A questão dos alimentos limpos e imundos

Gênesis 9:1-3: “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a Terra. Terão medo e pavor de vós todo animal da Terra, toda ave do céu, tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar; nas vossas mãos são entregues. Tudo quanto se move e vive vos servirá de mantimento, bem como a erva verde; tudo vos tenho dado”.

A dificuldade que nos foi apresentada nas palavras divinas da passagem acima é facilmente superada quando se toma a Bíblia globalmente. O grande problema de algumas interpretações falsas é sempre a segmentação indevida da Palavra de Deus, tomando-se versos, cláusulas ou até palavras isoladas para ajustarem-se a pressupostos e preconceitos, torcendo-se o sentido integral o pensamento do autor sagrado.

Por exemplo, o texto diz que todo animal da Terra teria “medo e pavor” do homem. Contudo, será que isso deve ser entendido em termos absolutos? O que dizer de ursos, onças, leões, hipopótamos, crocodilos, tubarões, dos quais os homens é que fogem, e com bons motivos? Certamente é um risco de vida enfrentar tais animais em seu estado natural.

Noé e sua família receberam uma bênção semelhante à pronunciada sobre Adão e Eva após sua criação (cap. 1:28). Assim como Adão havia sido o progenitor de todos os membros da raça humana, Noé chegava a ser o progenitor de todos os seres humanos depois do dilúvio. Em ambos os casos a bênção consistiu numa ordem divina de frutificar e encher a Terra.

No entanto, faltava uma parte da bênção prévia, a saber, a ordem de subjugar a Terra. Sem dúvida esta omissão reflete o fato de que o domínio do mundo atribuído ao homem durante a criação se tinha perdido pelo pecado. O pecado tinha alterado a relação que originalmente existiu entre o homem e os animais, e estes, pelo menos até certo limite, ficavam fora do controle do homem.

Já que o pecado, com suas conseqüências, tinha debilitado o vínculo de sujeição de parte dos animais à vontade do homem, de ali em adiante tão só pela força ele poderia reger sobre eles, mediante esse “medo” que Deus agora inculcou na criação animal. A natureza tinha ficado separada do homem.

O medo que todos os animais terrestres, voláteis e aquáticos tinham de ter não excluiria sua rebelião ocasional contra o domínio do homem sobre eles. Às vezes se levantariam e destruiriam ao homem. Em realidade, Deus os usou em alguns casos para administrar justiça divina (ver Êxo. 8: 6, 17, 24; 2 Reis 2: 24). No entanto, a condição normal das criaturas inferiores seria de instintivo temor para com o homem, o que faria com que se refugiassem, em lugar de procurar a sua companhia. É um fato que os animais se retiram sempre que avança a civilização humana. Mesmo as feras, a menos que sejam provocadas, geralmente se refugiam do homem antes que o atacar.

Este pronunciamento divino encontrou seu cumprimento na domesticação de certos animais de cuja ajuda precisa o homem, domando ainda animais selvagens mediante o poder superior da vontade humana e na bem sucedida redução dos seres daninhos à impotência mediante criatividade e talento.

Ser-vos-á para manutenção. Não significava que o homem por primeira vez tivesse começado a comer carne de animais, mas tão somente que Deus por primeira vez o autorizava, ou melhor lhe permitia fazer o que o dilúvio tinha convertido numa necessidade. Os ímpios antediluvianos poderiam ser carnívoros mas não foi a vontade original do Criador que suas criaturas se comessem entre si. Deus tinha dado ao homem plantas para comer (cap. 1: 29). Com a destruição de toda vida vegetal durante o dilúvio e com o esgotamento das reservas de alimentos que foram levados à arca, surgiu uma emergência a que Deus fez frente dando permissão para comer a carne de animais.

Esta permissão não implicava um consumo sem restrições e sem limites de toda classe de animais. A frase “tudo o que se move sobre a terra” exclui claramente o comer cadáveres de animais que tinham morrido ou tinham sido mortos por outras feras, o que mais tarde proibiu especificamente a lei mosaica (Êxo. 22: 31; Lev. 22: 8). Ainda que aqui não se apresente a distinção entre animais limpos e imundos com respeito aos alimentos, isso não significa que a regra era desconhecida por Noé. Que Noé conhecia essa distinção resulta claro pela ordem prévia de levar mais animais limpos que imundos na arca (Gén. 7: 2), e porque Noé ofereceu tão-só animais limpos como holocausto (cap. 8: 20).

A distinção deve ter sido tão perfeitamente conhecida pelos primeiros homens que foi desnecessário que Deus chamasse especialmente a atenção de Noé a ela. Tão-só quando esta distinção se tinha perdido através dos séculos de afastamento do homem de Deus, promulgaram-se novas instruções escritas acerca de animais limpos e imundos (Lev. 11; Deut. 14). A imutabilidade do caráter de Deus (Tia. 1: 17) exclui a possibilidade de se interpretar esta passagem como uma permissão para sacrificar e comer qualquer animal. Os que eram imundos para um propósito não podiam ser limpos em outro.

Ervas. Isto envolve a novidade da permissão de comer carne, além de verduras e frutas que originalmente tinham sido destinadas como alimento para o homem. Não só foi pela ausência temporal de vida vegetal, como resultado do dilúvio, Deus permitindo que o homem complementasse seu regime vegetariano com carne, senão também possivelmente porque o dilúvio tinha mudado tão completamente a forma externa da Terra e tinha diminuído sua fertilidade ao ponto de que em algumas regiões, tais como as do extremo norte, não produziriam suficiente alimento vegetal para sustentar a raça humana.

Carne com sua vida. A proibição se aplica a comer carne com sangue, já fora de animais vivos como tinha sido o bárbaro costume de algumas tribos pagãs do passado, ou de animais sacrificados que não tivessem sido bem sangrados. Entre outras coisas, esta proibição era uma salvaguarda contra a crueldade e um recordativo do sacrifício de animais, nos quais o sangue, como portador da vida, era considerado sagrado.

Deus previu que o homem, ao cair como fácil vítima das crenças supersticiosas, pensaria que participando do líquido vital, sua própria vitalidade seria revigorada ou prolongada. Por estas razões, e provavelmente por outras que agora não parecem claras [como o fato de o sangue venoso ser carregado de toxinas maléficas], foi irrevogavelmente proibido comer carne com sangue. Os apóstolos consideraram que esta proibição ainda estava em vigência na era cristã. Chamaram a atenção disto especialmente aos crentes cristãos de origem gentílica, porque esses novos crentes, antes de sua conversão, tinham estado acostumados a comer carne com sangue (Atos 15: 20, 29). [Adaptado do SDA Bible Comentary, em espanhol].

Muito bem, resolvida esta “dificuldade”, que tal os nossos amigos objetores resolverem as 10 questões abaixo?

1 – Por que Deus separou os animais em limpos e imundos já no episódio do dilúvio (Gên. 7:2)? Teria Ele simplesmente “cismado” com certa classe de animais e instituído tais regras sem qualquer razão lógica e prática?

2 – Se a divisão referida visava só a sacrifícios, por que Deus mandou para a arca 3,5 vezes mais animais limpos do que imundos, quando nada indica que o número de sacrifícios fosse assim tão grande e freqüente?

4 – Por que Deus só aceitava animais limpos para sacrifícios? [Uma dica: Ver 1 Cor. 9:13].

5 – Sendo um princípio divino de que devemos glorificar a Deus com o que comemos e bebemos (1 Cor. 10:31), como carnes imundas que seriam excluídas dos sacrifícios (já que certamente não serviriam a tal propósito) desde então poderiam servir para a glorificação de Deus?

6 – Por que também a restrição quanto ao consumo de sangue foi instituída quando Deus autorizou o consumo de carnes (Gên. 9:4, 5)? Não devia prevalecer plena liberdade para o homem comer o que quisesse?

7 – Como prova que a ordem para Noé comer “tudo quanto se move” incluía os animais imundos, sendo que Noé já havia sido notificado da divisão entre animais limpos e imundos (Gên. 7:2, 3), e até o modo como o verso está redigido deixa a clara impressão que tal divisão já era do seu conhecimento, não uma “novidade”?

8 – Como prova que a ordem para Noé comer “tudo quanto se move” incluía os animais imundos, sendo que mais tarde o mesmo autor do Gênesis, Moisés, explica em Êxo. 22:31 o sentido de tal ordem como não se devendo comer “carne que por feras tenha sido despedaçada no campo”, ou seja, deviam comer só animais vivos, não os encontrados mortos?

9 – Qual era a vantagem para a humanidade em Deus deixar os homens se alimentarem livremente de toda espécie de animal, como ratos, urubus, macacos, cobras e lagartos, sendo que hoje se sabe que o consumo de alguns deles, como no caso de africanos, acarretam doenças terríveis, como AIDS e febre ebola, e a praga bubônica que levou à morte milhões de pessoas na Europa durante a Idade Média, procedeu de ratos?

10 – Embora a ordem divina para Noé alimentar-se de animais se contraste com a ordem anterior para o homem se alimentar de ervas, onde é dito que ao Deus falar em “toda erva” sendo permitida para consumo do homem (Gên. 9:3) ficam excluídas as que são venenosas para o ser humano?

Autor: Prof. Azenilto G. Brito
Ministério Sola Scriptura
Bessemer, Ala., EUA


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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