O Cântico Congregacional e o Ministério da Palavra – Parte 5

Então, O Que Devemos Fazer?


Assim como David Wells, “Começo por reservar minhas mais profundas suspeitas para aqueles que querem respostas para as dificuldades que mencionei. O desejo por respostas é bastante inocente, mas o espírito no qual elas são exigidas muitas vezes não é.” [44] O fato é que o problemas na música de adoração são profundos e multifacetados. Eles têm crescido de maneira constante ao longo de um quarto de milênio, e não serão resolvidos da noite para o dia. Na verdade, as sugestões que estou prestes a oferecer são apenas o ponto de partida, visto de forma muito obscura através de um vidro.

Precisamos reconhecer que existem muito poucas tradições de música de adoração atuais que, efetivamente, inculcam a palavra de Cristo musicalmente a ponto de Sua palavra habitar em nós ricamente. Algumas tradições são piores que outras, mas Deus não irá nos abençoar por confessarmos os pecados de outros cristãos. O perigo profundo aqui, como tantas vezes foi evidenciado por congregações que excluíram ferozmente a música cristã contemporânea, é que a reforma não pode ocorrer em casa. Se minha congregação está focada nos males da invasão da música comercial, não estamos direcionando nossa atenção para os males de nossas próprias práticas. Portanto, o primeiro passo é se arrepender e clamar pela misericórdia de Deus. Eu iria mais longe ao dizer que, se essa etapa não for levada a sério e de maneira continuada, não há qualquer razão para esperarmos a bênção de Deus sobre os nossos esforços, nem há qualquer razão para tomar as medidas que estou prestes a propor.

O próximo passo é examinar todas as músicas de adoração utilizadas especificamente pela congregação local para ver que tipo de ensino, que tipo de advertência, e que tipo de gratidão a Deus pode ser visto em toda esta coletânea de músicas. Existem todos os tipos de estruturas pré-formadas que poderão nos ajudar neste trabalho. Quer nossas congregações as usem liturgicamente ou não, ou mesmo se forem de diferentes convicções doutrinárias, acredito que sejam, de qualquer maneira, úteis na obtenção de uma visão abrangente sobre nossas próprias práticas específicas. Quando lemos o mandamento para honrarmos pai e mãe, certamente isso se estende a sábios e santos fiéis do passado. Estes antepassados produziram muitos modelos admiráveis e abrangentes de ensino doutrinário que faríamos bem em empregarmos na avaliação de nossa própria diligência. Tal conjunto de ferramentas podem incluir o Credo dos Apóstolos, o Credo de Nicéia , os Trinta e Nove Artigos Anglicanos, o Catecismo Menor de Lutero, a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo de Heidelberg, o ano eclesiástico, lecionários, a Teologia Sistemática de Berkhof, e assim por diante. [l] Claro que a Bíblia é o documento mais proeminente nesta matéria. No entanto, estaremos demonstrando uma arrogância lamentável se desprezarmos a sabedoria de pessoas que provavelmente compreenderam as Escrituras mais profundamente do que nós.

A sabedoria da prudência nos encoraja a reduzirmos o consumo de música cristã comercial. À primeira vista, esta medida pode parecer draconiana, em parte porque vai nos forçar a criarmos em casa a nossa própria música contemporânea de adoração, e o fato claro continua sendo que a alfabetização musical caiu a um nível tão baixo que dificilmente se podem encontrar compositores habilidosos nas congregações locais. A igreja local terá que revisar seus pontos de vista à luz desta falha e tomar medidas para remediá-la. Conforme a música de adoração começar a exercitar seus músculos bíblicos, iremos descobrir rapidamente que nossa alfabetização musical em geral é terrivelmente inadequada para a tarefa. [45] Vai demorar uma geração ou duas, milhares de horas de estudo de música e muitos dólares para remediar esta situação. A igreja deixou o trabalho de educação musical para a escola pública e ao capricho da aspiração de indivíduos, e a escola pública, compreensivelmente, não treina músicos de muito bons para a adoração [m].

Teremos que rever a forma como gastamos nosso tempo na adoração congregacional. A cada domingo, teremos que nos perguntar: “Será que o ministério da música hoje fez com que a palavra de Cristo habitasse em nós ricamente?” “Será que ensinamos e admoestamos uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais?” “Será que cantamos com gratidão em nossos corações a Deus pela obra consumada de Cristo na cruz?” Meu palpite é que iremos descobrir rapidamente que não cantamos juntos o suficiente para cumprir essas exigências bíblicas. Um dos cânones do movimento de crescimento da igreja é que os cultos que passam de uma hora não são sensíveis aos que estão procurando uma igreja e, portanto, devem ser evitados a todo custo. Existem 168 horas em uma semana. O que podemos dizer sobre o senhorio de Cristo, quando gastamos apenas uma delas na adoração congregacional?

Até agora, os pastores que estão lendo este ensaio devem estar se sentindo um pouco desolados. As propostas sugeridas estão atingindo proporções hercúleas. Alguns podem estar pensando: “Como a tia Madalena, que toca piano de forma voluntária (e não muito bem), vai se adequar a isto?” Outros podem pensar: “Puxa, os universitários eu já contratei para a banda de louvor não têm a menor noção sobre essas coisas.” Ainda outros podem pensar, “Eu vejo minha responsabilidade pastoral pela fiscalização dessa tarefa, mas já estou sobrecarregado de trabalho e não tenho o orçamento para contratar um músico de adoração de verdade, mesmo se eu pudesse encontrar um. Além disso, o pouco de educação musical que eu tive não me preparou para lidar com nenhum desses problemas.”

O peso da carga da música de adoração que descrevi não pode ser carregado por muitos pregadores. O músico de igreja bíblico tem o ministério da Palavra e oração assim como o pregador do púlpito, mas com meios musicais. Ele precisa de um treinamento semelhante ao do pregador. Ele precisa operar sob as mesmas normas de prestação de contas e análise doutrinária, assim como o pregador. Assim como o boi e o pregador, ele não deve ser amordaçado enquanto está debulhando o cereal. [n] Há uma noção romântica peculiar por aí afirma que os músicos fazem música porque amam a música, que são tão motivados que fariam música sob quaisquer circunstâncias. Sim, os músicos são estranhos, mas eles e suas famílias comem comida de verdade como todo mundo.

Para o pastor sobrecarregado eu digo duas coisas: Tenha uma visão de longo prazo, e tome coragem. Existem algumas medidas que o pastor pode tomar imediatamente.

Em primeiro lugar, retomar a autoridade eclesiástica sobre a música e sobre cada palavra cantada no culto comunitário e nos pequenos grupos. Quando for abordado por um projeto musical especial doutrinariamente inadequado (geralmente uma faixa de acompanhamento [play-back] de algum artista cristão comercial favorito), o pastor deve ser capaz de dizer, como fez Erik Routley, “Você não pode ter isso, porque não é bom para você.” [46] Lembre-se, música de adoração é uma questão de orientação pastoral.

Em segundo lugar, os pastores devem denunciar veementemente a noção amplamente difundida de que o entretenimento é bom, enquanto o tédio é ruim. Gene Edward Veith ressalta que a palavra “entediado” não entrou no vocabulário Inglês até o Iluminismo no século XVIII. [47] Além disso, Veith diz que o conceito bíblico correspondente ao tédio é preguiça. Em outras palavras, o tédio é primariamente um problema do ouvinte, não do pregador [o]. Até que este ponto seja estabelecido, muito ensino bíblico e admoestação permanecerão fora dos limites.

Em terceiro lugar, reconhecendo que as listas de leitura dos pastores já estão sobrecarregadas, vou restringir a minha recomendação de leitura a um pequeno livro, “Disciplinando o Ministério da Música”, de Calvin Johannson. [48] Um homem sábio certa vez disse, ” emprega tudo o que possuis na aquisição de entendimento.” (Provérbios 4:7). O modesto volume de Johannson catapulta o pastor à compreensão [deste tema].

Em quarto lugar, os pastores fariam bem ao registrar reclamações junto a seus seminários acerca do espaço minúsculo e às vezes inexistente que a música ocupa no currículo da formação em Mestre em Divindade. Se o canto congregacional é uma parte integrante do ministério da Palavra, então certamente os currículos dos seminários deveriam refletir esta condição com uma oferta substancial de cursos obrigatórios. Da forma como está, seminários evangélicos têm um histórico caótico com relação a este aspecto da formação ministerial, e pastores jovens geralmente descobrem sua inadequação nas primeiras semanas em suas igrejas.

Em quinto lugar, na vida congregacional faríamos bem em promover coros de crianças, tendo como objetivo principal o ensino de textos dos grandes hinos. Sim, os grandes textos dos hinos antigos é o que deveríamos estar ensinando, pois até algum tempo durante o século Dezoito, a esmagadora maioria dos textos dos cânticos cristãos foram escritos por ministros ordenados da Palavra. Estes textos refletem a profundidade da sua formação teológica. Desde aquela época, tem ocorrido um declínio acentuado na proporção de textos de cânticos produzidos por ministros da Palavra, em relação àqueles escritos por leigos auto-ordenados para a tarefa. A questão é tão extrema agora que qualquer um que saiba meia dúzia de acordes num violão e consiga produzir rimas como as de cartões da Hallmark [p] é considerado qualificado para exercer esse componente do ministério da Palavra, independentemente da formação e qualificação teológica. Para o bem-estar espiritual das nossas crianças, elas devem aprender os grandes hinos antigos pré-revivalistas. É incrível como muitas crianças gostam das canções do Sr. Rogers [q]. As crianças se aculturam àquilo que é colocado diante delas. Lembre-se que a música de adoração é uma questão de orientação pastoral.

Sexto, devemos desenvolver músicos de adoração dentro das quatro paredes da igreja sob os olhos teologicamente vigilantes dos pastores. Sou imediatamente forçado a emitir uma palavra de cautela aqui: É verdade que o violão pode servir a algum uso, de forma limitada, e devemos nos alegrar em termos violões quando este é o melhor que podemos fazer. Ainda assim, instrumentos de teclado apresentam uma versatilidade musical muito maior. Os violonistas são fisicamente limitados pela própria natureza do instrumento com relação ao número de tonalidades que podem utilizar. Com frequência esta limitação muitas vezes força a música para além do alcance no qual a congregação pode cantar melhor. Um capo [r] pode remediar esta situação um pouco, mas introduz novos problemas de afinação e enfraquece um timbre já fraco, de forma que o som do instrumento se aproxima do som de um cavaquinho de brinquedo. Instrumentos de teclado, por outro lado, podem acompanhar a melhor tonalidade para o cântico congregacional, sendo limitados apenas pela habilidade do instrumentista em ler a música ou em transpor. Não existe um obstáculo físico pressuposto.

Congregações deveriam investir seriamente na educação continuada de músicos. Deveríamos considerar pagar por aulas de piano, bem como instrução em teoria musical e contraponto. A teoria da música é para a música aquilo que a hermenêutica é para a teologia. O contraponto é para a música aquilo que a lógica é para a filosofia. Temos uma crise na música da igreja, porque essas disciplinas não fazem parte da vida e da respiração dos nossos músicos. Lembre-se que a música de adoração faz parte do ministério da Palavra. Ficaríamos chocados com um pregador que tem uma leitura a um nível de terceiro grau e não compreende a gramática. Nós prejudicamos o ministério da Palavra quando deixamos nossos músicos despreparados.

Se todas estas medidas fossem implementadas, eu não esperaria resultados instantâneos e sensacionais. Ainda assim, se nos preocupamos com filhos de nossos filhos, penso que precisamos tomar as medidas duras e disciplinadas a partir de agora. Precisamos orar seriamente, “Venha o teu reino, Seja feita vossa vontade assim na terra como no céu.” Melhor ainda, podemos considerar cantarmos esta oração. [49]

Autor: Leonard R. Payton


Notas Bibliográficas

[44] – God in the Wasteland (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), 29.

[45] – Alfabetização musical completa inclui a capacidade de compor músicas a partir do zero, executar esta música, ou reger outros músicos, e de compreender teológica e historicamente o lugar desta música.

[46] – Como citado no Calvin M. Johansson, Discipling Music Ministry (Peabody: Hendrickson, 1992), 168.

[47] – Tabletalk, Novembro, 1995, 8.

[48] – Op. Cit.

[49] – Há muitos arranjos. Os dois que considero especialmente bons para o canto congregacional são “Holy Father, Hear Our Prayer”, de John Fisher (FEL Publications, 1969) e “Our Father Who in Heaven Art”, de Martinho Lutero.


Autor

O Dr. Leonard Payton serviu como músico-chefe da Igreja Presbiteriana do Redentor em Austin, Texas, desde janeiro de 1996. Recebeu seu mestrado e doutorado da Universidade da Califórnia, San Diego, e fez estudos avançados na Alemanha. Contribuiu para o livro A Crise Evangélica Vindoura (Moody, 1996), e é um colaborador freqüente com opiniões e artigos para o periódico Reformation & Revival Jornal.

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Dezembro de 2012


Notas do Tradutor

[l] – Nesta área, os Adventistas do Sétimo Dia contam com os preciosos escritos de Ellen G. White.

[m] – Acreditamos que a situação no Brasil é ainda mais triste, uma vez que atualmente a escola pública não fornece, via de regra, qualquer treinamento musical, nem mesmo o mais básico.

[n] – Ver Deuteronômio 25:4I Coríntios 9:9-10I Timóteo 5:17-18.

[o] – Veja o artigo “Tédio Tem Mais a Ver Com Você do Que Com a Situação”, em https://musicaeadoracao.com.br/50165/tedio-tem-mais-a-ver-com-voce-do-que-com-a-situacao/

[p] – Hallmark é uma marca famosa de cartões de felicitações prontos, comprados em papelarias, os quais normalmente possuem rimas óbvias e piegas.

[q] – Fred McFeely Rogers (1928-2003), mais conhecido por Fred Rogers ou por Mr. Rogers, foi um pedagogo e artista norte-americano, que se notabilizou como autor de letras para canções educativas e apresentador de programas televisivos infanto-juvenis. Ao longo de mais de trinta anos de uma carreira voltada especialmente ao público infantil, tornou-se um ícone cultural americano. Para mais informações, veja http://en.wikipedia.org/wiki/Fred_Rogers

[r] – Também conhecido como capotraste, traste, trastejador, braçadeira ou pestana fixa, é um dispositivo usado para prender as cordas de um instrumento em um ponto fixo, virtualmente “encurtando” seu comprimento, tornando seu som mais agudo. É utilizado como um auxiliar para a transposição em instrumentos de corda como o violão, bandolim, guitarra ou banjo.


Fonte: http://www.the-highway.com/articleJuly98.html

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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