Já virou rotina. Pelo menos uma vez por semestre, os humoristas do canal do Youtube “Porta dos Fundos”, fazem algum episódio debochando da fé cristã e de Jesus. E invariavelmente isso gera polêmica. Cristãos comentam os vídeos, se manifestam em redes sociais e bradam sobre a absurdidade disso. E os humoristas respondem com mais deboches e aquele ar de cinismo.
Eu não costumo a dar ibope para esse tipo de discussão. Mas nessa última semana, após ficar sabendo de mais um desses produtos midiáticos anticristãos por parte da trupe, me coloquei a pensar na incoerência de pelo menos dois de seus membros: Gregório Duvivier e Fabio Porchat. Explico. Os dois humoristas fazem chacota da fé cristã porque a julgam ridícula. No entanto, o que se espera de um indivíduo que julga alguma crença ridícula é que ele mesmo não creia em algo ridículo. Não faria sentido um homem adulto ridicularizar a outro que crê no Coelhinho da Páscoa, quando o primeiro crê no Papai Noel. Pois esse é mais ou menos o caso de Duvivier e Porchat.
Ambos são ateus assumidos. E ambos têm tendência à esquerda política. Para ser mais exato, Duvivier é militante do PSOL e socialista de fervoroso. Porchat, segundo o pouco que procurei saber dele, não é tão partidarista, mas também se alinha aos discursos desse tipo de esquerda mais contemporânea. A incoerência pode passar despercebida para muitos, mas é patente para quem estuda apologética há anos. Em primeiro lugar, como ateus, Duvivier e Porchat não possuem absolutamente nenhuma razão para crer que existe algo como certo e errado, justo e injusto, bem e mal. A moral, em um universo sem Deus, não se baseia em nada transcendente, sobrenatural e, portanto, eterno, imutável, objetivo. Não existe nada além da natureza, o que significa que a moral só pode se basear em algo daqui mesmo. E tudo aqui é mutável.
Pense em uma moral baseada no tempo. Isso implica que de tempos em tempos, matar, roubar, estuprar, ser racista e bater em homossexuais pode ser certo. Ou que tal uma moral no espaço? Quer dizer que ela pode mudar de lugar para lugar. O mesmo em relação à cultura, convenções sociais e até genética. Basta nascermos diferentes e o que antes era errado, pode ser certo (ou vice-versa). Em um cenário como esse, não existe moral como algo objetivo, eterno. Tudo não passa de sentimentos pessoais, subjetivos, que nós elevamos ao status de “regra”, criando assim uma ficção. Mas, na realidade, se não há Deus, nada é certo ou errado, justo ou injusto, bom ou mal.
Por outro lado, se a moral está baseada na própria natureza de um ser transcendente, sobrenatural, eterno, então ela também é igualmente transcendente, sobrenatural e, portanto, eterna. Isso implica que ela não pode mudar em função do tempo, do lugar, da cultura e da biologia. Ora, este ser transcendente do qual advém a moral tem sido chamado de Deus (um ser pessoal, claro, já que moralidade é uma característica de pessoas, não de objetos). Em outras palavras, pessoas que crêem em Deus têm razão para crer que há coisas certas e erradas, justas e injustas. Por conseguinte, tem razões para lutar pelo bem e pela justiça no mundo. O ateu não tem razão para isso.
Qual a razão que ateus como Porchat e Duvivier possuem para ver como injusta a miséria e a desigualdade social? Ou para ver como errada a corrupção? Ou para achar o racismo e a agressão aos homossexuais coisas más? Ou para entender que precisamos preservar a natureza? Talvez a resposta deles fosse que “devemos nos colocar no lugar dos outros”, que “devemos fazer aos outros o que gostaríamos que fizéssemos a nós”, que “não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que fizessem a nós”, que “devemos deixar um mundo melhor para as próximas gerações”, etc. Tudo isso é muito bonito e mexe com as emoções. Mas não passa de argumento circular. Afinal, podemos perguntar: “Qual é a razão para nos colocar no lugar dos outros, deixar um mundo melhor para os outros, não fazer o que não gostaríamos que fizéssemos a nós, etc.?”. No fim, a resposta sempre será que “não devemos” e “é errado”. O leitor mais perspicaz já percebeu que isso não responde nada.
Alguns ateus apelam à preservação da espécie e à necessidade de sobrevivência individual. Ou seja, devemos agir segundo um padrão moral porque senão tudo vira uma bagunça, o que coloca nossa vida em risco. Mas note que isso no máximo prova que criamos ficções para nos proteger uns dos outros. Não prova que de fato existe certo e errado, justo e injusto, bem e mal. E qualquer pessoa inteligente concordará que como a ficção pegou e quase todos agem como se existisse realmente uma moral, não fará diferença se ela, individualmente, agir fora dessa “moral”. Não é porque eu roubo que todos vão passar a roubar. Então, é perfeitamente possível eu fazer “mal” aos outros, sobretudo escondido, e a sociedade continuar acreditando em moral. Em suma, se eu quiser fazer coisas consideradas imorais pela sociedade, na verdade, eu não estarei fazendo nada de mal. Nem de bom. Mas será algo que beneficiará. E a grande questão é: se não há certo e errado, por que eu não deveria ser egoísta e mentiroso? Nada aqui condena ninguém.
Vamos mais longe: se todos vão morrer, por que eu deveria me preocupar com as próximas gerações? Contanto que eu mesmo tenha uma vida agradável aos meus próprios olhos, isso já é o suficiente. Claro, isso não me impede de escolher ajudar as outras pessoas. Talvez seja algo que me agrade. Mas se sou ateu, quero ser coerente com meu ateísmo e quero dizer a verdade às pessoas, eu devo dizer: “Só ajudo as pessoas porque me sinto bem assim. Não é um dever ou obrigação de ninguém. Não é algo ‘certo’, ou ‘bom’, ou ‘justo’. E não faz diferença se alguém vai agir assim ou não, pois não existem valores morais reais e todos irão morrer. Eu faço isso apenas para me sentir bem mesmo”.
Por mais coerente que essa visão seja, são poucos os ateus que estão realmente dispostos a viverem assim na prática. Mesmo os que aceitam tais conclusões na teoria, vivem como se existisse moral, se chocam com determinadas “maldades” e “injustiças”, e chegam até a lutar por pautas políticas para um “mundo melhor”, querendo impor a sua justiça a todos.
Então, essa é a primeira incoerência de Duvivier e Porchat. Eles mataram a fonte da moral (Deus), mas continuam crendo que a moral existe e tentam impor isso a todos. A resposta de Porchat às críticas de cristãos não poderia ter sido mais emblemática:
“Gente, pode deixar que eu me resolvo com Deus, tá de boas, não precisa se preocupar não. Agora pode voltar a se indignar com a desigualdade que destrói nosso país. Mas tem que se indignar com o mesmo fervor, tá?”.
Ou seja, para Porchat, a desigualdade é algo ruim, injusto, mal. E nós deveríamos nos indignar com isso. Mas com base em quê Porchat acha isso? Nem ele sabe. A crença que ele possui na moral é meramente emocional. Eis a grande diferença entre Porchat e eu, por exemplo. Ele crê na moral, mesmo sem ter razão para isso, simplesmente porque precisa crer. Eu creio na moral porque tenho motivos racionais para tanto.
Ora, se já não bastasse a incoerência de ser ateu e crer em moral (e ainda querer dar lição de moral nos outros), existe uma incoerência ainda maior – e esse é o meu segundo ponto no texto: Duvivier e Porchat são crentes em um Estado grande e poderoso. Duvivier, como socialista, é ainda mais crente. Ele acredita piamente que se os seus políticos de estimação estiverem no governo e o Estado tiver enorme poder interventor e centralizador, nós teremos um mundo melhor. Os políticos lutarão por nós, cuidarão dos pobres, trabalhadores e marginalizados. Então, um dia, a sociedade será justa, igualitária, pacífica e boa. É nisso o que todo o socialista sincero acredita.
O problema de depositar fé em políticos e num Estado poderoso é que a história tem nos ensinado que isso é sempre um desastre. Duvivier e Porchat esquecem que a maioria esmagadora dos genocídios e grandes desgraças da humanidade foram cometidas por meio de políticos e de um Estado poderoso. O nazismo reprimiu e matou muita gente porque o Estado alemão tinha muito poder. O comunismo reprimiu e matou muita gente porque os Estados comunistas tinham muito poder. As ditaduras islâmicas reprimem e matam muita gente porque o Estado tem muito poder. Qualquer ditadura reprime e mata gente porque o Estado tem muito poder. E nós podemos dizer o mesmo em relação à corrupção sistemática. Daqui se depreende que a religião mais tola e perigosa do mundo é o estatismo. Não faz o menor sentido crer que colocar muito poder nas mãos de homens falíveis como eu e você fará com que o mundo se torne uma maravilha. Crer nisso é fechar os olhos e ouvidos para todas as lições da história e até mesmo para o que vemos cotidianamente (por vezes, bem perto de nós).
O ser humano definitivamente não é confiável. E o Estado nada mais é do que o maior dos instrumentos de repressão do homem. Não, eu não sou um anarquista (ou um anarcocapitalista). Creio que o Estado é importante. E, biblicamente falando, uma de suas maiores funções é justamente reprimir. Reprimir criminosos. Mas crer que o Estado tem sua importância não deve servir de incentivo para idolatrarmos políticos e crermos que a redenção vem do governo. Não vem e nunca virá. Por isso, jamais deveríamos depositar nossa fé em políticos e em um Estado cheio de poder, funções e dinheiro. Mas é nisso o que Porchat e principalmente Duvivier acreditam.
O mais tragicômico é que Duvivier e Porchat crêem naqueles mantras de que religião causa ignorância, preconceitos, conflitos, guerras e morticínios. No entanto, não largam sua fé em políticos e em um Estado poderoso para “redimir” a sociedade – justamente as duas coisas capazes de fazer das religiões e do ateísmo crenças autoritárias e genocidas. O estatismo de gente como Duvivier e Porchat é uma daquelas tolices que não só causam riso por sua absurdidade, mas que devem ser combatidas, já que são verdadeiramente perigosas. É no espírito do estatismo que ditadores e corruptos se levantam e destroem a vida do povo. Depositar essa fé redentora no Estado é como depositar fé em um hospital reconhecidamente repleto de traficantes de órgãos. E impor a todos essa mesma fé é como impor que todos se tratem nesse hospital.
As duas incoerências citadas nesse breve artigo devem ser rememoradas pelo leitor todas as vezes que Duvivier, Porchat e sua trupe fizerem zombarias do cristianismo. No fim das contas, ainda que a fé cristã fosse mesmo ridícula e irracional (o que não é), a fé dos dois ateus crentes na moral e em um mundo melhor a la “Imagine”, através de um Estado poderoso, com políticos altruístas e confiáveis, é simplesmente imbatível em matéria de idiotice. Uma idiotice perigosa. Mas ainda assim, uma idiotice. É o Papai Noel dos adultos da “Porta dos Fundos”. Um Papai Noel que traz presentes apenas para os bons meninos ateus e estatistas.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista