“Por que te admiraste?”

As perseguições do paganismo que afligiam a igreja cristã, e que o apóstolo João conhecia muito bem (Apocalipse 1:9), não eram para ele motivo de admiração. O mundo odeia especialmente aqueles cujos valores e interesses se distinguem dos seus e cuja vida lhe é uma constante reprovação.

“Se o mundo vos odeia”, disse Jesus, “sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia.” (João 15:18-19, ver também 3:19-20).

Sim, o mundo ama os que lhe pertencem. Os verdadeiros discípulos de Jesus não são do mundo, por isso o mundo os odeia. Para o vidente de Patmos, que certamente se lembrou das palavras de Jesus em sua tribulação, não havia nenhuma razão para espanto.

Mas depois de ter visto a mesma mulher pura perseguida pelo dragão (Apocalipse 12) agora na condição de uma grande meretriz intimamente unida ao seu perseguidor e imbuída de seu espírito, João não pôde reagir de outra forma, a não ser admirar-se “com grande espanto” (Apocalipse 17:6).

Em resposta à reação do profeta diante de algo que lhe parecia inacreditável, o anjo, pronto a dar-lhe ainda mais luz a respeito do assunto, declarou:

Por que te admiras? Eu te direi o mistério da mulher, e da besta que a traz, a qual tem sete cabeças e dez chifres. (Apocalipse 17:7, Almeida Corrigida e Revisada Fiel).

Vede que a própria sentença do anjo traz consigo parte da explicação que se segue.

Pois a declaração do anjo – “eu te direi o mistério da mulher, e da besta que a traz” – indica claramente que o “mistério” não se restringe à identidade da mulher, mas inclui também a da besta! Ambas pertencem ao mesmo mistério e, portanto, não podem ser entendidas separadamente!

Já havíamos advertido o leitor sobre o fato singular de que, na visão (versos 3-6), a atenção de João é voltada quase que exclusivamente à mulher, ao passo que na explicação da visão (versos 7-18) sua atenção é dirigida principalmente à besta. Isso sugere que os dois personagens da profecia devem ser entendidos com base em suas relações, e não isoladamente.

Que uma igreja devesse ser tão distinta do mundo a ponto de despertar-lhe o ódio e oposição é algo manifesto na visão de João em Apocalipse 12. Aqui, a mulher pura e o dragão de sete cabeças e dez chifres são tão opostos como o céu e a terra.

Em Apocalipse 17, no entanto, a mulher e a besta (que, aliás, também tem sete cabeças e dez chifres e, portanto, possui um caráter semelhante ao do dragão) estão unidas de tal forma, em contraste com o quadro que se apresenta no capítulo 12, que dessa aliança só poderia resultar o espírito de ódio e perseguição.

Eis por que o profeta (ou qualquer um de nós) não deveria espantar-se.

É coisa espantosa, todavia, que a nau da igreja, unida às ondas que a cercam, mas distinta delas, e operando beneficamente no mundo pela guia e poder do Espírito Santo, possa, com o tempo, tornar-se indistinguível das forças que lhe são contrárias e, assim, errar o rumo que deve percorrer.

Quão astuto e sagaz é o inimigo que temos de enfrentar! Seu maior objetivo é afastar de Deus a igreja, a fim de que ela esteja próxima o bastante do mundo para se contaminar com ele, mas suficientemente distante para acreditar que ainda é diferente!

Trata-se de um esquema tão bem arquitetado e ardiloso que está além da capacidade humana de descrição.

Graças a Deus pela Palavra “viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes” (Hebreus 4:12), pela qual é possível desvendar os engenhosos estratagemas da iniquidade e, sobretudo, resistir a eles por meio das armas procedentes dos arsenais do Céu (II Coríntios 10:4-6).

Se a apostasia institucional a que se referiu Paulo em II Tessalonicenses 2:3-4 (e que a João foi permitido contemplar em visão) é um fenômeno decorrente da perda do “primeiro amor” (Apocalipse 2:4), podemos, então, inferir que o diabo empregará todos os expedientes de que dispõe para suprimir da mente dos crentes cristãos essa primeira impressão do Espírito e, assim, neutralizar o poder da igreja.

Não sejamos ingênuos. Satanás tem muitas redes finamente tecidas, bem trabalhadas, insuspeitas e até aparentemente inocentes, mas por meio das quais ele pode atrair e enlaçar a igreja, de forma a substituir seu amor a Cristo pelo amor ao mundo.E uma vez que sejamos cegados por Satanás quanto à nossa própria condição espiritual, e que os muitos testemunhos e advertências da Palavra de Deus sejam silenciados ou considerados superficialmente, estarão abertas as portas para a indiferença, o mundanismo, as trevas espirituais e, finalmente, a apostasia.

Se a igreja decididamente ama o mundo e as coisas que no mundo há; se a ele se une, mesmo em nome dos mais nobres e virtuosos ideais, o amor de Deus não encontrará guarida em seu seio.

Dificilmente ela terá um senso elevado de que faz parte de uma importante e solene obra e, certamente, rebaixará os sublimes princípios da verdadeira religião, de modo a ajustá-los à sua natureza não santificada e, assim, obter o louvor dos descrentes.

Quão grande será, então, a influência funesta que exercerá sobre o mundo em virtude de seu estado de insensibilidade e cegueira!

Nenhuma igreja que se considere a única e verdadeira igreja de Cristo pode produzir frutos que testifiquem de sua ligação com o Ele, se o lugar que pertence unicamente a Cristo por direito é ocupado pelos homens.

E o clímax da apostasia é que homens ocupem o lugar de Cristo no que diz respeito às prerrogativas que pertencem somente a Ele.

Nessa condição, é possível ser religioso e, contudo, não ser verdadeiramente cristão; ser sacerdote, mas no altar de um culto degenerado; ter o poder de ligar e desligar, porém não de acordo com o Céu; considerar-se mãe das virtudes e, no entanto, ser mãe das meretrizes e das abominações da terra.

Completamente cegada pela ambição de assumir o controle das consciências, de ocupar na terra um lugar que Deus nunca, jamais ordenou, a Igreja apóstata se converteu em agente das trevas, e não da luz. E todas as igrejas que a ela estão ligadas por laços de tradição ou amizade ou que seguem seu exemplo são igualmente culpadas perante Deus.

Aos membros destas igrejas, nosso misericordioso Redentor tem estendido Seu último e decisivo apelo:

Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos. (Apocalipse 18:4)

Que eles possam hoje ouvir a Sua voz e atender ao Seu solene chamado!

Próximo Artigo

Artigo Anterior

Índice da seção

Fonte: As Três Mensagens


Descubra mais sobre Weleson Fernandes

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

Verifique também

Diminuindo a distância entre o remanescente e o papado

A liberdade religiosa é uma causa nobre pela qual vale a pena lutar. Mas, infelizmente, …

Purificados de todos os pecados perante o Senhor

A visão da tarde e da manhã de Daniel 8:14, que diz respeito à purificação …

Entre o “não é” e o “aparecerá”

A revelação mais surpreendente de Apocalipse 17 é a declaração de que a besta “está …

Deixe uma resposta