inferno, e até
mesmo se ofereciam para retiros e missões quaresmais em paróquias católicas comuns.49 Em seu livro As Verdades Eternas, Ligório dá uma descrição assustadora de como seria este destino certo para os pecadores impenitentes:
O miserável infeliz ficará cercado de fogo como lenha em uma fornalha. Encontrará um abismo de fogo abaixo, um abismo acima e um abismo de cada lado. Se tocar algo, se vir ou respirar, tocará, verá e respirará apenas fogo. Estará no fogo como um peixe na água. Tal fogo não somente cercará o condenado, mas penetrará em seus intestinos para atormentá-lo. Seu corpo será todo incendiado, de modo que os intestinos dentro dele vão arder, seu coração arderá em seu peito, seu cérebro em sua cabeça, seu sangue em suas veias, até o tutano em seus ossos; todo enjeitado por Deus tornar-se-á, ele mesmo, uma fornalha em chamas.50
Em 1807, os redentoristas reimprimem a obra de Pinamonti, O Inferno Aberto aos Cristãos, acrescentando algumas horrendas gravuras xilografadas. O reverendo Joseph Furniss (também da Ordem) preparou também uma série de livros infantis, com o inferno ocupando posição de destaque.51
O sofrimento pelo qual passariam eternamente os condenados ao inferno era até mesmo visto como “um dos prazeres do Céu”, para aqueles que alcançassem o paraíso.52 Essa idéia, defendida por Aquino, foi se desenvolvendo enormemente ao longo do tempo, e chegou a ser um dos pontos comuns entre a teologia católica e calvinista.53 Os pregadores escoceses asseguravam que aqueles que fossem enviados para os sofrimentos intermináveis do inferno realmente lá deveriam estar, pois assim se manifestava verdadeiramente a justiça de Deus. Thomas Boston declarou:
Deus não Se apiedará deles [os condenados do inferno], mas rirá de sua calamidade. O grupo de justos no Céu irá todo se regozijar com a execução do julgamento de Deus, e cantará enquanto o estrangulamento instaurar-se para sempre.54
Willian King (1702), também defendia esta idéia, como se vê:
A bondade e a felicidade dos abençoados [no Céu] será confirmada e aprofundada por reflexões surgindo naturalmente dessa visão da desgraça sofrida por alguns, o que parece ser um bom motivo para a criação desses seres que enfrentarão o tormento final, bem como para o prosseguimento de sua existência miserável.55
A Enciclopédia Católica declara que dentre as características do inferno encontra-se a existência de “graus” de sofrimento, aumentados de acordo com o “demérito” cometido pelo condenado.56 Apesar de alguns escritores do passado terem advogado o pensamento de que existem “momentos passageiros de descanso” no inferno,57 algo como “intervalos” para os condenados descansarem dos sofrimentos, este nunca foi um ensinamento oficial da Igreja Católica, condenado desde Aquino.58
Alguns santos da Igreja Católica também declararam ter recebido visões do inferno; por exemplo, Irmã Faustina (santa católica):
Hoje fui dirigida por um anjo aos abismos do Inferno. É um lugar de grande tortura; como terrivelmente grande e extenso é! As espécies de torturas eu vi: A primeira tortura que constitui o Inferno é a perda de Deus; a segunda é o remorso perpétuo da consciência; a terceira é que aquela condição nunca mudará; a quarta é o fogo que penetrará na alma sem destruí-la – um sofrimento terrível, como é um fogo puramente espiritual, aceso pela ira de Deus; a quinta tortura é uma escuridão ininterrupta e um terrível e sufocante odor. Apesar da escuridão, os demônios e as almas dos condenados vêem todos os males, os próprios e dos outros; a sexta tortura é a companhia constante de Satanás… Há [também] torturas especiais dos sentidos. Cada alma sofre sofrimentos indescritíveis, terríveis, relacionados à maneira com que se pecou. Há cavernas e fossas de tortura, onde uma forma de agonia difere da outra… Escrevo isto no comando de Deus, de modo que nenhuma alma pode achar uma desculpa por dizer que não há inferno, nem que ninguém jamais esteve lá e por isso não se pode dizer como ele é. 59
Escritores seculares, influenciados pela crença desenvolvida na Idade Média, também se aventuraram na tentativa de descrever o inferno. Um dos mais conhecidos é Dante Alighieri, que escreveu “A Divina Comédia”. A geografia do mundo e do reino dos mortos descritos por Dante refletem as crenças vigentes na Idade Média.60 A viagem, feita por Dante e Virgílio, narrada pelo poema acontece na semana santa de 1300. Dante era, então, um atuante político de Florença.
O poema faz referência a fatos históricos que aconteceram na época, projetando-se para o futuro através das “profecias” feitas pelas almas videntes.61
As concepções acerca do inferno foram sendo desenvolvidas com o passar dos anos, e já no séc. XVIII esta estrutura de amedrontamento e terror começou a mudar seu papel. O fogo infernal passou a ser um destino apenas para as classes baixas e médias, principalmente na pregação protestante.62 A tradicional doutrina do destino eterno no fogo de sofrimentos continuou a ser ensinada e pregada apenas para estas classes menos “esclarecidas” da sociedade. Os católicos, porém, continuaram a serem ensinados que quem duvidasse do inferno teria ele mesmo o fogo como seu destino.63
Aqueles que aventuraram-se em tentar “amenizar” ou “esfriar” o fogo do inferno sofreram grande reprovação por parte da Igreja. O Padre Faber, por exemplo, “deplorava toda e qualquer tendência de pregar o fogo do inferno para as classes
inferiores, mas não para as mais abastadas”. 64 Dentre os que tiveram que rever sua posição, estavam o zoólogo e professor Saint George Mivart, que em 1892 sugeriu que os sofrimentos dos condenados talvez fossem “melhorados aos poucos”, o que foi considerado inadmissível.65
Por fim, vê-se na declaração de J. Chorón, em que tornou-se o ensinamento do inferno como um lago eterno de fogo a consumir os impenitentes:
O além, graças aos esforços da Igreja, tornou-se fonte de terror em vez de consolação. Em vez de recompensa, muita gente só podia esperar castigo. A fim de garantir uma existência beatífica no outro mundo e não ser condenado eternamente a torturas inconcebíveis… era necessário levar uma vida que a maioria das pessoas não podia suportar, exceto alguns ascetas ultradevotos.66
O Pensamento Católico Atual
Após se verificar que o conceito católico acerca do inferno foi sendo desenvolvido e ampliado ao longo dos anos, fica uma dúvida: O que pensa e ensina a Igreja Católica do século XXI sobre o tema do inferno?
Anteriormente neste trabalho já foi declarada a posição do Catecismo Oficial da Igreja Católica, que em sua recente edição continua a advogar o ensino da existência do inferno como o destino dos impenitentes. O papa João Paulo II, na obra Cruzando o Limiar da Esperança, faz a seguintes indagação: “Pode Deus, que amou tanto o homem, permitir que o homem que O rejeita seja condenado a tormento eterno?”.67 O papa, então, continua ele mesmo respondendo à pergunta, com a afirmação de que Deus não é só misericórdia, mas também é justiça, considerando o homem como responsável pelas suas escolhas de pecado, e conseqüentemente sofrendo a punição.
D. Estêvão Bettencourt, respondendo a perguntas sobre o inferno, citado no site “Veritatis Splendor”, também afirma que não se pode questionar a misericórdia de Deus, contrastando-a com o ensinamento sobre o inferno, pois Deus “respeita a Sua criatura e não lhe tira a liberdade que lhe deu para dignificá-la”.68 Sua intenção com a declaração é dizer que Deus não pode ser responsabilizado pela existência do inferno, porque o homem mesmo é quem escolhe este destino, e Deus apenas aceita esta escolha do homem.
Basta uma pesquisa rápida na internet (modernamente o meio de comunicação mais eficaz para disseminar ensinamentos e ideologias), nos sites reconhecidamente católicos (extra-oficiais), para se verificar que o pensamento sobre o inferno continua enraizado na mente e nas declarações da Igreja. Um destes sites, por exemplo, transcrevendo um artigo de John Vennari, declara que o tema do inferno faz parte das “revelações” de Fátima à humanidade, ocorridas em 1917.69 Na ocasião, “Nossa Senhora” teria confirmado a doutrina do inferno, assegurando que este existe, é um lugar real, e que há almas de pessoas que já estão confinadas lá. Segundo o artigo, a visão do inferno que as três crianças de Fátima tiveram, foi o que lhes deu “a graça e a coragem de fazerem sacrifícios heróicos para a salvação das almas”.70
O inferno continua, portanto, “vivo”, real e presente na mente católica atual, pois está na própria base da teologia de medo que por tanto tempo foi a principal arma para manter as pessoas subjugadas sob o manto da lealdade à Igreja de Roma.
Fundamentação Bíblica Para a Teologia Católica do Inferno
A doutrina do inferno, como explanada até aqui, teve um desenvolvimento gradual e progressivo. Mas qual a base teológica para a Igreja Católica defender o fogo eterno para os que morrem em pecado mortal? Que textos bíblicos são citados em defesa desta doutrina? Na presente seção far-se-á uma rápida exposição da argumentação católica em defesa da existência real do inferno eterno.
No Antigo Testamento, utiliza-se a palavra Sheol (que na LXX foi traduzida para Hades) para designar o reino dos mortos, tanto bons quanto maus (cf. Núm.16:30). Porém, o Novo Testamento sempre utiliza Hades (na ótica católica) para designar o local de suplício dos condenados.71 A Enciclopédia Católica defende que o uso que Jesus adotou para o termo Geena, demonstra que Sua intenção era referir-se ao “inferno” como realmente o lugar de condenação dos ímpios após a morte.72
A Igreja Católica crê que Deus dotou o ser humano de livre arbítrio, dando a este a opção de escolher servi-Lo ou não.73 Se o pecador escolhe não amar a Deus, comete o que se chama de “pecado”. Aqueles que morrem no chamado “pecado mortal”, descrito anteriormente neste capítulo, terão como destino o inferno, que é “um estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bemaventurados”.74 A Igreja ensina que Jesus falou muitas vezes sobre o fogo que não se apaga, definindo-o como estando destinado aos impenitentes.75 Portanto, imediatamente após a morte, os que assim morrerem em pecado mortal descem ao inferno, para sofrer as penas do fogo eterno (cf. Mat. 25:41). Porém, Deus apela para que todos escolham amá-Lo, e assim serem livrados da condenação eterna (cf. Mat.7:13-14).76
Sabendo deste trágico fim para aqueles que insistem em se desviar da graça e benevolência de Deus, diariamente, a Igreja deve suplicar a Sua misericórdia, para que os fiéis venham a ser salvos (cf. 2Pe 3:9).77
PRESENÇA DA DOUTRINA NO PROTESTANTISMO
No capítulo anterior, desenvolveu-se a trajetória do pensamento católico sobre a doutrina do inferno, considerado o local de castigo eterno para os pecadores impenitentes.
O presente capítulo vai descrever sucintamente qual é o pensamento de algumas das mais tradicionais igrejas protestantes atuais acerca desta doutrina, para se proceder uma visão de como a doutrina do inferno está presente na grande maioria das confissões de fé no cristianismo contemporâneo.78
Dwight Pentecost analisa em sua obra sobre escatologia bíblica que “o destino dos perdidos é um lugar no lago de fogo”, que sublinha o “eterno caráter de retribuição” dos perdidos. 79 Ele cita Chafer, que destaca que quase todas as expressões referentes ao futuro inferno de fogo “saem dos lábios de Cristo”, e Jesus “sozinho revelou quase tudo o que se sabe sobre esse lugar de retribuição”.80
O Centro Apologético Cristão de Pesquisas, mantido por um grupo de pastores evangélicos de São José do Rio Preto, SP, afirma em sua declaração de fé a crença de que “aos salvos está destinado o gozo eterno no céu ao lado de Deus, bem como aos perdidos à maldição eterna no lago de fogo por toda a eternidade”81
Na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, o item XIX expressa que “os ímpios condenados e destinados ao inferno lá sofrerão o castigo eterno, separados de Deus”, enquanto que “os justos, com os corpos glorificados, receberão seus galardões e habitarão para sempre no céu, com o Senhor”.82
A Confissão de Fé de Westminster, da Igreja Presbiteriana, declara que
As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas na santidade, são recebidas no mais alto dos céus onde vêem a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção dos seus corpos; e as almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde ficarão, em tormentos e em trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia final. 83
A Igreja Evangélica Assembléia de Deus, no site da sua congregação matriz em Imperatriz/MA, afirma crer “no juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis; E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e tormento para os infiéis”.84 Também a Igreja Evangélica Luterana do Brasil assim se expressa em sua confissão de fé, acerca das “últimas coisas”:
Cremos, ensinamos e confessamos que Deus determinou um dia, no qual julgará o mundo com justiça. Ninguém sabe quando será este dia. Naquele dia, Jesus voltará visível e glorioso. Céu e terra se desfarão. Todos serão julgados por Jesus. Aos incrédulos, Jesus dirá: Apartai- vos de mim, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus seguidores. Aos fiéis, que terão um corpo glorioso, dirá: Vinde, benditos de meu Pai e entrai no gozo de vosso Senhor que vos está preparado desde a fundação do mundo. Então serão criados os novos céus e a nova terra, nos quais habitará justiça.85
Vê-se através destas declarações que a concepção sobre o destino final dos pecadores não salvos, continua sendo no meio protestante a mesma da Igreja Católica, ou seja, os salvos irão para o gozo eterno com Deus, no Céu, e os perdidos sofrerão eternamente a punição por não terem atendido aos reclamos da graça de Cristo. Esta punição, como pôde ser verificada, será impreterivelmente no tormento eterno do fogo do inferno, segundo a cristandade em geral.
CAPÍTULO IV
CRÍTICA AO ENSINAMENTO CATÓLICO SOBRE O INFERNO
Até aqui, verificou-se o que a Igreja Católica, bem como a Protestante em geral, tem ensinado sobre o destino do pecador após a morte, ou seja, o fogo eterno do inferno literal.
Porém, este não parece ser o verdadeiro ensinamento bíblico, uma vez que a Bíblia, como um todo, sem pegar textos isolados de seu contexto hermenêutico, não sanciona a existência de tal “lago de fogo eterno”. Portanto, o presente capítulo deste trabalho analisará as falhas da fundamentação teológica utilizada pelas Igrejas Católica e Protestante para a doutrina do inferno.86
A grande questão é: Como é possível que o Deus, que tanto amou o mundo que enviou Seu Filho unigênito para salvar pecadores, pode também ser um Deus que
tortura as pessoas (mesmo o pior dos pecadores) para sempre, indefinidamente? É possível considerar Deus como um Deus de amor e justiça, e ao mesmo tempo crer que Ele permitirá o tormento dos pecadores para sempre no fogo do inferno? Este paradoxo inaceitável tem levado diversos estudiosos 87 a re-examinarem o ensino bíblico quanto ao inferno e o castigo final.
O Conceito do Inferno como Aniquilamento Final do Ímpio
Esta crença no aniquilamento dos ímpios está baseada em quatro considerações bíblicas:
1) A morte como castigo do pecado – O aniquilamento final dos pecadores impenitentes é indicado, em primeiro lugar, pelo princípio bíblico fundamental que o castigo final do pecado é a morte: “A alma que pecar morrerá” (Ezeq. 18:4, 20); “O salário do pecado é a morte” (Rom. 6:23). A punição do pecado compreende não somente a primeira morte, a qual todos experimentam como resultado do pecado de Adão, mas também o que a Bíblia chama a segunda morte (Apoc. 20:14; 21:8), que é a morte final e irreversível a ser sofrida pelos pecadores impenitentes. Isso significa que o salário final do pecado não é o tormento eterno, mas morte permanente.
A Bíblia ensina que a morte é a cessação da vida. Não fosse pela segurança da ressurreição (1Cor. 15:18), a morte que o ser humano experimenta seria a terminação da existência. É a ressurreição que converte a morte de ser o fim da vida em ser um sono temporário.88
Mas não há ressurreição para a segunda morte, porque aqueles que a sofrem são consumidos no “lago de fogo” (Apoc. 20:14). Este será o aniquilamento final.
2) O vocabulário sobre a destruição dos ímpios – A segunda forte razão para se crer no aniquilamento dos perdidos no julgamento final é o rico vocabulário de
destruição usado na Bíblia para descrever o fim dos ímpios. Segundo Basil Atkinson, o Velho Testamento usa mais de 25 substantivos e verbos para descrever a destruição final dos ímpios.89
Diversos salmos descrevem a destruição final dos ímpios com imagens dramáticas (por exemplo: 1:3-6; 2:9-12; 11:1-7; 34:8-22; 58:6-10; 69:22-28; 145:17, 20). No Salmo 37, por exemplo, lê-se que os ímpios logo “murcharão como a verdura” (v. 2); eles “serão desarraigados…e…não existirão” (vv. 9, 10); eles “perecerão…e em fumo se desfarão” (v. 20); os transgressores “serão a uma
destruídos” (v. 38). O Salmo 1 contrasta o caminho do justo com o dos ímpios. Dos últimos ele diz que “não subsistirão no juízo” (v. 5); mas serão “como a moinha que o vento espalha” (v. 4); “o caminho dos ímpios perecerá” (v. 6). No Salmo 145, Davi afirma: “O Senhor guarda a todos que o amam; mas todos os ímpios serão destruídos” (v. 20). Esta amostra de referências sobre a destruição final dos ímpios está em perfeita harmonia com o ensinamento do resto das Escrituras, acerca do final aniquilamento dos que rejeitaram a salvação ofertada por Deus.
Os profetas freqüentemente anunciam a destruição final dos ímpios em conjunção com o dia escatológico do Senhor. Isaías proclama que os “transgressores e os pecadores serão juntamente destruídos, e os que deixarem o Senhor serão consumidos” (Isa. 1:28).90
A última página do Velho Testamento provê um contraste impressionante entre o destino dos crentes e o dos incrédulos. Sobre aqueles que temem o Senhor, “nascerá o sol da justiça e salvação trará debaixo das suas asas” (Malaq. 4:1). Mas para os incrédulos o dia do Senhor “os abrasará… de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo”.
O Novo Testamento segue de perto o Velho ao descrever o fim dos ímpios com palavras e imagens que denotam aniquilamento total. Jesus comparou a destruição total dos ímpios a coisas como o joio atado em molhos para serem queimados (Mat. 13:30, 40), o peixe ruim que é lançado fora (Mat. 13:48), as plantas daninhas que serão arrancadas (Mat. 15:13), a árvore sem fruto que será cortada (Luc.13:7), entre outros.91 Todas estas ilustrações descrevem de modo gráfico a destruição final dos ímpios. O contraste entre o destino dos salvos e o dos perdidos é um de vida versus destruição.
Bacchiocchi ressalta que aqueles que apelam às referências de Cristo ao inferno ou fogo do inferno (gehenna) para apoiar sua crença num tormento eterno, deixam de reconhecer um ponto importante, a saber: a referência de Cristo a gehenna não indica que o inferno seja um lugar de tormento infindo. O que é eterno ou inextinguível não é o castigo mas o fogo que, como no caso de Sodoma e Gomorra, causa a destruição completa e permanente dos ímpios, uma condição que dura para sempre. John Stott, por exemplo, assinala:
O fogo mesmo é chamado “eterno” e “inextinguível”, mas seria muito estranho se aquilo que nele fosse jogado se demonstrasse indestrutível. Esperaríamos o oposto: seria consumido para sempre, não atormentado para sempre. Segue-se que é o fumo (evidência de que o fogo efetuou seu trabalho) que “sobe para todo o sempre” (Apocalipse 14:11; ver 10:3)”.92
A declaração de Cristo de que os ímpios “irão para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna” (Mat. 25:46) é geralmente considerada como prova do
sofrimento eterno e consciente dos ímpios. Esta interpretação ignora a diferença entre punição eterna e o ato de punir eternamente. O termo grego aionios (“eterno”) literalmente significa “aquilo que dura um período”, e freqüentemente refere à permanência do resultado e não à continuação de um processo.93 Por exemplo, Judas 7 diz que Sodoma e Gomorra sofreram “a pena do fogo eterno”. É evidente que o fogo que destruiu as duas cidades é eterno, não por causa de sua duração mas por causa de seus resultados permanentes.
Outro exemplo se encontra em 2Tessal. 1:9, onde Paulo, falando daqueles que rejeitam o evangelho, diz: “Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do Seu poder”. É evidente que a destruição dos ímpios não pode ser eterna em sua duração, porque é difícil imaginar um processo de destruição eterno e inconclusivo. Destruição pressupõe aniquilamento. A destruição dos ímpios é eterna, não porque o processo de destruição continua para sempre, mas porque os resultados são permanentes.
Os judeus freqüentemente usavam a frase “segunda morte” (cf. Apoc. 20) para descrever a morte final e irreversível. Exemplos numerosos podem ser achados no Targum, a tradução e interpretação em aramaico do Velho Testamento. Por exemplo, o Targum sobre Isa. 65:6 diz: “Seu castigo será em Gehenna onde o fogo arde todo o dia. Eis, está escrito diante de mim: ‘Não lhes darei descanso durante [sua] vida mas lhes darei o castigo de sua transgressão e entregarei seus corpos à segunda morte’”.94
Para os salvos, a ressurreição marca o galardão de outra vida mais elevada, mas para os perdidos marca a retribuição de uma segunda morte que é final. Como não há mais morte para os remidos (Apoc. 21:4), assim não há mais vida para os
perdidos (Apoc. 21:8). A “segunda morte”, então, é a morte final e irreversível. Interpretar a frase de outro modo, como um tormento eterno e consciente ou separação de Deus, nega o significado bíblico da morte como uma cessação de vida.
3) As implicações morais do tormento eterno – Uma terceira razão para crer
no aniquilamento final dos perdidos é a implicação moral inaceitável da doutrina do tormento eterno. A noção de que Deus deliberadamente tortura pecadores através dos séculos sem fim da eternidade é totalmente incompatível com a revelação bíblica de Deus como amor infinito. Um Deus que inflige tortura infinda a Suas criaturas, não importa quão pecadoras foram, não pode ser o Pai de amor que Jesus Cristo revelou em Sua vida e ministério (João 3:16).
Tem Deus duas faces? É Ele infinitamente misericordioso de um lado e insaciavelmente cruel de outro? Pode Ele amar os pecadores de tal modo que enviou Seu Filho para salvá-los, e ao mesmo tempo odiar os pecadores impenitentes tanto que os submete a um tormento cruel sem fim? Pode-se legitimamente louvar a Deus por Sua bondade, se Ele atormenta os pecadores através dos séculos da eternidade? A intuição moral que Deus plantou na consciência do homem não pode aceitar a crueldade de uma divindade que sujeita pecadores a tormento infindo. A justiça divina não poderia jamais exigir a penalidade infinita de dor eterna por causa de pecados finitos. Stott é um dos que questionam esta “retribuição” divina ao pecado:
Não haveria, então, uma desproporção séria entre pecados conscientemente cometidos no tempo e tormento conscientemente sofrido através da eternidade? Não minimizo a gravidade da pecado como rebelião contra Deus nosso Criador, mas questiono se “tormento eterno consciente” é compatível com a revelação bíblica da justiça divina.95
4) As implicações cosmológicas do tormento eterno – Uma razão final para crer no aniquilamento, e conseqüentemente na não existência de um inferno de fogo literal e eterno dos perdidos, é que tormento eterno pressupõe um dualismo cósmico eterno. Céu e inferno, felicidade e dor, bem e mal continuariam a existir para sempre lado a lado. É impossível reconciliar esta opinião com a visão profética da Nova Terra na qual não mais “haverá morte, nem pranto, nem clamor, porque já as primeiras coisas são passadas” (Apoc. 21:4). Como poderiam pranto e dor serem esquecidos se a agonia e angústia dos perdidos fossem aspectos permanentes da nova ordem? A presença de incontáveis milhões sofrendo para sempre este tormento, mesmo se fosse bem longe do arraial dos santos, serviria apenas para destruir a paz e a felicidade do novo mundo. A nova criação resultaria defeituosa desde o primeiro dia, visto que os pecadores permaneceriam como uma realidade eterna no universo de Deus.
O propósito do plano da salvação é desarraigar definitivamente a presença de pecado e pecadores deste mundo. Somente se os pecadores, Satanás e o mal forem afinal consumidos no lago de fogo e extintos na segunda morte (Apoc. 2:11; 20:6, 14; 21:8), é que verdadeiramente poder-se-á dizer que a missão redentora de Cristo foi concluída. Um tormento eterno lançaria uma sombra permanente sobre a nova Criação.
CONCLUSÕES
De todas as doutrinas do cristianismo, uma que está presente em praticamente todas as denominações é a da existência real de um inferno de fogo literal e eterno. Desta surgem vários outros conceitos e ensinamentos, dentre os quais está a aceitação de que existe um inferno de fogo a arder por toda a eternidade, e que será o merecido destino para aqueles que, nesta vida, insistiram em rejeitar os reclamos da graça que Cristo oferece ao pecador arrependido.
A aceitação da existência deste local de destino para os condenados já estava presente antes mesmo do surgimento da Igreja Cristã, pois os gregos a desenvolveram fortemente, e os judeus também passaram a crer que pudesse existir o inferno como um lugar real e literal. Este pensamento foi desenvolvendo-se na mente das pessoas, e quando a Igreja Cristã começou a formar seus credos, vê-se que a crença no inferno já fazia parte das doutrinas professadas. Os Pais da Igreja ensinaram a existência do inferno, e a Igreja Católica recebeu, então, este legado doutrinário sobre o futuro estado do homem após a morte.
À medida que a Igreja Católica começou a tomar forma e desenvolver-se geográfica e politicamente, o ensinamento sobre o inferno tornou-se uma grande “arma” para amedrontar as pessoas que viessem a divergir ou rejeitar o pensamento e ditames da Igreja, pois tal “herege” seria excomungado e ficaria, portanto, destinado a “arder eternamente nas chamas do inferno”, caso não se retratasse e retornasse ao seio da Igreja.
Ao longo dos anos, cada vez mais a doutrina do inferno ganhou força e desenvolveu-se em sua forma e detalhes. A Igreja passou, na Idade Média, a pregar de forma vívida sobre todos os possíveis tormentos aos quais os ímpios estariam sujeitos se fossem para o inferno. Muitos pregadores, poetas, escritores, teólogos e até mesmo os leigos, esforçaram-se para fazer com que as imagens do inferno impressionassem profundamente as pessoas, pois estas eram levadas a imaginarem detalhadamente as horríveis torturas que encontrariam no fogo eterno.
Isto serviu grandemente para que a Igreja, e mesmo o Estado, mantivessem sob um certo controle a população Medieval, pois poucos eram os que se “atreviam” a questionar a autoridade eclesiástica ou temporal, temendo receber como punição o impedimento de participar dos sacramentos católicos, ficando, assim, impossibilitado de receber a graça que o livraria do inferno após a morte. As heresias, as revoltas, os crimes e delitos estiveram “controlados” neste período, pois o pavor que as pessoas tinham de irem para o inferno, tão detalhadamente prefigurado pela Igreja, as levava a conterem-se na prática do pecado. Posteriormente, quando a autoridade da Igreja começou a ser questionada e a sua força declinava, perdendo espaço para os pensamentos iluministas que começavam a surgir após o séc. XVI, as autoridades chegaram mesmo a temer um possível aumento elevado no número de crimes, em decorrência de as pessoas começarem a perder o “medo” pelo inferno. Em face disto, leis mais duras passaram a ser formuladas, numa tentativa de preencher a lacuna que ora se abria pelo enfraquecimento do medo do inferno.
Mas, como se vê até hoje, a doutrina do inferno não morreu. Ela tomou novas formas e explicações, mas continua a ser ardorosamente defendida por quase todas as confissões religiosas cristãs – católicas e protestantes. Estes últimos, herdaram da Igreja Católica a doutrina do estado do homem na morte, e continuaram a crer na existência literal e eterna do inferno de fogo. Apesar de avançarem em algumas doutrinas, os protestantes em geral não rejeitaram a doutrina do inferno, e ainda hoje ela é muito aceita, pregada e defendida pelos apologetas modernos, que procuram basear sua crença em declarações bíblicas vetero e neo-testamentárias.
O estudo revelou o quanto a doutrina do inferno foi utilizada como ferramenta de disseminação do medo, trazendo assim o controle para as mãos do único “poder” que poderia livrar o povo do inferno – a Igreja Católica. Conclui-se através da análise bibliográfica acerca do tema que a “certeza” de sua existência literal contribuiu grandemente para o fortalecimento do poder da Igreja, servindo para cumprir o propósito de manter subjugado qualquer movimento “herético”, ou insubordinatório. Hoje a Igreja Católica já não prega com tanta ênfase e detalhes sobre o inferno, mas isto não significa que esta doutrina ainda não possa ser considerada o fundamento da fé de muitos fiéis que não compreendem a mensagem libertadora da graça, e mantém-se unidos à Igreja apenas pelo medo de perder a salvação e irem para o inferno.
Algumas denominações do protestantismo, por sua vez, também utilizam claramente a doutrina do inferno como um meio de atrair as pessoas para sua mensagem, especialmente aqueles que têm dificuldade em serem conquistados pela mensagem de amor do evangelho; estes são os que mais se impressionam com o ensino de que poderão arder eternamente no fogo, dentro outras possíveis torturas, caso rejeitem a mensagem e não professem a aceitação da salvação em Cristo. É claramente observável nos meios de comunicação em massa, nos livros, filmes, contos infantis, romances de ficção, etc., o quanto a existência de um inferno de fogo eterno está arraigada na mente da sociedade moderna.
Para aqueles que não crêem na existência deste local literal e eterno, também fica, além da compreensão proporcionada pelo presente trabalho de que a doutrina do inferno está profundamente consolidada na mentalidade comum cristã, uma argumentação que tenta refutar o pensamento de que Deus punirá pelos séculos infindáveis da eternidade aqueles que Lhe forem infiéis. Isto está em franca desarmonia com os ensinamentos evangélicos, especialmente a revelação de um Deus de amor, na Pessoa de Jesus Cristo.
Ao final deste trabalho, tem-se um bom momento para relembrar as palavras do divino Mestre, que veio para salvar e buscar o pecador, através de Sua mensagem de fé, esperança e amor: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em Mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em Mim não morrerá, eternamente. Crês isto?” (João 11:25-26).
REFERÊNCIAS
1 Wilson A. Ribeiro Jr., “Grécia Antiga – Mitologia – Hades”, pesquisa realizada na internet, no site http://warj.med.br/mit09-3.asp?rev=0&prt=sim, em 10 de outubro de 2004.
2 Ibid.
3 Ibid.
4 Ibid. Na Grécia, a partir do séc. VII a.C. é que o Hades foi dividido em 3 compartimentos: Tártaro, Érobo e Campos Elíseos. Somente o Tártaro era considerado um local de estadia permanente. Ver: Junito de Souza Brandão, Mitologia (Petrópolis, RJ: Vozes, 1998), 314-315; Aldo Natali Terrin, Introdução ao estudo comparado das religiões (São Paulo: Paulinas, 2003), 181-193.
5 Ribeiro Jr., http://warj.med.br/mit09-3.asp?rev=0&prt=sim, 10/10/2004.
6 R. N. Champlin, “Sheol”, Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia (Cidade Dutra, SP: Hagnos, 2001), 6:199-200. Por exemplo: 1Enoque 20:2; 21:7-10; 54:1-2; 90:26-27; 22:1-14; 2Enoque 10:20; 2Esdras 7:36, 75; 2Macabeus 12:39; 2Baruque 85:13; Apocalipse de Pedro 7-13.
7 Ibid., 3:323.
8 No hebraico, o termo (she ’ôl), oscila entre “inferno”, “cova” ou “sheol”; sua etimologia é incerta. Este vocábulo, no entanto, ocorre apenas no Antigo Testamento e uma única vez nos papiros judaicos de Elefantina. Ver: R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., e Bruce K.Waltke, eds., Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1998), 1502.
9 Champlin, “inferno”, 3:323. E o paraíso para os “bons”.
10 F. F. Bruce, Paulo – o apóstolo da graça (São Paulo: Shedd, 2003), 295.
11 Ibid. Em dois apocalipses judaicos do fim do séc. I AD, as almas dos mortos, ou pelo menos dos justos, são guardadas em “armazéns” ou “depósitos”, no período compreendido entre a morte e a ressurreição (4Esdras 7:32, 75-101; 2Baruque 21:23; 30:2).
12 Sociedade Israelita de Beneficência Beit Chabad do Brasil, pesquisa realizada na internet, no site http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/recompensa.html, em 11/10/2004. Ver também: Enciclopédia Judaica On-line, pesquisa realizada na internet, no site http://www.jewishencyclopedia.com/view.jsp?artid=116&letter=G, em 11/10/2004.
13 Para mais informações sobre a concepção judaica acerca da morte e o além-vida, ver: Alfred J. Kolatch, Livro judaico dos porquês (São Paulo: Sêfer, 2001), 53-91; Doreen Fine, O que sabemos sobre o judaísmo? (São Paulo: Callis, 1998); Hélio D. Cordeiro, O que é judaísmo (São Paulo: Brasiliense, 1998); Maurice Lamm, Bem-vindo ao judaísmo (São Paulo: Sêfer, 1999), 384-396; Maimônides, Tratado sobre a ressurreição (São Paulo: Maayanot, 1994).
14 Felipe Aquino, O catecismo da igreja responde de a a z (São Paulo:Loyola e Cléofas, 2003), 159; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB),Catecismo da Igreja Católica (Catecismo), (São Paulo: Loyola, 2000), 291.
15 Renold J. Blank, Escatologia da pessoa (São Paulo: Paulus, 2000), 257. Sobre a eternidade do inferno, ver: Hubert Jedin, Manual de história de la iglesia (Barcelona: Herder, 1980),1:356-357.
16 Carl E. Braaten, et al, Dogmática cristã (São Leopoldo, RS: Sinodal, 1990), 1:531. Esta obra ressalta que originalmente se pensava que, ao morrer, as pessoas iam para o hades, uma “sala de espera” para os mortos até o juízo final. Na teologia posterior ocorreu uma mudança no sentido, de modo que, ao morrer, as pessoas iam diretamente para o céu ou para o inferno, com exceção das que iam ao purgatório para serem purificadas de suas impurezas.
17 Charles Hodge, Teologia sistemática (São Paulo: Hagnos, 2001), 1571. Ambrósio também apresenta uma breve lista dos pecadores destinados ao inferno, considerados os mais incorrigíveis inimigos de Deus: os demônios, os infiéis, os apóstatas, os sacrílegos, os ímpios (impii). Cf. Brian E. Daley, Origens da escatologia cristã (São Paulo: Paulus, 1994), 148. Hodge Ele ainda cita aqueles que são destinados a este estado ou lugar de infindável miséria: 1. Todos os que morrem fora da Igreja Católica; 2. Todos os não batizados (adultos); 3. Todos os cismáticos; 4. Todos os hereges; 5. Todos os que morrem impenitentes, ou em estado de pecado mortal, ou seja, pecado cuja pena é a morte eterna, pecado este que não foi perdoado pela absolvição do sacerdote.
18 CNBB, Catecismo, 292
19 Ibid., 292-293.
20 Ver também: José Gea Escolano, El catecismo de los catequistas (Madrid: San Pablo, 1999), 336-337.
21 CNBB, Catecismo, 497.
22 Ibid.
23 Ibid.
24 Ibid.
25 Ibid.
26 Esta é precisada através dos 10 mandamentos da lei dada por Moisés.
27 CNBB, Catecismo, 498.
28 Ibid., 499.
29 Blank, 258. Santo Agostinho e São Gregório, posteriormente, já declaravam que o fogo com que Deus puniria os pecadores seria real, e este foi descrito como de natureza eterna. Haviam também os que discordavam da eternidade do inferno; por exemplo, Clemente de Alexandria e Orígenes. Aristides, considerado
o mais antigo apologista cuja obra se preservou, também faz menção em sua Apologia à certeza que os cristãos tinham de que quando um membro virtuoso da sociedade morria, era motivo de alegria; porém, quando um pecador morria, devia-se chorar amargamente, pois eles “sabem que ele certamente será punido”. Ver: Daley, 40-41.
30 Ibid. Orígenes chega mesmo a postular a salvação final de todos (apokatástasis), com base em 1Co 15:25-26, o que é seguido por São Gregório de Nissa, Ambrósio, Teodoro de Mopsuéstia e, durante certo tempo, Jerônimo. Eles eram conhecidos como os misericordes, e estenderam sua influência até a Idade Média. Ver também: Daley, 89-91, 149.
31 Cf. Daley, 41-42.
32 Joseph Hontheim, “Inferno”, Enciclopédia católica, pesquisa realizada na internet, no site http://www.enciclopediacatolica.com/i/inferno.htm, em 10/10/2004.
33 Blank, 259. Este credo foi formulado entre o fim do séc. IV e fim do séc.VI. Já em 359, o chamado “Credo Datado” declarava que Jesus “desceu às regiões inferiores ordenando lá todas as coisas, e os porteiros do Hades, vendo-O, se espantaram”. Ver: Henry Bettenson, Documentos da igreja cristã (São Paulo: ASTE, 1998), 89.
34 Paul Johnson, História do cristianismo (Rio de Janeiro: Imago, 2001), 412. Segundo este autor, entre Agostinho e a Reforma, somente o irlandês João Escoto Erígena, no séc. IX, negou positivamente um Inferno eterno ou mesmo material, substituindo a desgraça infligida pela angústia da consciência.
35 Blank, 259.
36 Ibid. Este Concílio não formulou dogma sobre o tema.
37 Ibid.
38 Ibid. ver: Hontheim, http://www.enciclopediacatolica.com/i/inferno.htm, 10/10/2004.
39 Blank, 259.
40 Até mesmo Voltaire já dizia que “a opinião da existência tanto do purgatório quanto do inferno é da mais remota Antigüidade”. Ver Frente Universitária Lepanto, Esclarecimentos sobre o inferno na doutrina católica, pesquisa realizada na internet, no site http://www.lepanto.com.br/DCInferno.html, em 10/10/2004.
41 Johnson, 413. Ver também: Cláudio Bollini, Céu e inferno: o que significam hoje? (São Paulo: Paulinas, 1996), 96-98.
42 Para mais declarações dos Pais da Igreja sobre a doutrina do inferno e do destino dos maus, ver: Michel Spanneut, Os padres da igreja, 2 vols. (São Paulo:
Loyola, 2002).
43 Por exemplo, alguns ascetas cristãos do período niceno acreditavam que era importante meditar-se acerca do inferno e do juízo vindouro, com imagens o mais
vívidas possíveis, como uma forma de confirmar a motivação em seguir a vida ascética (longe dos prazeres do mundo). Ver: Daley, 108-109.
44 Johnson, 415. No séc. XVIII as autoridades ainda consideravam o inferno o mais eficaz obstáculo ao crime; à medida que o temor com relação a ele declinava, juízes e Parlamento concordaram que as penalidades estatutárias tinham de ser aumentadas, para compensar a crescente desconsideração pelo “fogo futuro”.
45 Ibid., 413.
46 Ibid.
47 Johnson, 415. Em anos posteriores, outros continuaram a declarar de forma horrenda e amedrontadora os suplícios do inferno. Adam Scotus dizia que os praticantes de usura seriam fervidos em ouro derretido; outros falavam de um espancamento contínuo com martelos de bronze em brasa; Richard Rolle (1300-1349) afirmou que os ímpios rasgavam e comiam a sua própria carne, bebiam o fel de dragões e o veneno de vespas e sugavam a cabeça de víboras.
48 Ibid. Bridaine definia a eternidade como um pêndulo que não pára de dizer: “sempre, nunca! Nunca, sempre”.
49 Johnson, 466
50 Johnson, 466.
51 Ibid. Cerca de 4 milhões de exemplares foram vendidos em países de língua inglesa.
52 Ibid., 413-414.
53 Ibid., 414. Agostinho dizia que “os instrumentos de punição eterna são, em outras palavras, também criaturas de Deus, feitas para atingir seu justo propósito, e são, portanto, em si mesmo boas”. Cf. Daley, 215.
54 Ibid. Johnson acrescenta ainda que alguns dos contemporâneos de Locke “chegaram ao ponto de alegar que os condenados talvez tivessem sido criados antes para completar a alegria celestial”.
55 Johnson, 414. Alguns escritores vêem nestas tentativas de descrever o inferno de forma tão real e dolorosa, uma manifestação de desejos do inconsciente humano. Por exemplo, Herbert Vorgrimler: Encontram-se [na descrição do inferno] imagens arcaicas da tradição humana e do inconsciente com desejos manifestados ou reprimidos de vingança: que Deus pelo menos puna os outros para estabelecer certo equilíbrio! Na palavra “inferno” também estão concentradas as angústias de inúmeros cristãos intimidados. O autor salienta que tais imagens encontram-se até mesmo nas declarações oficiais da Igreja Católica. Cf.: Blank, 257.
56 Hontheim, http://www.enciclopediacatolica.com/i/inferno.htm, 10/10/2004. Este pensamento foi defendido pelo Concílio de Florença (1439). Ver: Willian O.
Saunders, “Sim, Existe um Inferno”, pesquisa realizada na internet, no site: http://www.veritatis.com.br/print.asp?pubid=1577, em 10/10/2004. Agostinho também defendia a idéia de graus de sofrimento. Cf. Daley, 214.
57 O poeta Prudêncio, por exemplo.
58 Hontheim, http://www.enciclopediacatolica.com/i/inferno.htm, 10/10/2004.
59 Saunders, http://www.veritatis.com.br/print.asp?pubid=1577, 10/10/2004
60 Helder da Rocha, “A Divina Comédia”, pesquisa realizada na internet, no site http:www.stelle.com.br/pt/inferno/inferno.html, em 10/10/2004. O poema de Dante, além das crenças cristãs, também foi influenciado por outros poemas épicos anteriores, como Homero, Virgílio e Ovídio. Lucrécio, por exemplo, escreveu: “Já não se tem mais sossego, é impossível dormir tranqüilo: por quê? Porque se tem que recear, depois desta vida, penas eternas, pelo medo das quais nenhum mortal pode ser feliz”. Ver: Lepanto, http://www.lepanto.com.br/DCInferno.html, 10/10/2004.
61 Rocha, http:www.stelle.com.br/pt/inferno/inferno.html. O fogo eterno também é encontrado em citações de livros não-canônicos, como o Apocalipse de Pedro, que descreve nos caps. 7-13 vívidos detalhes sobre as punições específicas determinadas para as diferentes classes de pecadores. O elemento em comum nos suplícios, porém, é sempre o fogo. Ver: Daley, 25.
62 Johnson, 414-415.
63 Ibid. Os católicos, ao contrário de alguns protestantes, não tinham uma “doutrina dupla” acerca do inferno. Ensinavam sobre o tema, com o mais rigoroso teor imaginativo, a todas as classes e idades.
64 Ibid., 467.
65 Johnson, 417. O cardeal Vaughan, arcebispo de Westminster, exigiu que Mivart assinasse uma declaração de doutrina ortodoxa, reafirmando a crença católica da condenação perpétua no fogo. Ele recusou-se e foi expulso da Igreja.
66 Blank, 262-263. Este autor lembra que a acentuação demasiada da necessidade do inferno parece ter, em muitos casos, raízes num sutil e inconsciente desejo de vingança, que “exige” que Deus retribua conforme os princípios formulados por esta concepção de justiça retributiva.
67 Citado em: Willian Saunders, “Sim, existe um inferno”, pesquisa realizada na internet, no site http://www.veritatis.com.br/print.asp?pubid=1577, em 10/10/2004.
68 Estêvão Bettencourt, “Cientista Afirma: Existe o Inferno”, pesquisa realizada na internet, no site http://www.veritatis.com.br/print.asp?pubid=2954, em 10/10/2004.
69 Pesquisa realizada na internet, no site http://old.fatima.org/port/portcr64pg10.html, em 10/10/2004.
70 Ibid.
71 Hontheim, http://www.enciclopediacatolica.com/i/inferno.htm, 10/10/2004.Para a Enciclopédia Católica, o termo Geena também é utilizado neste sentido, no Novo Testamento, ou seja, o de um local para suplício dos condenados após a morte. Ao longo do tempo, os judeus passaram a designar o Geena como sendo este lugar de condenação.
72 Ibid.
73 CNBB, Catecismo, 291.
74 Ibid.
75 Cf. Mat. 5:22, 29; 13:42, 50; Marcos 9:43-48; etc.
76 CNBB, Catecismo, 292.
77 Ibid., 293.
78 Não cabe aqui analisar, pois não é o foco do trabalho, quando começou, se é que houve, influência da concepção da Igreja Católica na teologia protestante sobre o estado do homem após a morte.
79 J. Dwight Pentecost, Manual de escatologia (São Paulo: Vida, 1998), 560.
80 Ibid., 560-561. Para o autor, o corpo que os perdidos receberão após a ressurreição, com os quais serão lançados no lago de fogo, será de tal caráter que se revelará indestrutível, haja vista ter de suportar “eternamente” ao fogo. Ver: Ibid., 565.
81 Centro Apologético Cristão de Pesquisas (CACP), “Declaração de fé”, pesquisa realizada na internet, no site http://www.cacp.org.br/declaracao_de_fe.htm, em 12/10/2004.
82 Convenção Batista Brasileira, pesquisa realizada na internet, “Nossas Crenças”, no site http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=9&sub=117&c=
&d=1, em 12/10/2004.
83 Igreja Presbiteriana do Brasil, “Doutrina”, pesquisa realizada na internet, no site http://www.ipb.org.br/quem_somos/doutrina.php3, em 12/10/2004.
84 Igreja Evangélica Assembléia de Deus, “Em que Cremos”, pesquisa realizada na internet, no site http://www.apazdosenhor.org.br/aigreja/cremos.html, em 12/10/2004.
85 Igreja Evangélica Luterana do Brasil, “O que Cremos”, pesquisa realizada na internet, no site http://www.ielb.org.br/cremos/doutrinas3.htm, em 12/10/2004. Para mais informações sobre o pensamento protestante sobre a doutrina do inferno, ver: Everett Ferguson, Backgrounds of Early Christianity (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, 1993), 142-520; Robert A. Peterson, Hell on Trial (Phillipsburg, NJ: P & R Publishing, 1995); William Crockett, Four Views on Hell (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1992), 11-39; Cyril C. Richardson, Early Christian Fathers (Nova Iorque: Collier Books, 1970), 66-369.
86 Argumentação baseada em: Samuele Bacchiocchi, Immortality or Resurrection? (Berrien Springs, MI: Biblical Perspectives, 1997), 193-242.
87 Bacchiocchi cita, por exemplo, Clark Pinnock em sua obra “Response to John F. Walvoord”, in Four Views on Hell (Grand Rapids, MI: 1992), 149-150. Ver também: Oscar Cullmann, Imortalidade da alma ou ressurreição dos mortos? (Artur Nogueira, SP: Centro de Estudos Evangélicos, 2002).
88 Para uma análise mais detalhada sobre a argumentação em favor da morte como um sono, ver: George R. Knight, Questions on Doctrine (Berrien Springs, MI: Review and Herald, 2003), 397-476; E. Lonnie Melashenko, What the Bible Says About… (Nampa, ID: Pacific Press, 2003), 25-30.
89 Basil F. C. Atkinson, Life and Immortality – An Examination of the Nature and Meaning of Life and Death as They Are Revealed in the Scriptures (Taunton,
England: n.d.), 145-146, citado em Bacchiocchi, 228.
90 Descrições semelhantes se encontram em Sof. 1:15, 17, 18 e Osé. 13:3.
91 Cf. João 15:6, Luc. 20:16, Luc. 17:27, Luc. 17:29, Luc. 19:27.
92 John Stott, David L. Edwards, Essentials: A Liberal-Evangelical Dialogue (London, 1988), 317.
93 The Analytical Greek Lexicon (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1977), ver “aionios”.
94 M. McNamara, The New Testament and the Palestinian Targum to the Pentateuch (Nova Iorque: Pontifical Biblical Institute, 1978), 123, citado em Bacchiocchi, 217.
95 Stott e Edwards, 318-319, citado em Bacchiocchi, 235.
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Texto de autoria do Pr. Gilson Medeiros e Jefferson Silva Souza Elpisteologia