A ira de Deus

 

A imposição oficial e o caráter coercitivo da marca da besta – um sinal da pretensa autoridade do anticristo “legitimada” pelo poder civil – refletem um espírito bem diferente do caráter do manso e humilde Nazareno.

O cristianismo bíblico é uma religião de liberdade, de livre escolha, que visa reformar indivíduos, não sociedades inteiras. Naturalmente, uma quantidade significativa de indivíduos atraídos e transformados pelo poder do evangelho pode impactar positivamente uma comunidade, mas a igreja jamais recebeu de Deus a incumbência de converter um povo por meio de uma reforma no nível social.

A intolerância religiosa no tempo do fim é produto de uma mentalidade medieval que busca no poder secular a força para a realização de suas pretensões sem levar em conta o foro íntimo de cada um. O fenômeno escatológico que o Apocalipse chama de “imagem da besta” (13:14-15; 14:9) consiste justamente nisto – a reprodução dessas condições na América livre e, posteriormente, no mundo -, e manifesta, como consequência, intolerância e opressão contra aqueles que se recusam a submeter-se às suas reivindicações. A Escritura afirma:

Seduz os que habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi dado executar diante da besta, dizendo aos que habitam sobre a terra que façam uma imagem à besta, àquela que, ferida à espada, sobreviveu; e lhe foi dado comunicar fôlego à imagem da besta, para que não só a imagem falasse, como ainda fizesse morrer quantos não adorassem a imagem da besta. (Apocalipse 13:14-15)
A imagem “fala” mediante suas leis e decretos de natureza religiosa (lembre-se que adoração é o foco aqui). A ação seguinte é a imposição por meio da força, visto que seus idealizadores e promotores pretendem legislar em matéria de consciência, o que evidentemente ameaça a liberdade íntima do indivíduo. Os que se aliam à imagem da besta e impõe sua marca revelam os traços próprios de quem se rebelou contra a lei de Deus: ausência de misericórdia e justiça.

Como observa Hans K. LaRondelle, o desenvolvimento das duas bestas de Apocalipse 13 significa que a ameaça do engano se incrementará dramaticamente, não somente para os que não são cristãos, mas de maneira especial para os crentes cristãos e para as igrejas cristãs em todas as partes do mundo. Deus certamente não ficará indiferente diante do pecado, da rebelião e da coerção física que distinguem os que se opõem ao Seu governo.

A resposta de Deus à impiedade

A mensagem do terceiro anjo (Apocalipse 14:9-12) constitui a resposta de Deus às ameaças da besta e sua imagem, as quais pretendem impor oficialmente a marca distintiva do culto de adoração tributado à besta. Note a seguinte comparação:

Poder-se-ia pensar que Deus está sendo severo demais ao pronunciar essa sentença contra os adoradores da besta e da sua imagem. Na verdade, Deus é justo ao lidar com a ameaça que esses poderes anticristãos representam. Tanto do ponto de vista das prerrogativas divinas, as quais o anticristo pretende exercer, como da imposição oficial e consequente ação coercitiva provenientes de sua política, Deus profere uma sentença justa e adequada contra a rebelião e opressão, em harmonia com o Seu santo caráter.

O anticristo imagina ser capaz de proteger todos os que receberem sua marca, ou seja, todos os que reconhecerem sua autoridade em matéria religiosa. Estes poderão comprar ou vender livremente, o que significa que seus direitos de cidadania serão preservados e protegidos. Por outro lado, Deus afirma expressamente que os beneficiários da marca da besta não estarão protegidos da ira de Deus e não encontrarão “descanso algum, nem de dia nem de noite”. Segurança social não poderá garantir aos adoradores da besta e da sua imagem proteção física contra os juízos retributivos de Deus.

Na mensagem do segundo anjo (Apocalipse 14:8), Babilônia mística é descrita como um poder “que tem dado a beber a todas as nações” de seu vinho intoxicante, produto de suas relações com o poder secular. A expressão indica o emprego da força como meio de impor suas crenças. Assim como Babilônia obrigou as nações a beber de seu vinho espúrio, Deus agora a obriga a beber de Seu próprio vinho, o qual não é diluído com misericórdia. A figura do cálice como símbolo da ira de Deus é um conceito extraído do Antigo Testamento. A retribuição punitiva era representada como um “cálice de vinho” nas mãos do Senhor (Salmo 60:3; 75:8; Isaías 51:17, 22; Jeremias 25:15-17; 49:12; Ezequiel 23:31-34).

Note que o “cálice” da ira de Deus por causa da existência do pecado no mundo foi tomado por Jesus Cristo na agonia do Getsêmani. Porque o Filho de Deus bebeu deste cálice, todos os que O aceitam como Salvador e Senhor não têm que bebê-lo. Essa é a própria essência do evangelho! Os que consentirem em beber do cálice de Babilônia se recusaram antes a beber do cálice da comunhão de Cristo, o qual contém todas as verdades do plano da salvação. Aliando-se à Babilônia mística, cujos pecados “se acumularam até ao céu” (Apocalipse 18:5), eles rejeitam essas verdades essenciais. Infelizmente, ao beberem do vinho de Babilônia, os adoradores da besta beberão também do vinho da ira ou da justiça de Deus em sua forma mais pura.

Significado do “tormento”

O fato de que os adoradores da besta beberão a ira de Deus “sem mistura” de misericórdia nos remete imediatamente às sete últimas pragas de Apocalipse 16, um capítulo que mantém íntima ligação com a terceira mensagem angélica. A descrição dos efeitos aniquiladores dos juízos retributivos de Deus sobre os ímpios deve inspirar um sentimento de temor respeitoso diante do quadro que se apresenta aqui:

[…] e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome. (Apocalipse 14:10-11)
Roy A. Anderson observa que a palavra grega para “atormentar”, basanismos, quando adequadamente traduzida significa examinar pelo uso de basanos, uma espécie de pedra originária da Lídia e que era aplicada a metais, e que se supunha denunciar qualquer mistura que houvesse no metal. Em Mateus 14:24, a palavra basanidzomenon, do verbo basanidzo, que vem da palavra acima, basanos, é traduzida por açoitar, onde descreve o navio açoitado ou “fustigado”, ou ainda “testado” pelas ondas. Em Apocalipse 14:11 a palavra “tormento” na realidade significa “testar” ou “provar mediante teste”. (1)

A propósito deste “teste”, Anderson faz um comentário elucidativo:

Um importante pensamento, algumas vezes passado por alto por certos interpretadores, é o fato de que este teste ocorre, não em algum indeterminado lugar de tortura, de algum purgatório, mas “diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro”. Verso 10. Paulo diz: “O fogo prova qual seja a obra de cada um.” I Cor. 3:13. E todos, igualmente, justos e ímpios, passarão pelo mesmo teste, e diante de todos os mundos não caídos será revelado quem realmente é povo de Deus e quem não o é. Isaías pergunta: “Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas?” Isa. 33:14. Então é revelado o fato de que alguns resistirão ao teste, mas estes serão somente os que forem justos e retos diante de Deus. Verso 15.” (2)
Portanto, é durante os juízos retributivos de Deus que se distinguem definitivamente os justos e os ímpios. Nesta ocasião serão preservados da ira de Deus apenas os que receberem em sua fronte o sinal de aprovação e proteção divinas. Cumprir-se-ão, então, as palavras inspiradas do salmista: “Nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda” (Salmo 91:10).

A fumaça que “sobe pelos séculos dos séculos”

Os termos que João usa na mais solene advertência da Bíblia refletem, mais uma vez, verdades típicas do Antigo Testamento. A expressão “fogo e enxofre” provêm de textos como Gênesis 19:24, Deuteronômio 29:23 e Salmo 11:6. Em todas essas passagens a ideia expressa é de extinção, aniquilação, e não de um tormento eterno no fogo. Mas é em Isaías 34:9 e 10 que encontramos o texto chave mais representativo no qual provavelmente se inspirou João para descrever a mensagem do terceiro anjo:

Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó, em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a sua fumaça; de geração em geração será assolada, e para todo o sempre ninguém passará por ela.
Naturalmente, os ribeiros de Edom não estão ardendo ainda hoje. Da mesma forma, o fogo que destruiu Sodoma e Gomorra há tanto tempo não permanece aceso em nossos dias. Essas passagens se referem às consequências eternas do juízo divino, como na expressão: “subirá para sempre a sua fumaça”, uma lembrança de que os juízos de Deus são definitivos em seus efeitos. É o resultado que se declara ser eterno, e não os que são lançados no fogo. Estes são efetivamente aniquilados (ver Malaquias 4:1 e 3). A eternidade do fogo em si não é absoluta, pois está associada à destruição dos ímpios; enquanto existir material inflamável, o fogo continuará sua obra de extinção até que não haja mais vestígios de pecado e pecadores. (3)

“Não têm descanso algum”

A expressão usada por João em Apocalipse 14:11 é extraída de uma sentença proferida por Deus contra um Israel apóstata: “Por isso, jurei na minha ira: não entrarão no meu descanso” (Salmo 95:11). O sentido original do texto se refere ao repouso de Israel na terra prometida, porém o Novo Testamento aplica ao repouso da graça de Deus prometido a todo o crente fiel a Cristo (Hebreus 3:7-11; 4:3-7).

Conforme lembra LaRondelle, este repouso divino esteve disponível desde que Deus descansou no sétimo dia da semana da criação (Gênesis 2:2-3), e “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas” (Hebreus 4:9-10).

O castigo final antecipado na terceira mensagem angélica consistirá na recusa de Deus em dar repouso aos adoradores da besta. Em contraste, “os mortos que, desde agora, morrem no Senhor” descansam de suas fadigas (Apocalipse 14:13). Sua inabalável fidelidade a Cristo, “mesmo em face da morte” (12:11), será recompensada por ocasião da vinda de nosso Senhor (I Tessalonicenses 4:16-17)!

A perseverança dos santos

A imagem da besta a que se refere João no Apocalipse encontra sua prefiguração na imagem de ouro que Nabucodonosor mandou erguer na planície de Dura em homenagem a si mesmo e aos seus deuses. Ao decreto real ordenando a adoração compulsória da imponente imagem seguiu-se a prisão e a condenação sumária à morte dos que se recusaram tributar lealdade ao rei (Daniel 3). Assim como os três jovens hebreus foram provados e finalmente protegidos por Deus em uma situação que certamente exigiu fé e fidelidade a toda prova, o último remanescente será provado de modo semelhante e, enfim, protegido por sua fidelidade e perseverança em Cristo.

A advertência de Deus na mensagem do terceiro anjo põe em relevo a profunda distinção entre os ensinamentos e mandamentos de Deus e os ensinamentos e mandamentos dos homens. Esse contraste fundamental não suporta uma terceira via. Só resta à humanidade escolher entre adorar a Deus, aceitando Seu evangelho eterno, ou adorar a besta e sua imagem, aceitando suas falsas reivindicações. Trata-se de um conflito de proporções cósmicas e consequências eternas que não pode ser ignorado.

Como monumento comemorativo da criação e sinal de redenção, o sábado do sétimo dia constitui a pedra de toque da lealdade. Por meio da tríplice mensagem angélica, Deus apela à consciência de cada pessoa para que considere a vontade Deus como único e melhor caminho. O sábado não pode ser anulado ou mudado pela vontade humana, pois reflete o concerto de Deus com o mundo na qualidade de Criador e Redentor. Essas duas dimensões do caráter de Deus não podem ser separadas. O mesmo Deus que criou todas as coisas é também o Redentor que restaurará tudo o que foi perdido pela presença do pecado. A fidelidade de Deus é indiscutível, mas Ele apela a cada um de nós para que respondamos com a mesma fidelidade pela fé em seu Filho, Jesus Cristo.

“No tempo do fim”, escreve LaRondelle, “o céu suplica mais uma vez a seu povo extraviado para que faça frente ao desafio de usurpação e substituição [por parte do anticristo] com a chamada pela restauração e a restituição. Requer o reavivamento dos mandamentos de Deus e do evangelho de Jesus Cristo (Apocalipse 14:12). Esta [a tríplice mensagem angélica de Apocalipse 14] é a chamada final para um retorno à verdade e autoridade da Bíblia. A Escritura deve ter a última palavra para determinar a vontade de Deus. Toda certeza da verdade religiosa depende de se aceitarem as Escrituras como a revelação autorizada da vontade de Deus. ‘Elas são a norma do caráter, o revelador de doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa’.” (4)

Notas e referências

1. Roy A. Anderson. Revelações do Apocalipse. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, segunda edição, 1988, p. 181.

2. Ibid.

3. Para uma explicação detalhada sobre a verdadeira natureza do fogo eterno e o destino dos ímpios, ver: Questões sobre Doutrina. Edição Anotada (Tatuí, SP: CPB, 2008), capítulo 42, “O Castigo dos Ímpios”, p. 364 a 369; Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: CPB, 2011), artigo “Morte: Origem, Natureza e Erradicação”, 1. Tempo, Duração e Resultado do Juízo Divino, p. 374 e 375; Samuele Bacchiocchi, Crenças Populares: O que as pessoas acreditam e o que a Bíblia realmente diz (Tatuí, SP: CPB, 2012), capítulo 4: “Inferno como tormento sem fim”, p. 140 a 182.

4. Hans K. LaRondelle. As Profecias do Tempo do Fim. Título do original em inglês (5ª edição inglesa, 1997): How to Understand the End-Time Prophecies of the Bible. Tradução: Carlos Biagini, p. 289.

 

 

Fonte: Três Mensagens

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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