No primeiro texto a respeito desse tema, escrevi algumas orientações para adventistas que creem no dom profético dado a Ellen White. As orientações foram no sentido de expor como utilizar e aplicar os escritos dela de modo coerente com a Bíblia Sagrada, o protestantismo, a Sola Scriptura, o adventismo e as próprias orientações dela.
Nesse segundo texto, o intuito é orientar adventistas, ex-adventistas e não adventistas que descrêem do (ou possuem “um pé atrás” em relação ao) dom profético dado a Ellen White a entender melhor o que a Bíblia ensina sobre aceitação e análise de profetas extracanônicos. Há muitos cristãos que não entendem como o princípio da Sola Scriptura pode se coadunar com a crença na continuidade dos dons espirituais. E mesmo dentre aqueles que creem na continuidade dos dons, muitos acreditam que as doutrinas distintivas da IASD se baseiam em visões de Ellen White, não na Bíblia, o que seria herético.
O artigo, portanto, se ocupará em mostrar quatro pontos básicos: (1) que a continuidade do dom de profecia é um princípio bíblico; (2) que essa continuidade, quando bem entendida, se coaduna perfeitamente com a noção de Sola Scriptura; (3) que as doutrinas adventistas se baseiam apenas na Bíblia; e (4) que as visões de Ellen White não formam novas doutrinas, nem alteram as já ensinadas pela Bíblia. Como efeito, o artigo também explicará para quê servem os escritos de Ellen White.
Como já afirmei no artigo anterior, o objetivo geral dos dois textos é gerar um melhor entendimento entre adventistas e os demais protestantes. E isso só pode ocorrer através de uma compreensão correta da teologia adventista, da Sola Scriptura e da visão bíblica a respeito da continuidade dos dons. Não é possível fazer julgamentos corretos quando as compreensões dos conceitos são equivocadas. E sem julgamentos corretos, o entendimento mútuo se torna muito difícil.
Como tendo sido cristão protestante desde a infância até os dezoito anos e sendo adventista há oito anos, sei bem como pensam os dois lados e quais são as visões equivocadas que cada grupo tem um do outro. Além disso, tenho estudado a doutrina adventista e feito comparações entre as doutrinas protestantes há muitos anos. Assim, estou em boa posição para fazer essa ponte.
Pontapé inicial: o que a Bíblia diz?
Quero começar esse artigo com uma pergunta: o que a Bíblia diz sobre a continuidade dos dons espirituais? Começo com essa questão porque muitos cristãos acham que o simples fato de crer no dom profético dado a Ellen White já é em si uma heresia. Mas a Bíblia diz outra coisa. Em I Tessalonicense 5:19-22, Paulo dá uma série de conselhos que parecem estar relacionados entre si: “Não apagueis o Espírito. Não desprezeis as profecias; julgai todas as coisas, retende o que é bom; abstende-vos de toda forma de mal”. Aparentemente, uma das formas de apagar o Espírito de Deus é desprezar profecias. Assim, o conselho de Paulo é não desprezar, mas julgar tudo o que nos dizem e reter o que é bom, postura que nos conduz a abstenção de todo o tipo de mal.
O conselho de Paulo não é novo. Em II Crônicas 20, quando o rei Josafá precisava saber se deveria enfrentar os moabitas e os amonitas, ele ora e Yahweh responde por meio de um homem chamado Jaziel (vs. 14-17). A resposta de Josafá ao povo expectante, no dia seguinte, é: “Ouvi-me, ó Judá e vós, moradores de Jerusalém! Crede no Senhor, vosso Deus, e estareis seguros; crede nos seus profetas e prosperareis”. Centenas de anos antes, Salomão já havia dito: “Não havendo profecia, o povo se corrompe; mas o que guarda a lei, esse é feliz” (Pv 29:18). Paulo não parecia descrer disso. Em I Coríntios 12, o apóstolo fala sobre os dons espirituais dados por Deus, listando entre eles o de profecia (vs. 10, 28-29). E em I Coríntios 14:1-6 afirma que o dom que mais deveria ser procurado era o de profecia.
Ora, a crença paulina era coerente com a fé judaica nos profetas. E o profeta Joel já havia dito, séculos antes, que nos últimos dias o Espírito Santo de Deus seria derramado em grande medida sobre os servos de Yahweh (Jl 2:28-29). Pedro indicará que essa promessa começa a se cumprir já entre os discípulos, na festa do Pentecostes, algumas semanas após a ascensão de Jesus Cristo ao céu (At 2:16:21).
O que fica claro nessas passagens é que os autores bíblicos não viam o dom de profecia como tendo a única função de produzir escritos inspirados que se tornariam uma Bíblia Sagrada. A própria Bíblia, aliás, cita uma série de profetas extracanônicos, isto é, que não escreveram nenhum livro da Escritura. Podemos mencionar: Hulda (II Cr 34:21-28; II Rs 22:13-20); Débora (Jz 4:4-9); Natã (II Sm 7:1-17); Aías (I Rs 11:29-40 e 12:15); Semaías (II Cr 11:1-4 e 12:5-8); Ido (II Cr 13:22); Jeú (II Cr 19:1-3); Elias (I Rs 17:1); Eliseu (II Rs 9:1); João Batista (Lc 7:24-30; Mt 11:7-14 e 17:9-13; Mc 11:32); Ana (Lc 2:36-38); Ágabo (At 11:27-30 e 21:10); e as quatro filhas de Filipe (At 21:8-9). Todos esses homens e mulheres foram chamados de profetas pela Bíblia. Eles possuíam o dom da profecia e alguns deles até escreveram cartas e livros, como é o caso de Elias (II Cr 21:12); Natã (II Cr 9:29); Aías (II Cr 9:29); Ido (II Cr 9:29; 12:15; 13:22); Semaías (II Cr 12:15); e Jeú (II Cr 20:34). Mas nenhum desses tiveram seus escritos incluídos nas Escrituras Sagradas.
Essas são as informações bíblicas. O que podemos concluir daí? Em primeiro lugar, que Bíblia e profetas extracanônicos possuem funções diferentes. O Espírito que inspira é, evidentemente, o mesmo. A inspiração tem a mesma qualidade e grau. Mas enquanto a Bíblia Sagrada serve como única regra de fé e prática doutrinárias, bem como padrão de julgamento de todas as coisas, os profetas extracanônicos servem para questões mais específicas e contextuais. Profetas extracanônicos, aliás, não produzem escritos com novas doutrinas, nem com alterações nas doutrinas já existentes. Suas informações adicionais não alteram em nada a fé e a prática já instituída pela Bíblia.
Em segundo lugar, que o dom de profecia é importante para edificar a Igreja, assim como outros dons. E, uma vez que Deus é o mesmo desde sempre, não faz sentido crer que Ele não possa usar profetas nos dias atuais. Como nenhuma passagem bíblica afirma que o dom de profecia (ou qualquer outro) foi exclusivo para os contextos de criação da Bíblia, nada nos obriga a crer que os dons do Espírito cessaram. Eles podem, talvez, ter se reduzido ao longo dos séculos por questões contextuais. Mas isso não implica que cessaram, nem que Deus não pode hoje tornar a dá-los em grande escala.
Os cristãos que são cessacionistas (creem que os dons cessaram) costumam a dizer que se temos a Bíblia, não precisamos de profetas extracanônicos. Mas se formos usar esse raciocínio com coerência, deveremos concluir que livros sobre a Bíblia Sagrada são desnecessários. Até pastores, sobre esse prisma, se tornam inúteis. Afinal, temos a Bíblia. Para quê outros livros? Para quê pregadores da Bíblia? Como fica claro, o raciocínio é absurdo, pois ignora a função de cada coisa. Livros diversos e pastores cristãos nunca irão substituir a Bíblia. Mas isso não implica que eles não têm função ou que não são importantes.
Não há, portanto, heresia alguma no ato em si de crer que Ellen White recebeu o dom profético. Tampouco há heresia em crer que qualquer irmão tenha recebido revelações de Deus. Pessoalmente, tenho conhecimento de várias manifestações verdadeiras desse dom na vida de muitos cristãos fieis.
Desmistificando distorções
Ora, se o problema não está no ato em si de crer que cristãos podem receber o dom de profecia ainda hoje, então qual seria o problema? Há duas alegações comuns: (1) as doutrinas da IASD foram baseadas em visões de Ellen White; (2) Ellen White cometeu contradições, fez alegações antibíblicas e predisse eventos que não se cumpriram. A primeira já foi parcialmente respondida na primeira parte do texto. Não, as doutrinas da IASD não se baseiam em visões de Ellen White, mas na Bíblia. Fiquei devendo a questão da diferença entre doutrina e informação. Exponho agora.
Doutrina é uma crença importante para a salvação, ou para o conhecimento do caráter e poder de Deus, ou para a nossa vida moral e espiritual. São doutrinas, por exemplo, a onipotência, onisciência e onipresença divinas; o monoteísmo; a Trindade; a divindade e a messiandade de Jesus; a divindade e a personalidade do Espírito Santo; a criação do universo por Deus; a queda do ser humano; a existência do pecado; a existência da moral; a Bíblia como sendo a Palavra inspirada de Deus; a salvação pela graça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo; a necessidade de progredir em santificação; o batismo; a santa ceia; a necessidade de pregar o evangelho; volta de Jesus para buscar a Igreja; etc.
Por aí podemos perceber que doutrina é diferente de informação. Informação é uma alegação, verídica ou não, que não necessariamente forma doutrina nova ou influencia as que existem. Em suma, toda doutrina necessariamente é uma informação, mas nem toda a informação necessariamente é uma doutrina. Para facilitar, vou chamar de informação aqui apenas o que não é nem forma doutrina. Ela pode vir de qualquer fonte e pode ser aceita sem prejuízo da fé/prática cristã.
A Bíblia, para deixar claro, não possui todas as informações sobre a vida e o contexto de seus personagens, por exemplo. Mas isso não nos impede de descobri-las pela história e a arqueologia. Muitos cristãos acreditam, por conta do que escreveram os “pais da Igreja”, que Paulo foi decapitado, Pedro foi crucificado de cabeça para baixo e João foi lançado num barril de óleo quente, mas não sofreu dano. Nada disso está na Bíblia. Pode ser verdade ou não. É provável até que seja. Mas nem a veracidade, nem a falsidade dessas informações formam doutrina nova, alteram as já existentes ou contradizem a Bíblia em algum fato.
Da mesma maneira, a maioria dos cristãos crê que Mateus e Marcos escreveram os dois primeiros evangelhos que vemos em nossas Bíblias, embora os autores desses evangelhos não tenham revelado seus nomes nas obras. Há alguns indícios bíblicos que corroboram com a ideia dessas autorias, mas a crença vem mais mesmo por conta de informações extrabíblicas da época da patrística. Isso gera doutrina nova, altera alguma já existente ou contradiz a Bíblia em algum fato? Não. Então, pode ser aceito sem prejudicar a fé cristã e, por conseguinte, sem prejudicar a Sola Scriptura.
Isso não é válido só para informações que podem ser verdade ou não. É válido para informações que são comprovadamente verdadeiras, mesmo não estando na Bíblia Sagrada. Muitas verdades são descobertas pela arqueologia, até corroborando fatos descritos nas Escrituras, mas que não estão, elas mesmas, registradas na Bíblia. Não é preciso, portanto, estar na Bíblia para ser verdade. É preciso apenas não contradizê-la e não formar nova doutrina.
Profecias também podem ser um bom exemplo de mera informação, desde que não formem nova doutrina, modifiquem uma já existente ou contradigam a Escritura em algum fato. Por exemplo, quando minha mãe estava grávida de mim, ela achava que eu seria menina. Uma irmã cristã, no entanto, disse a ela com convicção que eu seria um varão, um homem do Senhor e um homem das palavras. Ela acertou as três coisas. Pode ter sido sorte? Pode. Mas a probabilidade não era tão alta. Se calcularmos uma chance em duas para cada predição, a probabilidade das três se cumprirem eram de uma em oito, ou seja, 12,5% (dito de outra forma, 87,5% de chances de erro). Supondo que Deus realmente revelou isso a irmã, a profecia não está na Bíblia. Mas ela mudou alguma doutrina, modificou alguma já existente ou contradisse algum fato bíblico? Não. Então, por que crer nela seria contra a Sola Scriptura? Não faz sentido.
Aqui talvez seja interessante fazer um retrospecto ao contexto em que o termo Sola Scriptura surgiu. O conceito de Escritura como sendo fonte única de doutrina e padrão para julgar todas as informações foi perdido durante o período histórico de maior hegemonia da Igreja Católica (mais ou menos entre 508 e 1517), a qual crê em outro principio – o tripé Bíblia-Tradição-Magistério. Quando Martinho Lutero surgiu pregando as 95 Teses e, posteriormente, criticando diversas doutrinas e práticas da Igreja Católica, o seu problema não era com a crença na tradição. Seu problema era com quando (1) a tradição suplantava a Bíblia; (2) a prática dos líderes suplantava a Bíblia; (3) os líderes se colocavam como os únicos que podiam ler e interpretar a Bíblia corretamente, de modo que o povo não poderia ler e interpretar a Bíblia por si mesmo; (4) a Igreja se colocava como infalível; (5) a Igreja ensinava doutrinas e práticas sem base bíblica.
Sobre esse último ponto, podemos citar doutrinas católicas sem base bíblica como o purgatório, a intercessão dos santos mortos por nós, a imaculada conceição de Maria, a infalibilidade doutrinária da Igreja, entre outras. Essas doutrinas, além de não possuírem base bíblica, contrariam a Bíblia alguns princípios básicos estabelecidos por ela e geram práticas também antibíblicas. Por exemplo, o purgatório cria uma chance pós-vida e leva pessoas a orar pelos mortos. A venda de indulgências, aliás, derivou muito da crença no purgatório. A intercessão dos santos mortos leva pessoas a orarem para os mortos, a fim de serem ouvidos, abençoados e protegidos. A imaculada conceição de Maria leva pessoas a venerarem Maria como uma mulher perfeita, assim como Jesus. Como se pode ver, não se tratam de meras informações extrabíblicas plausíveis, mas de doutrinas antibíblicas que levam à práticas antibíblicas.
O preceito da Sola Scriptura, resgatado pelos reformadores, era uma forma de lutar contra esses problemas, não contra a tradição e outras fontes de verdade em si. Lutero, em sua defesa na Dieta de Worms, vai afirmar, por exemplo, que só se retrataria se fosse convencido pela Bíblia ou pela razão pura. Assim, ele considerava a razão como fonte de autoridade também. John Wesley, por sua vez, trabalhava o famoso “quadrilátero wesleyano”, onde considerava como importantes a Bíblia, a razão, a tradição e a experiência, embora só a Bíblia fosse padrão de fé e prática doutrinárias, e padrão de julgamento para as demais fontes. Assim, não existe problema em crer em informações extrabíblicas (isto é, que não constam na Bíblia). O problema é formar doutrina a partir de informações extrabíblicas.
Assim, o termo Sola Scriptura surge expressando as seguintes verdades: (1) o povo pode ler a Bíblia por si mesmo, sem a necessidade de um sacerdote; (2) a Bíblia deve ser interpretada com base nela mesma, sem a tradição determinar seu sentido; (3) as doutrinas devem ter base bíblica, não base na tradição e no magistério. Esse é o sentido de “Só a Escritura”. Como podemos ver, esse sentido não proíbe a crença em meras informações extrabíblicas.
E aqui voltamos à profecia. Por definição, o dom de profecia sempre trará informações que não estão na Bíblia. É uma questão de lógica, já que o dom de profecia consiste justamente em receber visões de Deus. Isso significa, por exemplo, que as visões dos profetas extracanônicos mencionados na Bíblia também tiveram informações que hoje não estão na Bíblia. Nos dias de hoje, por sua vez, em qualquer igreja pentecostal você achará pessoas que tem o dom de profecia. Essas pessoas recebem informações de Deus que não estão na Bíblia (sobre o passado, o presente ou o futuro). Evidentemente, isso só é problema se a informação contradisser a Bíblia, criar ou modificar doutrina.
Podemos pensar em situações concretas em que informações extrabíblicas seriam um problema: (1) a Bíblia diz que Jesus escolheu 12 discípulos, mas uma pessoa diz que recebeu revelação de que era 18 (contradição de informação bíblica); (b) a Bíblia diz que a salvação é pela graça, mediante a fé, mas uma pessoa afirma que Deus o revelou que agora, para ser salvo, é preciso visitar Jerusalém pelo menos uma vez na vida (modificação de doutrina bíblica existente e criação de nova doutrina sem base bíblica).
Em suma, informação extrabíblica nem sempre é um problema, mesmo quando advém de uma predição de um profeta extracanônico. Isso se aplica, por exemplo, a detalhes que ela disse ter observado em visões a respeito de eventos históricos que ela não presenciou, personagens bíblicos, anjos, demônios, Satanás, Jesus e até do céu. Tais detalhes não criam, nem modificam doutrina nenhuma. E são questões que embora não constem na Bíblia, também não contradizem a Bíblia. Logo, podem muito bem ser verdadeiras. Crer ou não nelas é questão de fé no profeta, claro.
A segunda alegação é baseada em leituras equivocadas, descontextualizadas e, muitas vezes, forçadas dos críticos. É claro que não dá para analisar e refutar cada leituras errôneas aqui, pois isso é conteúdo para um livro ou, no mínimo, um artigo longo. O que posso dizer é que já lidei detalhadamente com muitas dessas leituras errôneas. Na maioria dos casos, o erro do intérprete era bastante óbvio. Pretendo escrever um artigo com algumas desses erros interpretativos algum dia. Outro ponto que posso destacar aqui é que má interpretação é coisa muito comum. Por exemplo, os apologistas cristãos Norman Geisler e Thomas Howe são autores de um livro com mais de trezentas páginas respondendo supostas contradições bíblicas. Eu já li boa parte dele e sei que ele sequer abarca todas as supostas contradições. A maioria, no entanto, é boba, simples, fácil de resolver. Ora, se é assim com a Bíblia, por que não seria com Ellen White? Deixo essa pergunta como reflexão.
Razões para se abrir
Considerando que essas alegadas incoerências de Ellen White não passam de leituras equivocadas dos críticos e descrentes no dom profético dela, não resta motivo para sustentar que crer nela é uma heresia. E aqui eu gostaria de fechar com algumas razões para aceitar a possibilidade de ela ter recebido o dom profético. Em primeiro lugar, em termos doutrinários, o que ela defendia está na Bíblia. Não há nova revelação. Então, basta estudar a Bíblia para confirmar se ela estava certa ou não no que defendia. Isso afasta a possibilidade de ela ser um desses falsos profetas que cria doutrina do nada, alegando vir de Deus. Além disso, caso seja constatada a veracidade das doutrinas da IASD, conclui-se que Ellen White, em termos doutrinários, só defendeu verdades. E sendo este o caso, fica difícil considerá-la uma mulher usada pelo Diabo, já que o Diabo não usaria alguém para só pregar verdades doutrinárias. Não faz sentido.
Em segundo lugar, as informações adicionais que ela afirmava ver em visões, além de não alterarem a fé e a prática doutrinárias dos cristãos, são plausíveis. Assim, mesmo que alguém tenha dificuldade de crer nela, a possibilidade pode ser considerada. Não se trata de algo impossível, nem improvável.
Em terceiro lugar, ela realizou ações que se coadunam com aquilo que esperamos de um profeta genuíno: (a) aconselhou pessoas e famílias sobre questões particulares e secretas das quais ela só poderia saber através de revelação divina; (b) predisse alguns movimentos que tem ocorrido no mundo (como a transformação do espiritismo em algo mais aceitável e virtuoso, bem como a aproximação progressiva entre protestantes e católicos); (c) deu enorme contribuição para que o movimento adventista tornasse ampla e sistemática a mensagem de saúde (que é bíblica); (d) ajudou o movimento adventista a não sucumbir a doutrinas errôneas (como a justificação por obras, o antitrinitarianismo, o arianismo, o panteísmo, entre outras); (e) exaltou a Cristo como Senhor e Salvador; (f) exaltou a Bíblia como única regra de fé e prática; (g) ajudou o movimento a se expandir para o mundo todo.
Assim, se o adventismo é verdadeiro em suas doutrinas (algo que podemos e devemos analisar pela Bíblia), é bastante possível, plausível e até provável que Ellen White tenha recebido realmente o dom profético. Aceitar isso não é uma questão de salvação. Mas não deixa de ser bíblica a orientação de não desprezar profetas. Em vez disso, devemos julgá-los para ver se são profetas mesmo, se sua mensagem se coaduna com a Bíblia e se há coerência no conteúdo. Por quê? Porque pode ser que o profeta seja realmente de Deus. E se for, devemos ouvi-lo.
Talvez a mensagem do profeta não seja novidade para nós. Ellen White falava sobre saúde, mas tem cristão que descobriu a mensagem de saúde em vídeos na internet de algum professor de educação física que nem cristão é. Não há problema nisso. White não é a única pessoa pela qual Deus pode falar. Ademais, toda a mensagem enfatizada por White pode ser encontrada na Bíblia Sagrada. O apelo dela era justamente que as pessoas mergulhem na Bíblia. Entretanto, quem nunca passou pela experiência de ter lido várias vezes a Bíblia, mas só após anos ter percebido determinado detalhe – e apenas por influência de um escritor ou de um pastor? O profeta extracanônico não vai tirar a Bíblia de sua mesa de estudos. Ele vai apontar para a Bíblia e dizer: “Já percebeu isso aqui na Bíblia?”. E é possível que você sorria e diga: “Ora, vejam só! Eu nunca tinha visto por esse ângulo!”.
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Obs.: explico essa questão também em vídeo, numa resposta que ofereci ao pastor e youtuber Yago Martins. O vídeo pode ser visto aqui.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista