Existe diferença entre sexo e gênero na Bíblia?

Isaac Malheiros, doutor em Teologia pela EST/RS

Há uma crescente tendência contemporânea de rejeitar o binário bíblico de gênero (homem e mulher). Inclusive entre os crentes.

É comum fazer a distinção entre “sexo” (que seriam as características biológicas, especialmente as relacionadas à procriação) e “gênero” (que seriam os padrões culturalmente impostos a essas diferenças biológicas).

Porém, antes de assumir tal discurso, um cristão bíblico deveria tratar esse assunto da mesma forma com que a Bíblia trata. A Bíblia associa inseparavelmente o gênero ao sexo biológico e não faz distinção entre os dois.

O vocabulário sexual da Bíblia, segundo Richard Davidson  em seu livro “Flame of Yahweh”, (Baker Academic, 2007), trata assim a questão do gênero:

O Antigo Testamento usa principalmente dois pares de palavras: “zakar”/”neqeba”, (macho/fêmea), e “ish”/”ishah” (homem/mulher). Quando avaliadas em conjunto, essas palavras deixam claro que a visão bíblica de gênero é binária:

“E criou Deus o ser humano [‘adam] à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho [zakar] e fêmea [neqebah] os criou” (Gn 1:27, tradução nossa).

“Por isso, deixa o homem [ish] pai e mãe e se une à sua mulher [ishah], tornando-se os dois uma só carne” (Gn 2:24).

O substantivo masculino “zakar” significa “macho”, e sua etimologia vem de “ser afiado, pontudo”, uma óbvia referência ao órgão sexual masculino.
O substantivo feminino “neqeba”, significa “fêmea”, e vem da raiz “furar, fazer um buraco”; uma referência ao órgão sexual feminino. Esse par de palavras é usado para seres humanos e animais.

O substantivo masculino “ish” geralmente significa “homem” ou “marido”. O substantivo feminino “ishah” geralmente significa “mulher” ou “esposa”. A etimologia desse par de palavras é incerta, e seu uso é limitado principalmente aos humanos. Em alguns textos, “ish” é usado como um tipo de masculinidade (Jz 8:21; 1Rs 2:2) que um macho deveria apresentar.

Um macho (zakar) é alguém que tem pênis (pode ser circuncidado): “Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho [zakar] entre vós será circuncidado” (Gn 17:10 ARA; cf. v. 11).

“Macho” (zakar) também é o oposto de “mulher” (ishah): “Com macho [zakar] não te deitarás, como se fosse mulher [ishah]: abominação é” (Lv 18:22, tradução nossa).
“Se também um homem [ish] se deitar com um macho [zakar], como se fosse mulher [ishah], ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles” (Lv 20:13, tradução nossa). Ou seja, “macho” não é nem “fêmea” e nem “mulher” (cf. o princípio que fundamenta a lei de Dt 22:5).

No Novo Testamento, Jesus mantém o mesmo padrão do Gênesis, usando dois grupos de palavras gregas:

“Não tendes lido que, no princípio, o Criador os fez macho [arsen] e fêmea [thelus], e disse: Portanto, deixará o homem [anthropos] pai e mãe e se unirá à sua mulher [gyné], e serão dois numa só carne?” (Mt 19:5, ARC). As palavras de Jesus igualam “macho=homem” e “fêmea=mulher”. Assim, Jesus deixou claro que homem é macho, e mulher é fêmea: “arsen”/”anthropos” e “thelus”/”gyné”.

Biblicamente, o ser humano é uma entidade indivisível, e a identidade sexual não pode ser independente do corpo da pessoa, a identidade de gênero é vinculada ao sexo biológico.

Mas como ficamos diante da avalanche de pesquisas, vídeos e textos afirmando o contrário? A opção, nada atrativa para um cristão bíblico, é tratar o Gênesis como mito, desconstruir os textos bíblicos e seus conceitos, limitando-os a seu tempo e cultura, e restringindo-os a seus contextos sociopolíticos.

Você precisa fechar a Bíblia para negar a correlação entre macho/fêmea e homem/mulher, e continuar afirmando que “macho/fêmea” são categorias biológicas e “homem/mulher” são categorias culturais. Você precisa fazer coro aos críticos da Bíblia e dizer que a linguagem binária, heterossexual e monogâmica de Gênesis 1 e 2 é apenas “uma expressão da cultura patriarcal”. Você precisa negar a aplicação histórica que Jesus e Paulo fazem do relato de Adão e Eva.

Em suma, você precisa decidir quem manda.

(Claro que, como um dos efeitos do pecado sobre os seres humanos, reconhecemos que pode ocorrer um desalinhamento nos níveis físico-mental-emocional, e que a chamada disforia de gênero não pode ser considerada intrinsecamente um ato pecaminoso [ver a Declaração da IASD sobre Transgêneros]. Como cristãos devem lidar com esses fenômenos? É outra discussão, mas certamente a resposta não está em negar a Bíblia).

 

Fonte: Reação Adventista


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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