O Cântico Congregacional e o Ministério da Palavra – Parte 3 – Estilo

Estilo

O que é estilo? A fim de aplicar os princípios bíblicos ao estilo e à música de adoração, precisamos entender que a Bíblia diz sobre o estilo, bem como o que é estilo. “Estilo”, per se, é algo comum a toda a humanidade, e como tal pertence diretamente no reino da graça comum e da revelação geral. Apenas algumas pessoas experimentam Deus graça “salvadora”, enquanto todos os seres humanos experimentam alguma medida da graça “comum”. Cada coisa boa vem da mão bondosa de Deus. O sol e a chuva caem igualmente sobre bons e maus. Todos os seres humanos, todas as culturas, apresentam “estilo” ou comportamento estético.

É precisamente neste ponto que cristãos de todas as denominações se confundem. Muitas vezes nós confundimos nossa teologia com nosso estilo, resultando, no final, em uma teologia confusa. É uma falta de atenção. Tomando emprestada uma metáfora, não é o suficiente sermos simples como as pombas, é preciso sermos sábios como as serpentes, também. Moisés teve a melhor formação dos egípcios; Daniel teve a melhor formação dos caldeus e os medos e persas. Este treinamento foi do tipo da graça comum e a comunidade de fé foi enriquecida por isto.

Antes de desvendar este emaranhado, levanto duas questões que devem estar em constante consideração durante esta discussão. Primeiro, o estilo é bom ou ruim por causa de alguma beleza intrínseca? Em segundo lugar, o estilo é bom ou ruim por causa do efeito ético que ele tem sobre a humanidade?

Estilo e a Doutrina da Criação

Todas as questões de estilo e cultura têm suas sementes distintas na Criação. Claro que, elas não estavam desenvolvidas, mas como o óvulo fertilizado é totalmente humano com toda a informação essencial contida nos quarenta e seis cromossomos, assim, da mesma maneira, todos os pormenores essenciais da cultura humana podem ser encontrados nos primeiros três capítulos do Gênesis.

Primeiro, vemos Deus fazendo objetos tangíveis e dizendo que eram bons. Ele os faz, aparentemente, apenas para Seu prazer. Precisamos insistir um pouco neste ponto porque ele corre na contramão do pragmatismo norte-americano que está tão profundamente arraigado em nossos pressupostos intelectuais e em nossos métodos de vida da igreja, mesmo daqueles entre nós que repudiam os pontos de vista orientados às técnicas do movimento de crescimento da igreja. [25] Ainda temos a tendência de ordenar a nossa montagem normal de cenários de acordo com normas que sejam aceitáveis para nossa cultura. [26] E de todas as várias correntes filosóficas, precisamos lembrar que o pragmatismo é a única inovação nativa, exclusivamente americana.

Deus é auto-suficiente. Ele não precisa de coisa alguma. Sem a presença de necessidade, não há pragmatismo, nenhuma crise ou contingência a ser resolvida. Pois o pragmatismo resolve problemas e satisfaz necessidades, e uma vez que um Deus soberano e auto-suficiente não tem necessidades, fica claro que Ele criou o cosmos exclusivamente para seu prazer. Foi um ato de puro prazer estético, uma obra de arte. Ele pôs em liberdade o burro selvagem (Jó 39:5). Ele fez o avestruz que bate as asas com alegria (Jó 39:13). Os céus são a poesia de seus dedos (Salmos 8:3). [27] Durante todo o processo de criação, vemos Deus periodicamente dando um passo para trás para ver a Sua obra e acrescentando: “Isto é bom” e nunca “Isto faz o que Eu preciso que seja feito”, ou “Isto funciona bem”. Se existe uma analogia humana para este aspecto de Deus, não é o engenheiro ou o vendedor, mas sim o artista.

“E disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra’” (Gênesis 1:26). Sugiro que até este ponto conhecemos apenas duas coisas sobre a natureza de Deus, e que estas duas características são igualmente importantes para a compreensão da natureza humana: Primeiro, Ele criou as coisas apenas com o propósito de deleitar-se no processo de criar, bem como deleitar-se no objeto concluído, o resultado desse processo; em segundo lugar, Ele é um Ser singular que, no entanto, tem certa pluralidade misteriosa em sua natureza. Esses dois atributos de Deus e Suas ações estão diretamente relacionados com o comportamento artístico da criatura feita à imagem de Deus.

Quando Deus trouxe o homem para o quadro da criação, a primeira coisa que o homem fez foi dar nome aos animais. Adão não teve que estudar gramática e ortografia: Ele criou as regras e os sons conforme lhe agradava. Além disso, ele poderia com a mesma facilidade ter chamado um camelo de nahotsdowth ou de stroile se lhe parecesse apropriado. Em face disto, parece que os nomes eram apenas uma questão de prazer para Adão. “… e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome” (Gênesis 2:19). Esta é uma variante de “e foi a tarde e a manhã…” visto no primeiro capítulo.

Agora, tudo isso parece um pouco filosoficamente distante, mas então tudo fica bem claro quando Jesus nos diz: “Portanto, vós orareis assim: ‘Pai nosso, que estás nos céus…’” (Mateus 6:9). Há uma relação familiar entre o Criador e o ser criado à Sua imagem. Deus faz as coisas para seu próprio prazer, e, portanto, assim também faz o homem. Além disso, o homem antes da queda faz as coisas que agradam a Deus porque essa relação familiar envolve Deus e o homem pensando, sentindo, desejando, e agindo na mesma sintonia. Sim, o homem tem total liberdade, mas suas ações dificilmente são arbitrárias.

Assim, vemos tanto em Deus quanto no homem criado à Sua imagem a tendência de criar objetos apenas pelo prazer e pela beleza. Em ambos os casos, não há nenhuma platéia humana aparente. A platéia parece não ter qualquer influência sobre aquilo que o que objeto estético deve ser. A essência do objeto estético se baseia apenas nas intenções de prazer do Criador (Deus) ou do artista (homem).

Isso nos leva ao nosso primeiro princípio acerca do estilo encontrado na criação: Existe estilo, cultura, ou arte, que possui bons atributos intrínsecos, bons atributos baseados na própria beleza. E embora o homem agora esteja caído, a imagem de Deus permanece manchada, mas não destruída. O princípio de beleza pelo prazer chegou até nós na atividade da arte erudita, ou na alta cultura. E embora os cristãos sejam tentados a ter uma má impressão acerca dela, ela é realmente “arte pela arte em si mesma”. Em seu estado mais refinado, a arte erudita é a arte feita simplesmente por sua beleza (como esta é compreendida pelo artista individual) sem qualquer consideração para com o público. É o velho podando as suas rosas e a criança transformando a massinha de modelar em objetos não identificáveis. É a garota adolescente revelando-se em seu cabelo longo e brilhante ou o bombeiro polindo seu caminhão. E, claro, é o compositor, o poeta, o escultor e o pintor.

A arte principal da igreja é a música, e mesmo assim, em sua maior parte, os compositores da arte erudita têm permanecido fora da igreja por cerca de 250 anos, desde a morte de J. S. Bach, que foi o maior expoente da grande tradição luterana de músicos bíblicos da igreja. Houveram duas razões para esta guinada triste da história.

A primeira foi que o pietismo tomou conta da igreja naquela época, e o pietismo considerava que a maneira como uma pessoa se sentia era um sinal de ortodoxia. (o pietismo está verdadeiramente vivo e atuante hoje, também!) Se a música não fazia o adorador sentir-se reverente, então, meu caro, não era música espiritual. Os compositores da arte erudita, que se deleitam em usar a mente que Deus lhes deu, rapidamente encontraram-se na lista de espécies ameaçadas de extinção.

A segunda razão pela qual os compositores da arte erudita deixaram de ser ativos na igreja é que a igreja (especialmente na Europa) deixou de ser uma entidade viável. O pietismo, que começou como um esforço para fortalecer a igreja, eventualmente a enfraqueceu tanto que o ataque do Iluminismo deixou a igreja visível européia do século XIX em uma fossa liberal. Ao buscar a alienação da alta cultura, a igreja abriu mão da liderança no desenvolvimento da cultura e desde então tem tentado, com língua de fora, acompanhar o ritmo do mundo. Aqueles que estão prontos a lançar calúnias sobre a música cristã contemporânea deveriam sóbria e penitentemente considerar a história. Na Igreja Reformada, falamos bastante sobre um “mundo cristão e uma visão de vida.” Eis aqui uma lacuna em nossa cosmovisão através da qual poderíamos passar um caminhão.

Estilo e a Natureza de Deus

O segundo princípio do estilo é encontrado naquela pluralidade misteriosa da natureza de Deus. Deus coloca a Sua imagem no homem também nas palavras, “Não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2:18). Ele revela sua intenção de tornar o homem misteriosamente em um ser plural também. Estas palavras aplicam-se diretamente ao casamento humano, mais especificamente ao casamento de Adão e Eva, no qual temos os primórdios da sociedade humana. Deus nos criou como seres sociais. Não é realmente bom para nós estarmos sozinhos, e esta marca da criação deveria questionar muitas das forças contidas na modernidade que está tornando o mundo altamente povoado com pessoas solitárias e desconexas – pessoas com poucas relações comunitárias. Ao contrário da arte erudita, existe um tipo de arte que é feita por pessoas que se conhecem umas às outras para pessoas que se conhecem umas às outras, e essa arte é usada para enriquecer seus momentos juntos. É um pressuposto da arte ou estilo que está sempre consciente do público, com o bem-estar deste público ou seu efeito ético sobre este público em mente. O objetivo principal deste tipo de arte é uma comunidade saudável, e não a beleza e, portanto, ela deve ser denominada como arte popular. [28] [g] Aqui, a bondade pode ser descrita como “extrínseca”. Platão é, provavelmente, o principal defensor desta forma de avaliar a arte. Ele afirmava que qualquer música que incite um comportamento indesejável no cidadão deveria ser censurada pela república. Os pais da igreja primitiva, de forma quase unânime, também sustentavam este ponto de vista acerca do estilo, e, mais especificamente, do estilo de música. [29]

Estilo e o Pensamento Moderno

Como é estranho que a igreja visível atual esteja abraçando a diversidade e o multiculturalismo de forma acrítica, desprezando completamente a sabedoria dos pais da igreja primitiva. Há congregações em todo o país que agora fazem cultos múltiplos, cada um em um estilo diferente, para atender aos apetites dos grupos-alvo diferentes. Claro que o resultado disso é um ajuntamento de congregações separadas sob o mesmo teto, cada sub-congregação exigindo que suas necessidades sejam atendidas. É egoísmo grupal que faz qualquer coisa, menos integrar-se como corpo de Cristo.

De acordo com este espírito, um anúncio em uma edição recente da revista Christianity Today dizia: “Poemas ungidos musicados. Contribuições com base no rendimento. Estilos disponíveis: primitivo, do-wop, rock, pop, Rhythm & Blues primitivo, Tex-Mex , reggae, Bossa Nova, soul, jazz. Enviar $ 3 para …. ” [30] A diversidade neste anúncio é de tirar o fôlego, mas não é maior do que aquilo que está disponível nas igrejas em geral. De fato, esta pessoa não teria publicado um anúncio na principal revista da igreja se achasse que ele não iria receber alguns clientes.

Ironicamente, o evangelho deveria nos unir, pois partilhamos uma necessidade comum – o perdão dos pecados. Na verdade, quando nos concentramos nas necessidades sentidas – neste caso, o apetite por estilos – estamos nos dividindo em pequenos guetos. Suponho que essa ânsia pela diversidade é mais a obra do espírito deste século do que do Espírito Santo. Afinal, se este anúncio é uma indicação de como as coisas são, somos presenteados com o espetáculo bizarro de usar rock para retratar a profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus.

Quando Paulo nos convida (Filipenses 4:8) a pensar naquilo que é verdadeiro, nobre, correto, puro, amável, de boa reputação, excelente, e digno de louvor, somos advertidos a colocar as questões de estilo sob este microscópio. Certamente a arte erudita, com sua raiz na imagem de Deus, se encaixa nessas categorias. Mas o mesmo acontece com a arte popular, porque não é bom que o homem fique sozinho. A comunidade saudável da arte popular se encaixa no modelo de criação como Deus planejou.

Uma nota final sobre a diversidade, pois existe muita confusão atualmente em vários países: Sim, teremos diversidade conosco até o Grande Dia do Senhor. A diversidade cultural pode ser rastreada diretamente até a Torre de Babel. Afinal, a marca mais distintiva de qualquer cultura é a sua linguagem. Certamente, temos que aprender línguas estrangeiras, para que possamos proclamar o evangelho a todas as nações. E certamente temos de receber o estrangeiro em nossas casas. Mas o Senhor é glorificado quando incitamos e estimulamos o tribalismo e a crescente balcanização da nossa cultura por nossa tendência à diversidade na adoração? Como isto se encaixa com a oração de Jesus para que sejamos um? Em algumas partes do nosso país, temos uma profunda diversidade étnica, e esta condição apresenta dificuldades especiais para o culto comunitário, as quais não podem ser ignoradas. Ainda assim, grande parte do impulso para o apetite por estilos diversos desapareceria se viéssemos ao culto comunitário com a noção de que poderíamos edificar os nossos irmãos em Cristo quando os ensinamos e advertimos com salmos, hinos e cânticos espirituais.


Notas Bibliográficas

[25] – A abordagem evangelística baseada em técnicas tem uma longa história. Charles Finney disse: “O sucesso de qualquer medida destinada a promover um reavivamento da religião, demonstra a sua sabedoria”.

[26] – Um exemplo deste problema pode ser um conflito entre o conforto físico e clareza auditiva. O ruído de um sistema de ar condicionado, embora não seja conscientemente audível, vai competir com o espaço auditivo ocupado por consoantes sibilantes, prejudicando a audição da Palavra, pois são estas consoantes que tornam a fala clara. Uma vez que a fé vem pelo ouvir, esse tipo de tecnologia deveria ser preocupante, e ainda assim as expressões mais peculiares se levantam com a sugestão de que ter vinte e oito graus dentro da nave da igreja é um preço razoável a pagar pela percepção auditiva clara.

[27] – Lutero traduziu a palavra “trabalho” como “poesia”.

[28] – Por “música popular”, não devemos automaticamente pensar no estilo de James Taylor ou Gordon Lightfoot, ou de violões, apitos de lata e tambores celtas.

[29] – Como Platão, Clemente de Alexandria, Isidoro de Pelúsio, Basílio, o Grande, e João Crisóstomo, todos tinham coisas muito negativas a dizer sobre o aulos, um instrumento associado com Baco. O aulos era um tipo de oboé duplo, cuja coloração tonal pode ter se aproximado do nosso saxofone moderno. É um esforço à imaginação ver esses pais da fé aprovando o uso do aulos por causa de uma suposta sensibilidade evangelistica.

[30] – 06 de fevereiro de 1995, 77.


Autor: Leonard R. Payton

O Dr. Leonard Payton serviu como músico-chefe da Igreja Presbiteriana do Redentor em Austin, Texas, desde janeiro de 1996. Recebeu seu mestrado e doutorado da Universidade da Califórnia, San Diego, e fez estudos avançados na Alemanha. Contribuiu para o livro A Crise Evangélica Vindoura (Moody, 1996), e é um colaborador freqüente com opiniões e artigos para o periódico Reformation & Revival Jornal.

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Dezembro de 2012


Notas do Tradutor

[g] – O termo “arte popular” deve ser compreendido como referindo-se à arte que surge normalmente de expressões espontâneas do povo; de cunho comunitário. Muitas vezes esta arte é denominada como “folclórica”.


Fonte: http://www.the-highway.com/articleJuly98.html

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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