Batuque à Beira-Mar

Se a luz brilha em nossos dias, devemos recebê-la, apreciá-la e andar na luz… Não podemos comparar a situação em que estamos com a de pessoas sinceras que, no passado, viveram segundo a luz que possuíam. (…) Devemos prestar contas da luz que brilha em nossos dias. Seria insensatez desculpar nossa transgressão da lei de DEUS porque pessoas boas em gerações passadas não a guardaram devidamente. (…) Nunca é seguro permanecermos indiferentes à luz[“.

Na Bíblia são encontrados, ao todo, 18 versos que citam os seguintes instrumentos de percussão: adufe (06), tamboril ou tambor (11) e pandeiro (1). Todos esses versos estão no Antigo Testamento e não há nenhuma menção deste tipo de instrumento no Novo Testamento. Tal constatação poderia nos levar a conclusões precipitadas, tais quais: “Vejam! A percussão era apenas usada no velho testamento, agora está abolida”; ou: “Assim como os rituais do antigo santuário foram abolidos, o uso de instrumentos de percussão nos são proibidos”.

O uso de instrumentos no contexto bíblico tem sido enormemente debatido, por isso deve ser tratado com bastante cautela. O presente artigo não pretende esgotar o assunto do uso de instrumentos de percussão em todo o contexto bíblico, mas apenas tentar desmistificar algumas conclusões apressadas acerca de uma personagem bíblica: Miriã (ou Miriam, em algumas traduções).

O contexto a ser retomado é muito simples e deveras conhecido de muitos: a libertação do povo de Deus dos anos de servidão no Egito e a triunfal travessia do Mar Vermelho (com base em Êxodo 14 e 15:1-21). Após esta miraculosa travessia – na qual o povo de Deus é salvo e todo o exército egípcio submerso – a Bíblia nos apresenta um dos textos mais bem escritos, poéticos e belos da história da humanidade: o “Cântico de Moisés”. Nele Deus é louvado, glorificado e adorado por Seu triunfo contra o opressor. Ao todo, 19 versos são dedicados a este poema do qual, infelizmente, não conhecemos os registros musicais. Em contrapartida, na seqüência, dois pequenos versos são dedicados à expressão de júbilo da irmã de Moisés, Miriã:

“A profetisa Miriã, irmã de Arão, tomou um tamborim, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamborins e com danças. E Miriã lhes respondia: ‘Cantai ao Senhor, porque gloriosamente triunfou, e precipitou no mar o cavalo e o seu cavaleiro’” (Êxodo 15:20-21). E estes dois pequenos versos, colocados logo após o longo cântico de Moisés, foram suficientes para conclusões precipitadas e infundadas. Entre elas: “O uso de instrumentos de percussão, como os pequenos tambores de Miriã, são permitidos hoje dentro da igreja. Se Miriã (que até é chamada de profetisa pela Bíblia) usou-os, eu também posso!”. Será? Vamos por partes.

Em primeiro lugar é preciso corrigir um equívoco bastante comum naqueles que tratam das expressões de louvor dos filhos de Deus logo após a saída do Egito: Miriã não estava completamente equivocada em sua expressão de regozijo oferecida ao Senhor. Ao perceber-se livre, após sucessivas operações milagrosas de Jeová, ela cantou (a plenos pulmões, estou certo) sinceramente e alegremente aquilo que era, para ela, o melhor a ser oferecido a Deus: poesia, tamborins e dança. Sinceridade não é pecado. Todavia, Deus, em Sua Sabedoria e Paciência, iria mostrar o quanto a sinceridade impensada poderia custar caro; nem que, para isso, precisasse esperar toda a vida de Miriã.

Em segundo lugar, devemos atentar para o fato de que versos bíblicos (grandes ou pequenos) não estão sozinhos na Bíblia, sim associados a um contexto maior. Mais do que isso: versos bíblicos não foram deixados na Escrituras Sagradas “à toa”, estão lá por algum propósito dentro dos desígnios de Deus. Assim, por que estariam exatamente na seqüência o cântico de Moisés e o de Miriã? Estaria Deus preparando uma comparação entre estas personagens? Vejamos:

Quem fora Moisés? Penso ser redundante tratar de Moisés em meio aos cristãos, que o conhecem desde o “berço”. Limito-me a citar Paulo aos Hebreus: “Pela fé ele abandonou o Egito nem ficou amedrontado pela cólera do rei; antes permaneceu firme como aquele que vê aquele que é invisível” (Hebreus 11:27). De príncipe egípcio a libertador do povo de Deus! E Miriã?

Miriã (a mesma chamada de profetisa no verso 20 de Êxodo 15) é-nos apresentada, em Números 12, de forma um tanto quanto diversa. Moisés tomara para si uma mulher estrangeira. Miriã, ao lado de Arão, zelando pelos bons costumes e pelas leis de Deus, fala com duras palavras contra Moisés, perguntando: “Porventura falou o Senhor somente por Moisés? Não falou também por nós?” (Números 12:2). Miriã acintosamente protesta por sua posição de profetisa. Mais uma vez esteve correta em sua sinceridade, equivocada em seus métodos. A seqüência da narrativa nos revela quem Deus escolhera efetivamente como Seu profeta:

“Então o Senhor desceu em uma coluna de nuvem, e se pôs à porta da tenda; depois chamou a Arão e a Miriã, e os dois acudiram. Então disse: Ouvi agora as minhas palavras: se entre vós houver profeta, eu, o Senhor, a ele me farei conhecer em visão, em sonhos falarei com ele. Mas não é assim com o meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa; boca a boca falo com ele, claramente e não em enigmas; pois ele contempla a forma do Senhor. Por que, pois, não temestes falar contra o meu servo, contra Moisés? Assim se acendeu a ira do Senhor contra eles; e ele se retirou; também a nuvem se retirou de sobre a tenda; e eis que Miriã se tornara leprosa, branca como a neve; e olhou Arão para Miriã e eis que estava leprosa. Pelo que Arão disse a Moisés: Ah, meu senhor! rogo-te não ponhas sobre nós este pecado, porque procedemos loucamente, e pecamos” (Números 12:5-11).

Os versos de Números são bastante enfáticos: Moisés era o profeta de Deus, não Miriã. É bastante provável que (e aqui estamos no campo da conjectura) Miriã fosse conhecida como profetisa em seus tempos de escravidão (e até, quem sabe, usada nesse papel por Deus) e Deus estivesse agora mostrando a verdadeira posição das coisas. Vejam: a ira de Deus não se levantou sobre Miriã por ela ter sido zelosa para com Sua lei, mas sobre seus métodos precipitados e imponderados. “Por que, pois, não temestes falar contra o meu servo, contra Moisés?”, disse Deus. A crítica de Miriã tinha fundamentos teológicos: fora proibido por Deus o casamento entre os Seus filhos e os “filhos dos homens”. Todavia fora construída sob panos de precipitação, sedição e ciúme.

Desta forma, podemos perceber que Miriã não pode ser tomada cegamente como exemplo de conduta (a não ser que queiramos conhecer a ira de Deus). Seria muito mais sensato tomar exemplos da vida de Moisés. Se Miriã foi mesmo sincera ao louvar a Deus com poesia, batuques e danças; Moisés foi além e demonstrou que não apenas sinceridade é suficiente para a verdadeira adoração de Deus. Moisés, desde muito cedo, conseguiu colecionar uma série de características do que deve ser a adoração a Deus. E Miriã levou a vida toda para compreender algumas essenciais: diálogo diário e face a face com Deus; reverência; reflexão e, finalmente, paciência.

Deste modo, o debate sobre o uso instrumental no culto a Deus deveria tomar outros rumos que não a justificativa da percussão baseada no exemplo de Miriã. A abordagem teológica da vida de Miriã, como exposta acima, somente nos desaprova tomá-la como exemplo. Nesta “biografia” vemos precipitação, sinceridade impensada e castigo. Mais do que isso: vemos um comportamento carregado de “Egito”. E, assim como Miriã, somos pecadores imersos em um contexto pagão, necessitados infinitamente da justificação em Cristo. Todavia, ao contrário de Miriã, assim como Moisés, devemos refletir um pouco mais antes de tomarmos decisões com respeito ao culto de Deus (que deve ser Santo como Ele).

Só para acrescentar, Ellen White assim comenta a morte de Miriã: “Ali morreu Miriã e foi sepultada. Daquela cena de júbilo nas praias do Mar Vermelho, quando, com cântico e danças para celebrar a vitória de Jeová, saiu Israel, até à sepultura no deserto, a qual acabou com o peregrinar de toda a sua vida – tal foi a sorte de milhões que com grandes esperanças haviam saído do Egito. O pecado lhes arrebatara dos lábios a taça de bênçãos. Aprenderia a lição a geração seguinte?”   Ou seja, Miriã foi colocada como um exemplo não exatamente positivo. Na verdade, foi colocada como uma lição a ser aprendida (evitada) pelas gerações seguintes.

Mais do que isso: se o debate gira em torno do uso instrumental no contexto da música de adoração a Deus, por que tomar o exemplo de Miriã, que nem mesmo estava dentro do Templo?

Portanto, se o problema em questão é o uso instrumental na música sacra (como poderia ser o sexo, o sábado, ou qualquer outra questão de viés teológico), a oração e a leitura da Escritura Sagrada devem ser nossos únicos instrumentos na hora de tomar decisões. E, após as orações e leituras, devem-se retirar os exemplos mais adequados.

Para este caso, penso que o melhor exemplo é a construção do Templo de Salomão, segundo as ordens dadas por Deus a Davi. Ali houve uma séria seleção em termos de liturgia, funções, símbolos, materiais e música. E, dentro desta seleção feita pelo próprio Deus, quais os instrumentos usados no Templo? Houve algum instrumento que, apesar de usado pelo povo, fora excluído dos serviços de adoração no interior do Templo? Tambores, adufes e pandeiros, apesar de mencionados no Antigo Testamento, faziam parte destes serviços de adoração? Não? Por quê?

Se alguém estiver interessado nas respostas, poderá ler os sucessivos relatos da construção do templo por Salomão, em I Crônicas 22, 23, 24, 25. Mas, antecipadamente, para respondermos às inquietações iniciais do presente artigo, declaramos: o uso da percussão não foi abolido no Novo Testamento simplesmente porque nunca foi permitido. Boa leitura!

E cantavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do [Cordeiro], dizendo: Grandes e admiráveis são as tuas obras, ó Senhor Deus Todo-Poderoso; justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos” (Apocalipse 15:3).


Notas:

[1] O título deste artigo, assim como a idéia de abordar Miriam como tema de debate para os usos instrumentais na adoração. O leitor que colocar ambos em comparação perceberá rapidamente as diferenças de abordagem, estatística e estilística; logo, deixamos claro que o presente artigo não se trata de uma cópia, ou mesmo resultado de inspiração, do “original” de mesmo nome.

[2] Citação (inspirada em um trecho de Ellen G. White)

[3] Dependendo da tradução utilizada, estes números podem variar.

[4] O tema do uso instrumental no contexto bíblico pode ser encontrado em inúmeros artigos de nosso espaço virtual, indicamos os seguintes (clique no título para ler): 

[5] – White, Ellen G. – Patriarcas e Profetas, pág. 410

 

Escrito porAdrian Theodor

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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