Legalismo e liberalismo são lados da mesma moeda

A mitologia grega nos fala de dois grandes monstros marinhos chamados Cila e Caríbdis, que se encontravam em margens opostas de um canal estreito. Quando os marinheiros tratavam de evitar Cila, era bem provável que se aproximassem demais de Caríbdis e vice-versa. Nenhum dos destinos era melhor que o outro, então era necessário ter muito cuidado para evitar o perigo que havia de ambos os lados. O mesmo acontece na vida cristã com o legalismo e o antinomismo, com a diferença de que não se trata de dois monstros mitológicos, mas de dois inimigos reais que devemos manter distantes se quisermos guardar a pureza do evangelho para a salvação dos perdidos e a edificação da Igreja.

De uma forma mais simples, podemos dizer que o legalismo consiste em tentar ganhar o favor de Deus através de nossa obediência a um conjunto de leis e normas. O legalismo coloca Deus na condição de um devedor que tem de nos abençoar se fizermos o que devemos fazer. Enquanto o evangelho nos move à obediência pelo fato de já termos sido aceitos por Deus sobre a base da obra redentora de Cristo, o legalismo diz que devemos obedecer para que sejamos aceitos. Tudo depende de nós: de nossa obediência, de nosso esforço pessoal, de nosso compromisso e de nossos méritos.

Quando partimos dessa premissa, cedo ou tarde começaremos a acrescentar algumas regras que não estão na Bíblia, porque queremos ter certeza de que estamos fazendo exatamente o que devemos fazer, e de que estamos apertamos os botões corretos. Quase certamente o que vai acontecer é que vamos voltar mais atenção ao aspecto externo do mandamento do que ao coração da Lei. Esse é um aspecto essencial do legalismo. O legalista está mais preocupado com a forma do que com aquilo que está no fundo, porque, no final das contas, é muito mais fácil conformar-se a uma regra externa do que tratar o coração. Essa é uma das razões pelas quais o legalista costuma acrescentar regras à lei de Deus: não para amplificá-la, mas para torná-la manuseável, porque é muito mais fácil apegar-se a um conjunto de regras externas do que obedecer à intenção da Lei.

Obviamente, tudo isso produz orgulho. Por isso o legalismo parece tão atraente, embora seja tão opressivo. O legalismo produz soberba e desprezo; os legalistas se orgulham de seu padrão e desprezam todos que vivem segundo um padrão diferente. Transformam suas regras em uma lei universal, que querem impor a todo mundo, em qualquer situação ou circunstância. Suas regras, na prática, transformam-se na tábua de avaliação que determina a condição espiritual dos demais.

O antinomismo é o monstro que se encontra na outra margem do estreito canal da vida cristã. Esse é um vocábulo composto de anti, que significa “contra”, e nomos, que significa “lei”. O antinomismo assume que podemos relacionar-nos com Deus sem obedecer à sua Palavra, e desprezando sua Lei moral. Certamente, muitos antinomistas não veem a si mesmos desse modo, porque, com frequência, é muito mais uma atitude do que uma crença formal. É o pensamento: “Deus me aceita tal como sou, porque seu amor é incondicional”.

Apesar das diferentes manifestações externas, tanto o legalismo como o antinomismo surgem da mesma raiz [a saber, a depreciação do Evangelho], ou, como disse o teólogo Sinclair Ferguson, ambos são gêmeos não idênticos nascidos do mesmo ventre.[2] Se não entendermos isso, de maneira instintiva trataremos de nos esquivar um desses males, movendo-nos em direção ao outro.


[1] Extraído do livro Da parte de Deus e na presença de Deus: um guia para a pregação expositiva (Locais do Kindle 1622-1650). Editora Fiel. Edição do Kindle.

[2] Timothy Keller, Preaching (New York, NY: Viking, 2015), pos. 630 de 4.138.

Sugel Michelén[1]

Fonte: Reação Adventista


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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