Há quase três décadas, pastor percorre o Brasil apresentando estrutura que remete aos tempos bíblicos e à obra de Cristo no Céu
A figura do tabernáculo, construído no deserto após a saída dos israelitas do Egito, está bastante presente no imaginário adventista. Estamos familiarizados com seus ritos, objetos e símbolos. Mas você já teve o privilégio de conhecer de perto uma estrutura que se assemelha à original? Há 28 anos, o pastor Julio de Mello Soares tem percorrido o Brasil não apenas mostrando uma réplica do tabernáculo, mas explicando como tudo funcionava. Por meio desse ministério, muitas pessoas têm se impressionado com a mensagem central do santuário: a obra de Cristo em nosso favor. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os bastidores e o alcance dessa iniciativa.
Como nasceu essa iniciativa e onde ela já chegou?
Na época, a igreja costumava promover anualmente um acampamento jovem em Guaíra (PR). Certa vez, o líder de jovens para a região, Cabilde Palma, pediu aos pastores distritais que sugerissem ideias diferentes para essa programação. Lendo a Revista Adventista, fiquei sabendo de uma réplica do santuário que existia em Minas Gerais. Então, dei a sugestão de tê-la na programação do acampamento, a fim de que os participantes pudessem visitar e ver de perto os detalhes e significados do ritual. Foi assim que construímos um tabernáculo. A princípio, a réplica era muito simples, mas, com o passar dos anos, foi sendo aprimorada. Todos os móveis internos são do tamanho original.
Já apresentamos a mensagem do santuário para milhares de pessoas em eventos de Desbravadores e Aventureiros, acampamentos, escolas e igrejas. O lugar mais distante em que estivemos foi Palmas (TO). E a última apresentação foi para 8 mil participantes do campori promovido na Fadminas, em julho. Ao longo de 28 anos, já fizemos apresentações em nove estados. Certa vez, no Mato Grosso do Sul, quando estávamos arrumando os objetos para a apresentação, nos deparamos com uma grande cobra na caixa em que a ovelha é “sacrificada”. Felizmente foi só um susto! Também já aconteceu de o sumo sacerdote entrar em cena usando óculos e relógio. Em outra ocasião, durante um acampamento da União Sul-Brasileira em Esteio (RS), o microfone estava com defeito e, quando toquei as tábuas da lei, que estavam nas mãos do sumo sacerdote, descalço, levei um choque que chamou a atenção do público. Pude ouvir de alguns: “Viu, não se pode tocar nas coisas santas de Deus”.
Esse trabalho é feito com o apoio de várias pessoas, que ajudam inclusive interpretando a função sacerdotal. Como funciona essa parceria?
No início, as pessoas entravam no santuário, e um pastor vestido como sumo sacerdote explicava todo o ritual. Esse formato durou pouco tempo. Agora, temos uma estrutura com pátio, lugar santo e lugar santíssimo, que requer um espaço plano de 10 x 5 metros. No novo formato de apresentação, eu faço a narração, enquanto o pecador, o sacerdote e o sumo sacerdote interpretam seus papéis. Usamos uma ovelha empalhada feita por minha esposa, Mohedja, que também confeccionou todas as cortinas, a cobertura e os detalhes das roupas sacerdotais.
Há dois anos, Daniel Baili, que desempenhou a função de sumo sacerdote por 25 anos, faleceu. Ele fez um excelente trabalho! Também sou muito grato a Lourenço Sanches, que assumiu essa função. Ele trabalha no Instituto Adventista de Ensino de Santa Catarina (IAESC) e tem nos ajudado por mais de 26 anos. Lourival Cruz, que atuou como pecador, não integra mais a equipe, mas nos apoiou por mais de duas décadas. Além deles, temos a ajuda dos pastores jubilados Jair Mello e José Alves, que atuam como sacerdotes, e Valdir Preciliano, preceptor no Instituto Adventista Paranaense (IAP), que desempenha o papel de pecador. Quero destacar, com muita gratidão e reconhecimento, a valiosa contribuição de João Natal, que com seu caminhão nos transporta há quase 20 anos. Toda essa equipe não mede esforços para atender nossa agenda de apresentações e nos auxiliar na montagem, desmontagem e armazenamento do tabernáculo.
Qual é a reação do público que assiste às apresentações?
É impressionante observar a atenção, o silêncio e a ordem daqueles que acompanham cada detalhe da apresentação, que normalmente tem duração de 40 minutos a uma hora. Especialmente no momento em que a ovelha é sacrificada, pessoas choram de emoção. Aproveitamos esses momentos para desmistificar e esclarecer dúvidas sobre o ritual do santuário. Um exemplo é a corda ou corrente de ouro que supostamente era amarrada na perna ou na cintura do sumo sacerdote, para puxá-lo caso fosse fulminado ao entrar no lugar santíssimo. Em alguns casos, é difícil convencer da realidade de que não há nenhum relato na Bíblia nem nos escritos de Ellen White confirmando isso.
Outra coisa que procuro esclarecer é a ideia de que o lugar santo era asqueroso, cheio de sangue escorrendo para todos os lados. Na realidade, não era em todos os sacrifícios que se fazia a aspersão de sangue diante da cortina. É verdade que, além de ser colocado com o dedo nas pontas do altar do holocausto (Êx 29:12; Lv 4:25, 30; 16:18), em alguns casos o restante do sangue dos animais era derramado na base do altar. Mas, na parte interna do santuário, ele era respingado com o dedo diante da cortina e do propiciatório (Lv 4:6; 16:14). Assim, provavelmente, gotículas caíssem na cortina, que era trocada uma vez por ano. Sem dúvida o perfume que era exalado do altar de incenso também atenuava o cheiro exalado pela manipulação do sangue. Tudo o que Deus faz é perfeito e em ordem. Por isso, os sacerdotes cuidavam para que tudo estivesse perfeitamente organizado e limpo.
Ao longo de todos esses anos, o senhor também já testemunhou pessoas de outras denominações mudarem de concepção acerca do santuário depois de terem contato com essa iniciativa?
Certa vez, em um acampamento de verão, uma pessoa de uma igreja evangélica pediu que levássemos o santuário para sua congregação. Assim, pela primeira vez, apresentamos toda a mensagem do santuário em outra denominação. A reação do público foi marcante. Durante a maior parte da apresentação, podíamos ouvir retumbantes “glórias” e “aleluias”; no entanto, quando chegamos na parte do lugar santíssimo e destacamos a validade da Lei de Deus, houve um completo silêncio! Após cada apresentação, é comum as pessoas dizerem que entenderam melhor a mensagem do santuário. Ouvir e ver tudo de perto permite que elas compreendam a doutrina do santuário de forma mais clara.
Como a igreja local pode tornar a doutrina do santuário mais didática para as novas gerações?
Uma das formas de abordar esse tema é incentivar a construção de maquetes, que podem auxiliar nos estudos bíblicos, e sugerir que as crianças façam desenhos. Os jovens também podem organizar encenações e produzir diagramas, promover concursos e gincanas relacionados ao tema. Além disso, é importante que a doutrina do santuário esteja mais presente nos sermões. Também podemos valorizar o que já existe, como é o caso da especialidade em santuário para Desbravadores.
Que impacto esse projeto teve em sua vida?
Sempre gostei de usar ilustrações em pregações e aulas. Por isso, fico entusiasmado com essa forma de apresentar a doutrina do santuário. Me emociono ao pensar na maneira tão clara e poderosa com que Deus nos ensina Suas reveladoras verdades acerca da salvação através de cada detalhe dos rituais do tabernáculo. Tenho aprendido muito e descoberto novas lições. Procuro fazer o máximo de aplicações para a minha vida. Por exemplo, ao explicar que, quando os israelitas levantavam acampamento, a arca da aliança ia à frente, destaco que, em nossa jornada neste mundo, Deus também deve estar à frente de todos os nossos planos.
O fato de o Senhor ordenar que o tabernáculo sempre fosse montado com a entrada voltada para o oriente ou leste, ou seja, na direção do nascer do Sol, é outro ponto interessante. Em uma época em que muitos pagãos adoravam o Sol, ao entrar no santuário, o sacerdote virava as costas para a criatura e adorava o Criador. Da mesma forma, precisamos dar as costas aos ídolos deste mundo e adorar ao verdadeiro Deus. Com base na estrutura do santuário, também costumo destacar três passos para a vida eterna: (1) justificação, representada pelo pátio; (2) santificação, representada pelo lugar santo; e (3) glorificação, representada pelo lugar santíssimo. Sinto-me o mais beneficiado por essa linda e poderosa mensagem.
Qual a mensagem do santuário para nós hoje?
A grande mensagem do santuário em todos os tempos é que existe uma solução para o problema do pecado. Além disso, essa doutrina distintiva do adventismo aponta para a existência de um santuário no Céu, onde Jesus está hoje. Lá, como nosso Sumo Sacerdote, Ele intercede por nós, aplicando na vida de todos que O amam e servem os méritos de Sua vitória na cruz. Também é nesse lugar que, a partir de 1844, Cristo passou a realizar o juízo investigativo, em Sua segunda fase de ministração no santuário que não foi feito por mãos humanas (Hb 9:24). Em breve, Ele encerrará esse processo e então dirá: “Está feito!” Depois, sairá do santuário e virá com poder e glória para nos levar para a eternidade.
Última atualização em 20 de outubro de 2023 por Márcio Tonetti.
Fonte: Revista Adventista