Balaão

Baseado em Números 22-24.

Voltando ao Jordão da conquista de Basã, os israelitas, em preparativos para a imediata invasão de Canaã, acamparam ao lado do rio Jordão, acima de sua foz no Mar Morto, e precisamente defronte da planície de Jericó. Estavam exatamente nas fronteiras de Moabe, e os moabitas estavam cheios de terror pela grande proximidade dos invasores.

O povo de Moabe não fora incomodado por Israel, todavia eles tinham observado com inquietadores pressentimentos tudo que ocorrera nos países circunvizinhos. Os amorreus, de diante dos quais eles tinham sido obrigados a bater em retirada, haviam sido vencidos pelos hebreus, e o território que tinham extorquido de Moabe estava agora de posse de Israel. Os exércitos de Basã haviam-se rendido diante do misterioso poder envolto na coluna de nuvem, e as gigantescas fortalezas foram ocupadas pelos hebreus. Os moabitas não ousaram arriscar contra ele um ataque; o recurso às armas seria inútil em vista das forças sobrenaturais que operavam em seu favor. Mas decidiram-se, como Faraó fizera, a pôr a seu serviço o poder da feitiçaria para contrariar a obra de Deus. Queriam acarretar uma maldição sobre Israel.

O povo de Moabe estava intimamente ligado com os midianitas, tanto pelo laços de nacionalidade como de religião. E Balaque, rei de Moabe, despertou os receios do povo aparentado, e conseguiu sua cooperação em seus intuitos contra Israel, por meio da mensagem: “Agora lamberá esta congregação tudo quanto houver ao redor de nós, como o boi lambe a erva do campo”. Números 22-24. Dizia-se que Balaão, morador da Mesopotâmia, possuía poderes sobrenaturais, e sua fama chegou à terra de Moabe. Resolveu-se chamá-lo em seu auxílio. Nestas condições, mensageiros dos “anciãos dos moabitas e os anciãos dos midianitas”, foram enviados para conseguirem suas adivinhações e encantamentos contra Israel.

Os embaixadores logo se puseram a caminho em sua longa viagem, através de montanhas e de desertos, para a Mesopotâmia; e, encontrando Balaão, transmitiram-lhe a mensagem de seu rei: “Eis que um povo saiu do Egito; eis que cobre a face da terra e parado está defronte de mim. Vem, pois, agora, rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois mais poderoso é do que eu; para ver se o poderei ferir e o lançarei fora da terra; porque eu sei que a quem tu abençoares será abençoado e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado”. Números 22:5, 6.

Balaão já havia sido um bom homem e profeta de Deus; mas apostatara e entregara-se à cobiça; todavia professava ainda ser servo do Altíssimo. Não ignorava a obra de Deus em prol de Israel; e, quando os enviados comunicaram sua mensagem, bem sabia que era seu dever recusar as recompensas de Balaque, e despedir os embaixadores. Mas arriscou-se a contemporizar com a tentação, e instou com os mensageiros para que ficassem com ele aquela noite, declarando que não poderia dar resposta decisiva antes que houvesse pedido conselho da parte do Senhor. Balaão sabia que sua conduta não poderia prejudicar Israel. Deus estava ao lado deles; e, enquanto fossem fiéis, nenhum poder adverso, da Terra ou do inferno, poderia prevalecer contra eles. Mas seu orgulho fora lisonjeado com as palavras dos embaixadores: “A quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado”. Números 22:6. As seduções de valiosas dádivas e a exaltação em perspectiva provocaram-lhe a cobiça. Avidamente aceitou os tesouros oferecidos, e então, ao mesmo tempo em que professava obediência estrita à vontade de Deus, procurou satisfazer os desejos de Balaque.

À noite o anjo do Senhor veio a Balaão, com esta mensagem: “Não irás com eles, nem amaldiçoarás a este povo, porquanto bendito é”. Números 22:12.

Pela manhã, Balaão despediu relutantemente os mensageiros; mas não lhes referiu o que o Senhor dissera. Irado por se terem dissipado subitamente suas visões de lucro e honra, exclamou petulantemente: “Ide à vossa terra, porque o Senhor recusa deixar-me ir convosco”. Números 22:13.

Balaão “amou o prêmio da injustiça”. 2 Pedro 2:15. O pecado da cobiça, que Deus declara ser idolatria, dele fizera um servo de ocasião, e, mediante esta única falta, Satanás obteve inteiro domínio sobre ele. Foi isto que causou a sua ruína. O tentador está sempre a apresentar lucros e honras mundanas para aliciar os homens do serviço de Deus. Diz-lhes que são os seus demasiados escrúpulos de consciência que os impedem de alcançar a prosperidade. Assim muitos são induzidos ao risco de saírem do caminho da estrita integridade. Um passo errado torna o outro mais fácil, e eles se tornam cada vez mais presunçosos. Farão e ousarão as mais terríveis coisas quando uma vez se entregaram ao domínio da cobiça e do desejo de poderio. Muitos se lisonjeiam com a idéia de que podem afastar-se da integridade estrita durante algum tempo, por amor a alguma vantagem mundana, e que, tendo conseguido seu objetivo, podem mudar sua conduta quando lhes aprouver. Esses tais se acham a enredar-se na cilada de Satanás, e raramente escapam.

Quando os mensageiros deram parte a Balaque da recusa do profeta a acompanhá-los, não deram a entender que Deus lho proibira. Supondo que a demora de Balaão visava simplesmente conseguir uma recompensa mais valiosa, o rei enviou príncipes em maior número e mais dignos do que os primeiros, com promessas de mais altas honras, e com autorização de concordar com quaisquer condições que Balaão pudesse exigir. A urgente mensagem de Balaque ao profeta, era: “Rogo-te que não te demores em vir a mim, porque grandemente te honrarei, e farei tudo o que me disseres; vem pois, rogo-te, amaldiçoa-me este povo”. Números 22:16, 17.

Segunda vez foi Balaão provado. Em resposta às solicitações dos embaixadores, ele se disse possuidor de muita consciência e integridade, afirmando-lhes que nenhuma quantidade de ouro ou prata poderia induzi-lo a ir de encontro à vontade de Deus. Mas anelava condescender com o pedido do rei; e, se bem que a vontade de Deus já se lhe houvesse tornado definidamente conhecida, insistiu com os mensageiros para que ficassem, a fim de que pudesse consultar outra vez a Deus; e isto como se o Ser infinito fosse um homem, para ser persuadido.

À noite, o Senhor apareceu a Balaão e disse: “Se aqueles homens te vieram chamar, levanta-te, vai com eles; todavia, farás o que Eu te disser”. Números 22:20. Até este ponto o Senhor permitiria que Balaão seguisse sua vontade, porque ele estava resolvido a isto. Não procurou fazer a vontade de Deus, mas escolheu seu próprio caminho e então esforçou-se por conseguir a sanção do Senhor.

Há na atualidade milhares que estão seguindo uma conduta semelhante. Não teriam dificuldade em compreender seu dever se este estivesse em harmonia com suas inclinações. Acha-se na Bíblia claramente posto diante deles, ou é evidentemente indicado pelas circunstâncias ou pela razão. Mas porque tais evidências são contrárias aos seus desejos e inclinações, freqüentemente as põem de lado, e ousam ir a Deus para saberem o seu dever. Aparentemente com grande consciência, oram demorada e fervorosamente rogando luz. Mas com Deus não se brinca. Ele muitas vezes permite que tais pessoas sigam seus desejos, e sofram o resultado. “O Meu povo não quis ouvir a Minha voz. […] Pelo que Eu os entreguei aos desejos dos seus corações, e andaram segundo os seus próprios conselhos”. Salmos 81:11, 12. Quando alguém vê claramente o dever, não tome a liberdade de ir a Deus com oração para que possa ser dispensado de o cumprir. Antes, deve com espírito humilde e submisso, rogar força e sabedoria divinas para satisfazer as exigências desse dever.

Os moabitas eram um povo degradado, idólatra; todavia, conforme a luz que haviam recebido, sua culpa não era tão grande à vista do Céu como era a de Balaão. Entretanto, como este professava ser profeta de Deus, tudo o que dissesse supor-se-ia proferido por autoridade divina. Portanto não lhe foi permitido falar como quisesse, mas devia transmitir a mensagem que Deus lhe desse. “Farás o que Eu te disser” (Números 22:20), foi a ordem divina.

Balaão recebera permissão de ir com os mensageiros de Moabe, se viessem pela manhã chamá-lo. Mas, contrariados com sua demora, e esperando nova recusa, partiram em viagem para seu país sem mais consulta com ele. Toda a desculpa para condescender com o pedido de Balaque fora agora removida. Mas Balaão estava decidido a obter a recompensa; e, tomando o animal em que estava habituado a viajar, pôs-se a caminho. Temia que mesmo agora a permissão divina fosse retirada, e avançou ansiosamente, inquieto e receoso de que de alguma maneira deixasse de ganhar a cobiçada recompensa.

Mas “o anjo do Senhor pôs-se-lhe no caminho por adversário”. Números 22:22. O animal viu o mensageiro divino, que não era percebido pelo homem, e desviou-se da estrada para o campo. Com pancadas cruéis Balaão o trouxe novamente para o caminho; mas, outra vez, em um lugar estreito entre duas paredes apareceu o anjo, e o animal, procurando evitar a figura ameaçadora, apertou o pé do seu dono contra a parede. Balaão estava cego à intervenção celestial, e não sabia que Deus lhe estava obstruindo o caminho. O homem exasperou-se, e, surrando a jumenta impiedosamente, obrigou-a a prosseguir.

De novo, “num lugar estreito, onde não havia caminho para se desviar nem para a direita nem para a esquerda” (Números 22:26), apareceu o anjo, como antes, em atitude ameaçadora; e o pobre animal, tremendo de terror, parou, e caiu em terra sob aquele que o cavalgava. A raiva de Balaão não teve limites, e com o bordão espancou mais cruelmente do que antes o animal. Deus abriu então a boca deste, e, pelo “mudo jumento, falando com voz humana”, “impediu a loucura do profeta”. 2 Pedro 2:16. “Que te fiz eu”, disse o animal, “que me espancaste estas três vezes?” Números 22:28.

Furioso por ser assim estorvado em sua viagem, Balaão respondeu ao animal como se teria dirigido a um ser racional: “Por que zombaste de mim; oxalá tivera eu uma espada na mão, porque agora te matara.” Ali estava um mágico professo, a caminho para pronunciar uma maldição sobre um povo inteiro, com o intento de paralisar sua força, ao mesmo tempo em que não tinha poder mesmo para matar o animal que cavalgava!

Abrem-se agora os olhos de Balaão, e ele vê em pé o anjo de Deus com a espada desembainhada pronto para o matar. Aterrorizado, “inclinou a cabeça, e prostrou-se sobre a sua face”. O anjo lhe disse: “Por que já três vezes espancaste a tua jumenta? Eis que eu saí para ser teu adversário, porquanto o teu caminho é perverso diante de mim. Porém a jumenta me viu, e já três vezes se desviou de diante de mim; se ela se não desviara de diante de mim, na verdade que eu agora te tivera matado, e a ela deixara com vida”. Números 22:29-33.

Balaão devia a conservação de sua vida ao pobre animal que tratara tão cruelmente. O homem que pretendia ser profeta do Senhor, que declarou estar “de olhos abertos”, e ver “a visão do Todo-poderoso” (Números 24:3, 4), estava tão cego pela cobiça e ambição que não pôde divisar o anjo de Deus, visível para seu animal. “O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”. 2 Coríntios 4:4. Quantos não se acham assim cegos! Arremessam-se em trilhas vedadas, transgredindo a lei divina, e não podem discernir que Deus e Seus anjos estão contra eles. Semelhantes a Balaão zangam-se com aqueles que querem impedir sua ruína.

Balaão dera prova do espírito que o dirigia, pelo seu tratamento ao animal. “O justo olha pela vida dos seus animais, mas as misericórdias dos ímpios são cruéis”. Provérbios 12:10. Poucos se compenetram, quanto deveriam, da pecaminosidade de maltratar os animais, ou deixá-los sofrer pela negligência. Aquele que criou o homem fez os animais irracionais também, “e as Suas misericórdias são sobre todas as Suas obras”. Salmos 145:9. Os animais foram criados para servirem ao homem, mas este não tem direito de causar-lhes dor com tratamento rude, ou cruel exigência.

É por causa do pecado do homem que “toda a criação geme e está juntamente com dores de parto”. Romanos 8:22. O sofrimento e a morte foram assim impostos não somente ao gênero humano, mas aos animais. Certamente, pois, ao homem toca procurar aliviar o peso do sofrimento que sua transgressão acarretou sobre as criaturas de Deus, em vez de aumentá-lo. Aquele que maltrata os animais porque os tem em seu poder, é tão covarde quanto tirano. A disposição para causar dor, quer seja ao nosso semelhante quer aos seres irracionais, é satânica. Muitos não compreendem que sua crueldade haja de ser conhecida, porque os pobres animais mudos não a podem revelar. Mas, se os olhos desses homens pudessem abrir-se como os de Balaão, veriam um anjo de Deus, em pé, como testemunha, para atestar contra eles no tribunal celestial. Um relatório sobe ao Céu, e aproxima-se o dia em que se pronunciará juízo contra os que maltratam as criaturas de Deus.

Quando viu o mensageiro de Deus, Balaão exclamou aterrorizado: “Pequei, porque não soube que estavas neste caminho para te opores a mim; e agora, se parece mal aos teus olhos, tornar-me-ei”. Números 22:34. O Senhor permitiu-lhe prosseguir em sua viagem, mas deu-lhe a entender que suas palavras seriam dirigidas pelo poder divino. Deus queria dar prova a Moabe que os hebreus estavam sob a guarda do Céu; e isto Ele fez de modo eficaz quando lhes mostrou quão impotente era Balaão mesmo para proferir uma maldição contra eles, sem permissão divina.

O rei de Moabe, sendo informado da aproximação de Balaão, saiu com grande acompanhamento às fronteiras do reino, para o receber. Quando se mostrou admirado com a demora de Balaão, em vista das ricas recompensas que o esperavam, a resposta do profeta foi: “Eis que eu tenho vindo a ti; porventura poderei eu agora de alguma forma falar alguma coisa? A palavra que Deus puser na minha boca essa falarei”. Números 22:38. Balaão lamentava grandemente esta restrição; temia que seu propósito não pudesse efetuar-se, porque o poder dirigente do Senhor estava sobre ele.

Com grande pompa, o rei com os principais dignitários de seu reino, acompanharam Balaão “aos altos de Baal” (Números 22:41), donde ele podia avistar as hostes hebréias. Eis o profeta em pé sobre o elevado monte, olhando por sobre o acampamento do povo escolhido de Deus. Mal sabem os israelitas do que está a acontecer tão perto deles! Quão pouco conhecem o cuidado de Deus, sobre eles estendido de dia e de noite! Quão embotadas são as percepções do povo de Deus! Quão vagarosos são, em todos os tempos, para compreenderem Seu grande Amor e misericórdia! Se pudessem divisar o maravilhoso poder de Deus constantemente exercido em favor deles, não se lhes encheria o coração de gratidão pelo Seu amor, e de temor ao pensamento de Sua majestade e poder?

Balaão tinha algum conhecimento das ofertas sacrificais dos hebreus, e esperava que, sobrepujando-os em custosas dádivas, pudesse conseguir a bênção de Deus, e conseguir a realização de seus projetos pecaminosos. Assim, os sentimentos dos moabitas idólatras estavam a obter domínio sobre sua mente. Sua sabedoria se tornara em loucura; nublara-se-lhe a visão espiritual; trouxera sobre si a cegueira, rendendo-se ao poder de Satanás.

Por indicação de Balaão, foram construídos sete altares, e ele ofereceu um sacrifício em cada um deles. Então se retirou a um “lugar alto” (Números 23:3), para encontrar-se com Deus, prometendo tornar conhecido a Balaque o que quer que o Senhor revelasse.

Com os nobres e príncipes de Moabe, o rei ficou ao lado do sacrifício, enquanto em redor deles se reuniu a ansiosa multidão, aguardando a volta do profeta. Ele veio finalmente, e o povo esperou as palavras que para sempre paralisariam aquele estranho poder exercido a favor dos odiados israelitas. Disse Balaão:

“De Arã me mandou trazer Balaque, rei dos moabitas, das montanhas do Oriente, dizendo: Vem, amaldiçoa-me a Jacó; e vem, detesta Israel. Como amaldiçoarei o que Deus não amaldiçoa? E como detestarei, quando o Senhor não detesta? Porque do cume das penhas o vejo, e dos outeiros o contemplo: E eis que este povo habitará só, e entre as gentes não será contado. Quem contará o pó de Jacó, e o número da quarta parte de Israel? A minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu”. Números 23:7-10.

Balaão confessou que viera com o propósito de amaldiçoar Israel; mas as palavras que proferiu foram diretamente contrárias aos sentimentos de seu coração. Foi constrangido a pronunciar bênçãos, enquanto sua alma estava cheia de maldições.

Olhando Balaão para o acampamento de Israel, viu com espanto as provas de sua prosperidade. A ele haviam sido representados como uma multidão rude, desorganizada, que infestava o país em bandos errantes, os quais eram uma peste e terror às nações circunvizinhas; mas sua aparência era o inverso de tudo isto. Viu a grande extensão e o perfeito arranjo de seu acampamento, apresentando tudo os indícios de uma disciplina e ordem completas. Foi-lhe mostrado o favor com que Deus olhava a Israel, e o caráter distintivo de povo escolhido Seu. Não deveriam ficar no mesmo nível das outras nações, mas ser exaltados acima delas todas. “Este povo habitará só, e entre as gentes não será contado”. Números 23:9. Na ocasião em que estas palavras foram faladas, os israelitas não tinham localização permanente, e seu caráter peculiar, usos e costumes, não eram familiares a Balaão. Mas quão notavelmente foi cumprida esta profecia na história posterior de Israel! Por todos os anos de seu cativeiro, através de todos os séculos desde que foram dispersos entre as nações têm eles permanecido como um povo distinto. Assim o povo de Deus — o verdadeiro Israel — embora disperso por todas as nações, não são na Terra senão peregrinos, cuja cidadania está no Céu.

Não somente foi mostrada a Balaão a história do povo hebreu como nação, mas ele viu o crescimento e prosperidade do verdadeiro Israel de Deus até o final do tempo. Viu o favor especial do Altíssimo acompanhando aqueles que O amam e temem. Viu-os amparados pelo Seu braço, ao entrarem no escuro vale da sombra da morte. E viu-os saírem de seus túmulos, coroados de glória, honra e imortalidade. Contemplou os resgatados regozijando-se nas glórias imarcescíveis da Terra renovada. Olhando para esta cena, exclamou: “Quem contará o pó de Jacó, e o número da quarta parte de Israel?” E, ao ver a coroa de glória em cada fronte, a alegria irradiando de cada semblante, e olhando para aquela vida intérmina de pura felicidade, proferiu a solene oração: “A minha alma morra a morte do justo, e seja o meu fim como o seu”. Números 23:10.

Se Balaão tivesse tido disposição para aceitar a luz que Deus dera, teria então tornado verdadeiras para si as Suas palavras; teria de pronto cortado toda a conexão com Moabe. Não mais teria abusado da misericórdia de Deus, mas a Ele teria voltado com profundo arrependimento. Mas Balaão amava o salário da injustiça, e estava decidido a consegui-lo.

Balaque tinha confiantemente esperado uma maldição que caísse como uma praga definhadora sobre Israel; e, às palavras do profeta, exclamou com paixão: “Que me fizeste? Chamei-te para amaldiçoar os meus inimigos, mas eis que inteiramente os abençoaste.” Balaão, procurando fazer da necessidade virtude, diz haver falado, em atenção conscienciosa para com a vontade de Deus, as palavras que foram forçadas aos seus lábios pelo poder divino. Sua resposta foi: “Porventura não terei cuidado de falar o que o Senhor pôs na minha boca?” Números 23:11, 12.

Balaque não pôde mesmo então abandonar o seu intento. Julgou que o espetáculo imponente apresentado pelo vasto acampamento dos hebreus, houvesse intimidado de tal maneira a Balaão que este não ousasse praticar suas adivinhações contra eles. Resolveu o rei levar o profeta a algum ponto onde visse apenas uma pequena parte das hostes. Se pudesse ser induzido a amaldiçoá-los em partes destacadas, todo o arraial logo seria votado à destruição. No cimo de uma elevação chamada Pisga, fez-se outra prova. Construíram-se novamente sete altares, sobre os quais foram colocadas as mesmas ofertas que ao princípio. O rei e seus príncipes permaneceram ao lado dos sacrifícios, enquanto Balaão se retirou para encontrar-se com Deus. Foi outra vez confiada ao profeta uma mensagem divina, que ele foi impotente para alterar ou reter.

Quando ele apareceu à multidão ansiosa e expectante, foi-lhe feita a pergunta: “Que coisa falou o Senhor?” A resposta, como antes, lançou o terror no coração do rei e dos príncipes:

“Deus não é homem, para que minta; Nem filho do homem, para que Se arrependa. Porventura diria Ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria? Eis que recebi mandado de abençoar; pois Ele tem abençoado, e eu não o posso revogar. Não viu iniqüidade em Israel, nem contemplou maldade em Jacó; o Senhor seu Deus é com ele, e nele, e entre eles se ouve o alarido dum rei”. Números 23:19-21.

Aterrado com tais revelações, Balaão exclamou: “Pois contra Jacó não vale encantamento, nem adivinhação contra Israel.” O grande mágico tinha experimentado o seu poder de encantamentos, de acordo com o desejo dos moabitas; mas, com relação a esta mesma ocasião, dir-se-ia de Israel: “Que coisa Deus tem obrado!” Enquanto estavam sob a proteção divina, nenhum povo ou nação, embora auxiliado por todo o poder de Satanás, seria capaz de prevalecer contra eles. O mundo todo se maravilharia ante a obra admirável de Deus em prol de Seu povo — de que um homem decidido a seguir uma conduta pecaminosa fosse de tal maneira dirigido pelo poder divino, que proferisse em vez de imprecações as mais ricas e preciosas promessas, na expressão da poesia sublime e exaltada. E o favor de Deus, manifesto a Israel nesta ocasião, deveria ser uma segurança de Seu cuidado protetor aos Seus filhos obedientes e fiéis, em todos os tempos. Quando Satanás inspirasse homens maus a caluniar, a perseguir e destruir o povo de Deus, esta mesma ocorrência lhes seria trazida à lembrança, e lhes fortaleceria o ânimo e a fé em Deus.

O rei de Moabe, desanimado e angustiado, exclamou: “Nem totalmente o amaldiçoarás, nem totalmente o abençoarás”. Números 23:23, 25. Contudo uma vaga esperança ainda ficou em seu coração, e resolveu-se a fazer outra tentativa. Conduziu então Balaão ao Monte Peor, onde havia um templo dedicado ao culto licencioso de Baal, o deus deles. Ali foi construído o mesmo número de altares que antes, e ofereceu-se o mesmo número de sacrifícios; mas Balaão não foi só, como das outras vezes, para conhecer a vontade de Deus. Ele não tinha pretensões a feitiçaria, mas, em pé ao lado dos altares, olhava ao longe sobre as tendas de Israel. De novo o Espírito de Deus repousou sobre ele, e veio de seus lábios a mensagem divina:

“Que boas são as tuas tendas, ó Jacó! Que boas são as tuas moradas, ó Israel! Como vales que se estendem, como jardins à beira dos rios, como árvores de sândalo que o Senhor plantou, como cedros junto às águas. Águas manarão de seus baldes, e as suas sementeiras terão águas abundantes; e o seu rei se levantará mais do que Agague, e o seu reino será exaltado. […] Abaixou-se, deitou-se como leão e como leoa; quem o despertará? Benditos os que te abençoarem, e malditos os que te amaldiçoarem”. Números 24:5-7, 9.

A prosperidade do povo de Deus é aqui representada por algumas das mais belas figuras que se encontram na natureza. O profeta assemelha Israel com vales férteis cobertos de abundantes plantações; com jardins florescentes regados por fontes inesgotáveis; com o aromático sândalo e o imponente cedro. A última figura mencionada é uma das mais notavelmente belas e apropriadas que se encontram na Palavra inspirada. O cedro do Líbano era honrado por todos os povos do Oriente. A espécie de árvores a que ele pertence é encontrada onde quer que o homem haja ido, por toda a Terra. Desde as regiões árticas até a zona tropical, florescem, regozijando-se no calor, e ao mesmo tempo afrontando o frio; surgindo com grande pujança ao lado do rio, e ao mesmo tempo sobressaindo pelos ares por sobre a terra inculta, ressequida e sedenta. Penetram suas raízes profundamente por entre as pedras das montanhas, e erguem-se com ousadia em desafio à tempestade. Suas folhas estão frescas e verdes, quando tudo mais pereceu com o sopro do inverno. Acima de todas as outras árvores, distingue-se o cedro do Líbano pela sua força, firmeza, seu imperecível vigor; e isto é usado como símbolo daqueles cuja vida “está escondida com Cristo em Deus”. Colossences 3:3. Diz a Escritura: “O justo […] crescerá como o cedro”. Salmos 92:12. A mão divina exaltou o cedro como o rei da floresta. “As faias não igualavam os seus ramos, e os castanheiros não eram como os seus renovos; nenhuma árvore no jardim de Deus se assemelhou a ele”. Ezequiel 31:8. O cedro é repetidas vezes empregado como emblema da realeza; e seu uso nas Escrituras para representar os justos mostra como o Céu considera aqueles que fazem a vontade de Deus.

Balaão profetizou que o rei de Israel seria maior e mais poderoso do que Agague. Este era o nome dado aos reis dos amalequitas, que naquele tempo eram uma nação muito poderosa; mas Israel, sendo fiel a Deus, subjugaria todos os seus inimigos. O Rei de Israel era o Filho de Deus; e Seu trono seria um dia estabelecido na Terra, e Seu poder seria exaltado acima de todos os reinos terrestres.

Ouvindo as palavras do profeta, Balaque ficou dominado pela decepcionada esperança, pelo temor e raiva. Ficou indignado de que Balaão lhe tivesse dado uma mínima esperança de uma resposta favorável, quando tudo estava decidido contra ele. Considerou com escárnio a conduta transigente e enganadora do profeta. O rei exclamou iradamente: “Agora pois foge para o teu lugar; eu tinha dito que te honraria grandemente; mas eis que o Senhor te privou desta honra”. Números 24:11. Balaão respondeu que o rei tinha sido advertido previamente de que ele apenas poderia falar a mensagem que lhe fora dada da parte de Deus.

Antes de voltar a seu povo, Balaão proferiu uma belíssima, sublime profecia acerca do Redentor do mundo, e a final destruição dos inimigos de Deus:

“Vê-Lo-ei, mas não agora; contemplá-Lo-ei, mas não de perto; uma estrela procederá de Jacó, e um cetro subirá de Israel, que ferirá os termos dos moabitas, e destruirá todos os filhos de Sete”. Números 24:17.

E finalizou predizendo a completa destruição de Moabe e Edom, de Amaleque e dos quenitas, não deixando assim ao rei moabita nenhum raio de esperança.

Decepcionado em suas esperanças de riqueza e honras, achando-se no desagrado do rei e estando cônscio de que incorrera no desprazer de Deus, Balaão voltou da missão que ele próprio desejara. Depois de chegar em casa, o poder dirigente do Espírito de Deus o deixou, e sua cobiça, que apenas estivera contida, prevaleceu. Estava disposto a recorrer a qualquer meio para ganhar a recompensa prometida por Balaque. Balaão sabia que a prosperidade de Israel dependia de sua obediência a Deus, e que não havia meio para ocasionar seu transtorno senão induzindo-os ao pecado. Resolveu conseguir agora o favor de Balaque, aconselhando aos moabitas o caminho a seguir a fim de acarretar maldição sobre Israel.

Voltou imediatamente à terra de Moabe, e expôs seus planos ao rei. Os próprios moabitas estavam convencidos de que, enquanto Israel permanecesse fiel a Deus, Ele seria o seu escudo. O plano proposto por Balaão era separá-los de Deus, induzindo-os à idolatria. Se pudessem ser levados a tomar parte no culto licencioso de Baal e Astarote, seu Protetor onipotente tornar-Se-ia seu inimigo, e eles logo seriam presa das nações cruéis e aguerridas em redor deles. Esse plano foi prontamente aceito pelo rei, e o próprio Balaão ficou para ajudar a executá-lo.

Balaão testemunhou o êxito de seu plano diabólico. Viu a maldição de Deus sobrevir a Seu povo, e milhares caindo sob Seus juízos; mas a justiça divina que puniu o pecado em Israel não permitiu que os tentadores escapassem. Na guerra de Israel contra os midianitas, Balaão foi morto. Tivera um pressentimento de que seu fim estivesse perto, quando exclamou: “A minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu”. Números 23:10. Mas não preferira viver a vida dos justos, e seu destino fixou-se com os inimigos de Deus.

A sorte de Balaão foi semelhante à de Judas, e o caráter deles tem pronunciada semelhança entre si. Ambos estes homens experimentaram unir-se ao serviço de Deus e de Mamom, e defrontaram com malogro completo. Balaão reconhecia o verdadeiro Deus, e professava servi-Lo; Judas cria em Jesus como o Messias, e uniu-se com Seus seguidores. Mas Balaão esperava fazer do serviço de Jeová a escada pela qual adquirisse riquezas e honras mundanas; e, fracassando nisto, tropeçou, caiu, e foi quebrado. Judas esperava pela sua ligação com Cristo conseguir riqueza e posição naquele reino terrestre que, como acreditava, o Messias estava prestes a estabelecer. O malogro de suas esperanças impeliu-o à apostasia e ruína. Tanto Balaão como Judas haviam recebido grande luz e desfrutado privilégios especiais; mas um simples pecado que era acalentado lhes envenenou todo o caráter, e ocasionou a destruição de ambos.

É coisa perigosa permitir que uma característica infiel viva no coração. Um pecado acariciado pouco a pouco aviltará o caráter, levando todas as suas faculdades mais nobres em sujeição ao ruim desejo. A remoção de uma única salvaguarda da consciência, a condescendência com um mau hábito sequer, o descuido das elevadas exigências do dever, derribam as defesas da alma, e abrem o caminho para entrar Satanás e transviar-nos. O único meio seguro é fazer nossas orações subirem diariamente, de um coração sincero, como fazia Davi: “Dirige os meus passos nos Teus caminhos, para que as minhas pegadas não vacilem”. Salmos 17:5.

Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, Capítulo 40.

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Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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