Alegorizações do Santuário – O santuário tem sido alvo de muitos ataques e distorções !

A verdade bíblica do santuário é um dos temas mais belos e abrangentes das Escrituras. Ela enaltece Cristo e Sua obra redentora em favor dos pecadores. Iniciando com os altares patriarcais, o tema do santuário prossegue com o tabernáculo mosaico e o templo de Jerusalém, culminando com o sacrifício de Cristo na cruz e Seu sacerdócio no santuário/templo celestial. O santuário é o lugar da habitação de Deus (Êx 25:8; 29:45; Ap 7:15; 16:17), onde Sua lei é guardada (Êx 32:15, 16; 40:20, 21; Ap 11:19) e a salvação é disponibilizada aos pecadores (Lv 4:1 a 7:10; Hb 4:14-16; ljo 2:1,2). Em realidade, o tema do santuário, que envolve o sacrifício e o sacerdócio de Cristo, é o núcleo central da grande constelação de verdades que fulguram da Palavra de Deus.1

Como elemento integrador das demais doutrinas, o santuário tem sido alvo de muitos ataques e distorções. Entre as distorções mais comuns se encontram algumas tentativas de alegorizar o santuário, seus móveis e serviços. No início do século 20, John Harvey Kellogg transferiu a ênfase do santuário celestial para o ser humano, através de sua teoria panteísta de que os seres humanos (e todos os demais seres vivos) são manifestações de uma suposta “essência divina”. Em meados do século 20, Robert M. Brinsmead foi um passo além ao sugerir que o lugar santo do tabernáculo mosaico representava a consciência humana, e que o lugar santíssimo daquele tabernáculo simbolizava o subconsciente.

No início do século 21, começou a ser propagada no Brasil a teoria especulativa de que o corpo humano é o “santuário literal de Deus”, e que o átrio, o lugar santo e o lugar santíssimo do tabernáculo mosaico correspondem respectivamente à cavidade abdominal, ao tórax e à caixa craniana. A teoria sugere a existência de correlações tipológicas entre o altar de holocausto e o estômago; entre a pia e o fígado; entre os três móveis do lugar santo e os dois pulmões e o coração; entre as duas tábuas da lei com os dez mandamentos e os dois hemisférios cerebrais com suas dez camadas de neurônios; entre a vara florida de Arão e a medula nervosa com suas ramificações; etc; sendo o próprio ser humano o sacerdote do seu corpo.

O presente artigo considera algumas das principais distorções envolvidas nesse tipo de interpretações alegóricas do santuário.

1. Distorção hermenêutica (interpretativa)

Um dos maiores problemas relacionados às interpretações alegóricas do santuário é a negação do princípio da Bíblia como sua própria intérprete. A fim de entendermos essa questão, é importante termos em mente que muitos ensinos espúrios foram absorvidos pelo cristianismo pós-apostólico por meio de releituras alegóricas do texto bíblico. Com base na imaginação pessoal, teólogos católicos antigos e medievais procuravam descobrir “significações morais, doutrinárias, normativas etc, ocultas sob o texto literal”.2 Não viam quaisquer problemas em interpretar, por exemplo, a palavra “Jerusalém” em Mateus 21:1 como significando a antiga cidade de Jerusalém, ou a Igreja cristã, ou a alma humana, ou ainda a Nova Jerusalém. Dessa forma, a criatividade pessoal estava acima do bom senso interpretativo.

Com o propósito de descobrir o verdadeiro sentido do texto bíblico, Martinho Lutero acabou rompendo com o método alegórico de interpretação bíblica. Já no famoso Debate de Leipzig (1519), ficou bem evidente o contraste entre as interpretações alegóricas, sugeridas pelo teólogo católico Johann von Eck, e o compromisso com o significado do pró-prio texto bíblico, propostas pelos reformadores protestantes Andreas von Carlstadt e Martinho Lutero. Enquanto os teólogos católicos atribuíam ao texto bíblico uma grande variedade de sentidos artificiais, os teólogos protestantes procuravam preservar o sentido óbvio sugerido pelo próprio texto bíblico.

A mesma lealdade ao texto bíblico foi mantida por Guilherme Miller e os primeiros adventistas. Já na “Introdução” do seu primeiro livro, intitulado Evidences from Scripture & History ofthe Second Corning of Christ (1833), Miller mencionava os princípios que orientavam suas exposições das profecias bíblicas.3 Para ele, “a Escritura deve ser sua própria expositora”.4 Na mesma linha de argumentação, Eilen G. White afirmou que “a linguagem da Bíblia deve ser explicada de acordo com o seu óbvio sentido, a menos que seja empregado um símbolo ou figura”.5 Mais recentemente, o Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral publicou uma obra em inglês intitulada Understanding Scripture: An Adventist Approach (2005),6 lançada em português sob o título Compreendendo as Escrituras: Uma Abordagem Adventista (2007),7 que fornece sólidos princípios de interpretação bíblica.

Compreensões alegóricas do santuário, como as acima mencionadas, não se fundamentam em princípios interpretativos protestante-adventistas e, sim, no método alegórico pós-apostólico e medieval. Esse método deixa a compreensão das Escrituras completamente vulnerável à imaginação e à criatividade do próprio intérprete.

2. Distorção tipológica (alegórica)

Outro sério problema relacionado às interpretações alegóricas do santuário é a aceitação/proposição de tipos e símbolos não sugeridos pela própria Bíblia. Nas Escrituras encontramos vários eventos, indivíduos e animais que são considerados tipos ou símbolos de outras realidades futuras. Por exemplo, a permanência do profeta Jonas “três dias e três noites no ventre do peixe” (Jn 1:17) foi apresentada por Cristo como um tipo de Sua própria permanência “no coração da terra” (Mt 12:40). Em Daniel 7 e 8 animais e chifres são tidos como símbolos de impérios e poderes político-religiosos. O profeta Elias (l Rs 17-19; 2Rs 1, 2) é mencionado por Cristo como um tipo de João Batista (Mt 17:9-13; cf. Ml 4:5). Aceitamos uma interpretação específica para cada tipo e símbolo, porque a própria Bíblia a sugere (ver, por exemplo, Dn 2:36-45; 8:20-25). Mas, para sermos leais ao princípio da Bíblia como sua própria intérprete, jamais poderemos inventar tipologias por nossa própria conta, que não sejam sugeridas pela própria Escritura.

É certo que a Bíblia menciona que somos um “santuário de Deus” e que “o Espírito de Deus habita em” nós, e que, por conseguinte, devemos cuidar da saúde do nosso corpo (ver I Co 3:16,17; 6:19; 2Co 6:16-18). No entanto, depois de mencionar que somos “santuário de Deus” (ICo 3:16), Paulo também adverte: “não ultrapasseis o que está escrito” (ICo 4:6). Com respeito ao tabernáculo mosaico e o templo de Jerusalém, a Bíblia reconhece apenas Cristo e o santuário/templo celestial como sendo seus legítimos antítipos (Êx 25:9,40; 26:30; Hb 8:1-5). Em nenhum lugar da Bíblia e dos escritos de Ellen G. White somos informados de que nosso corpo seja um tipo ou símbolo do tabernáculo mosaico. Tal teoria especulativa é destituída de qualquer base escriturística, e deve, conseqüentemente, ser rejeitada.

3. Distorção teológica (doutrinária)

As interpretações alegóricas do santuário acabam também ofuscando, de certa forma, o santuário/templo celestial, bem como o sacerdócio de Cristo naquele santuário. Antes da queda de Jerusalém e da destruição do templo no ano 70 d.C, havia uma forte tendência, entre cristãos conversos do judaísmo, de aceitar os cerimoniais do templo de Jerusalém como ainda válidos para a salvação. A epístola aos Hebreus foi escrita com o objetivo de transferir o foco desses judeus cristãos dos serviços do templo de Jerusalém para o glorioso sacerdócio de Cristo no santuário/templo celestial. Ainda hoje, precisamos continuar “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” (Hb 12:2), o “grande sumo sacerdote que penetrou os Céus” (Hb 4:14), e que ministra pela nossa salvação.

Uma vez que “o santuário no Céu é o próprio centro da obra de Cristo em favor dos homens”,8 Satanás se vale de todos os meios possíveis para desviar a nossa atenção do santuário/templo celestial, onde Cristo ministra por nossa salvação. Ellen G. White adverte: “Satanás concebe inumeráveis planos para nos ocupar a mente, para que ela se não detenha no próprio trabalho com que deveremos estar mais bem familiarizados [a obra do juízo investigativo]. O arquienganador odeia as grandes verdades que apresentam um sacrifício expiatório e um todo-poderoso Mediador. Sabe que para ele tudo depende de desviar a mente, de Jesus e de Sua verdade.”9

Quaisquer tentativas de estabelecer paralelismos entre o tabernáculo mosaico e o corpo humano não passam de meras coincidências alegóricas, que desviam a atenção do glorioso sacerdócio de Cristo no santuário/templo celestial. Em resposta às interpretações alegóricas medievais do santuário, Lutero escreveu enfaticamente: “Dentro deste sacerdócio santo, glorioso, feliz e gracioso [de Cristo], o porco do diabo, o papa, tem metido o focinho e tudo o mais; não apenas o contaminando, mas o destruindo e suprimindo completamente, e estabelecendo outro sacerdócio, um de si mesmo, juntando de todos os demais sacerdócios pagãos como que um ensopado de abominações.”10

Mesmo que as atuais interpretações alegóricas do santuário não cheguem tão longe quanto as do catolicismo medieval, qualquer tentativa de desviar o foco de atenção do sacerdócio de Cristo em Seu santuário/templo celestial é completamente antagônica ao princípio da Bíblia como sua própria intérprete.

4. Distorção antropológica (natureza humana)

Além de distorcer a hermenêutica, a tipologia e a teologia bíblicas, as interpretações alegóricas do santuário são essencialmente antropocêntricas, ou seja, centralizadas no próprio ser humano. É certo que existe uma purificação do santuário celestial (Hb 9:23) e outra do nosso próprio corpo (ICo 6:19, 20; lio 3:3). Em 1846, O. R. L. Crosier, pioneiro da doutrina adventista do santuário, salientou que, enquanto Cristo está purificando o templo literal da Nova Jerusalém (Jo 14:2; Hb 8:2; 9:11), o Espírito Santo está purificando o templo espiritual do povo de Deus (ICo 3:17; 6:19; Ef2:20-22; Ml 3:l-3)u Mas, como já mencionamos, a Bíblia e os escritos de Eilen G. White reconhecem apenas o santuário/templo celestial como antítipo do tabernáculo mosaico, que fora construído de acordo com esse modelo celestial (Hb 8:5).

Interpretações alegóricas do santuário sugerem que cada ser humano convertido, no qual habita o Espírito Santo, é uma espécie de manifestação antitípica do tabernáculo mosaico. Somos induzidos, desta forma, a olhar para o corpo de cada cristão, imaginando seus órgãos internos como antítipos dos vários móveis encontrados no tabernáculo mosaico. Mesmo sem negar a existência de um santuário/templo celestial, essa teoria é uma evidente fusão de elementos humanistas, místicos e panteístas, que acabam quase deificando o corpo humano. Por que não aceitarmos o ensino bíblico de que cada um de nós é um “santuário de Deus” (ICo 3:16), sem enfeitar esse conceito com alegorias especulativas extra-bíblicas?

Advertências inspiradas

As interpretações alegóricas do santuário, por mais interessantes e criativas que possam parecer, representam uma séria ameaça à integridade do texto bíblico e ao nosso compromisso pessoal com a verdade divinamente revelada. Nos escritos de Ellen G. White, encontramos sérias advertências contra teorias especulativas sobre o santuário. As três citações transcritas a seguir são elucidativas.

“Eu sei que a questão do santuário se firma em justiça e verdade, tal como a temos mantido por tantos anos. O inimigo é que desvia os espíritos para atalhos ao lado. Ele folga quando os que conhecem a verdade se absorvem em coligir textos escriturísticos para amontoar em torno de teorias errôneas, sem fundamento na verdade. As passagens bíblicas assim usadas, são mal-aplicadas; não foram dadas para confirmar o erro, mas para fortificar a verdade.”12

“Satanás está lutando continuamente para sugerir suposições fantasiosas no tocante ao santuário, aviltando as maravilhosas exposições de Deus e do ministério de Cristo para a nossa salvação, a qualquer coisa que se ajuste à mente carnal. Tira do coração dos crentes o poder que ali domina e substitui-o por teorias fantasiosas, inventadas para anular as verdades da expiação e para destruirnos a confiança nas doutrinas que consideramos sagradas desde que pela primeira vez foi dada a tríplice mensagem. Pretende, assim, despojar-nos da fé na própria mensagem que nos converteu num povo separado e que conferiu à nossa obra a sua dignidade e poder.”13

“É quando Satanás aparece como anjo de luz que ele apanha as almas em sua cilada, enganando-as. Homens que pretendem haver sido ensinados por Deus, adotarão teorias enganadoras, e em seu ensino adornarão por tal forma esses enganos que introduzirão ilusões satânicas. Assim se apresentará o adversário como um anjo de luz, e terá ensejo de introduzir suas fábulas aprazíveis. Esses falsos profetas terão de ser enfrentados. Farão um esforço para enganar a muitos, induzindo-os a aceitar falsas teorias. Muitas passagens serão de tal modo mal aplicadas, que as teorias enganosas basear-se-ão aparentemente nas palavras que Deus proferiu. A preciosa verdade será destinada a comprovar e constatar o erro. Esses falsos profetas, que pretendem ser ensinados por Deus, tomarão belos textos dados para adornar a verdade, e usá-los-ão como um vestido de justiça para encobrir teorias falsas e perigosas. E mesmo alguns daqueles que, em tempos passados, foram honrados pelo Senhor, apartar-se-ão tanto da verdade que advogarão teorias desorientadoras com respeito a muitos aspectos da verdade, inclusive a questão do santuário.”14

“É a obra-prima dos enganos de Satanás conservar o espírito humano a pesquisar e conjeturar com relação àquilo que Deus não tornou conhecido, e que não é desígnio Seu que compreendamos.”15 “Mas Deus terá sobre a Terra um povo que mantenha a Bíblia, e a Bíblia só, como norma de todas as doutrinas e base de todas as reformas.”16

Precisamos compreender bem a doutrina bíblica do santuário,17 para não sermos enredados por teorias especulativas. Que Deus nos ajude a preservar o verdadeiro sentido dos textos bíblicos e dos escritos de Ellen G. White nestes dias finais, em que “todo vento de doutrina” (Ef 4:14) está soprando. Tenhamos sempre em mente que “seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente” (Is 40:8).

Referências

1. Ver Alberto R. Timm, O Santuário e as Três Mensagens Angélicas: Fatores Integrativos no Desenvolvimento das Doutrinas Adventistas, ed. (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007).

2. “Alegoria”, em Dicionário Houaiss da língua Portuguesa, 1º reimpressão com alterações (Rio de Janeiro: Objetiva, 2004), p. 146.

3. William miller, Evidences from Scripture & History of the Second Coming of Christ, about the Year 1843, and of His Personal Reign of 1000 years, Brandon, [VT]: Vermont Telegraph Office, 1833), 3-6

4. [William Miller],”Rules of lnterpretation”, Midnight Cry, 17 de novembro de 1842, p. 4.

5. Ellen G.White, O Grande Conflito (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]), p. 599.

6. Ver George W. Reid, ed., Understanding Scripture: An Adventist Approach, Biblical Research Institute Studies v.1 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2005).

7. Ver George W. Reid, ed.. Compreendendo as Escrituras: Uma Abordagem Adventista [Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007).

8. Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]),p. 222.

9. E. G. White, 0 Grande Conflito (Tatuí Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]), p. 488.

10. Jaroslav Pelikan, ed., Luther’s Works, 55 vols. (Saint Louis, MS: Concórdia, 1955-1986), v. 36, p. 201. Para um estudo mais detido das críticas de Lutero ao sacerdócio católico como contrafação ao sacerdócio de Cristo, ver Alberto R.Timm,”El Sacerdocio de Cristo y de todos los creyentes según Martin Lutero”, Theologika, v. 10, n° 1 (1995), p. 2-47.

11. O.R.L. Crosier, “Letter from Bro.Crosier” Day-Star, 18 de abril de 1846, p. 31.

12. Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]), p. 303.

13. E.G.White, Evangelismo (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CDRom]), p. 225.

14. lbid.,p.360.

15. E. G. White, 0 Grande Conflito (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]), p. 523.

16. Ibid., p.595.

17. Subsídios úteis para o estudo da doutrina do santuário podem ser encontrados, por exemplo, em M. L. Andreasen, O Ritual do Santuário, 3a ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1983); Ellen G.White, Cristo em Seu Santuário [Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-Rom]); Frank Holbrook, O Sacerdócio Expiatório de Jesus Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2002).

Texto de autoria de Alberto R. Timm, reitor do SALT e coordenador do Espírito de Profecia na Divisão Sul-Americana, Brasília, DF. Publicado na Revista Adventista, Novembro/2008).

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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