“Fuja dos desejos malignos da juventude e siga a justiça, a fé, o amor e a paz, juntamente com os que, de coração puro, invocam o Senhor.” [2 Timóteo 2:22, NVI]
Um em cada dois adventistas batizados acaba deixando a igreja. Esse número desolador foi apresentado no Concílio da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia de outubro de 2016. Na ocasião, o pastor G. T. Ng, secretário-executivo da Associação Geral, ilustrou a sua preocupação com a alta defasagem: “O que acontece com um exército com 49% de deserção entre os seus soldados? O que acontece com a escola quando 49% dos seus alunos abandonam a sala de aula? O que acontece a uma fábrica quando 49% de seus funcionários decidem sair?”[1]
O relatório, produzido pelo departamento de Arquivos, Estatísticas e Pesquisa da sede mundial, elenca a falta de assistência aos novos membros como maior causa para apostasia e afirma que não havendo apostasia nos últimos 50 anos, a projeção para o número de membros na Igreja Adventista do Sétimo Dia seria de 28,5 milhões a 30 milhões de membros hoje. Atualmente, a igreja conta com 19,5 milhões fiéis.
Cabe observar que a realidade pode ser ainda mais crítica, afinal, nem todos os membros que deixam a igreja são desligados do rol de membros. Essas baixas não são oficialmente contabilizadas. A não participação da igreja no discipulado, conforme aponta o relatório, é a principal causa para o afastamento. Isso, entretanto, não impede que outros aspectos colaborem e, portanto, sejam levados em consideração. Destacamos neste texto a autoindulgência.
Lamentavelmente, os que portam essa característica estão em nossas fileiras. Entre eles há membros novos e também antigos. Em comum, o fato de serem sensíveis e melindrosos. Para esse público, decepções mínimas são motivo para desistência. Para eles, a apostasia é sempre uma realidade latente. Outro aspecto perigoso que compartilham é a falta de autoavaliação. Via de regra, parecem cegos quanto aos próprios defeitos. Em contrapartida, suas percepções quanto aos outros são apuradas. O erro alheio é apreciado e sempre eleito como maior e mais significativo. Eles não percebem que são todos são miseráveis, dignos de compaixão, pobres, cegos e nus (Apocalipse 3:17): definitivamente todos, inclusive eles mesmo.
Não reconhecendo seus defeitos, tornam-se infinitamente inferiores aos que assim o fazem. Na ocasião de uma mensagem dura, automaticamente, veem ser o conteúdo aplicável ao outro. É impossível que esquadrinhem as próprias ações, parecem imunes de erros. Em síntese, são pessoas amarguradas, hipócritas e, por consequência, de difícil convivência. Entre esse grupo, lamentavelmente, pode estar o leitor. Alertando para a nocividade do orgulho, Ellen White alerta: “”Não há orgulho tão perigoso como o orgulho espiritual.”[2] Salomão em Provérbios dá mensagem semelhante: “o espírito arrogante vem antes da queda.” (Provérbios 16:18, KJA)
Nessa realidade, a consideração de Victor Kuligin no livro “Dez Coisas que eu Gostaria que Jesus Nunca Tivesse Dito”, publicado pela CPAD, torna-se pertinente: “Temos a terrível tendência a desejar misericórdia quando fazemos mal aos outros, mas a ser parcimoniosos em oferecê-la aos que nos fazem mal. Um espírito não perdoador quase sempre é produto de uma falsa visão de nós mesmos e de nossa salvação, colocando-nos em um pedestal acima dos outros. Mas quando nos damos conta de que Deus nos mostra favor imerecido, seremos prestimosos em mostrá-la aos outros.”[3]
Na mesma obra, Kuligin é cirúrgico ao falar sobre o equilíbrio necessário para a vida na igreja: “Paulo fala de seguir a verdade em amor, e vejo isso como um ideal a ser alcançado. Muitas igrejas hoje são hostis e inamistosas que chegam a ser desagradáveis. Por outro lado, em nome do amor, temos muitas igrejas que perderam a salinidade da fé, porque optaram trocar o cloreto de sódio por um evangelho enriquecido com glicose? Onde estabelecemos a linha divisória ente o amor e a verdade, a intolerância e o discernimento?”
Bom seria que, com a ajuda de Deus, considerássemos nossos próprios defeitos e, assim, lutássemos contra eles, ao mesmo tempo em que ajudamos nossos irmãos a enfrentarem suas dificuldades, conforme diz 2 Timóteo 2:22: “Fuja dos desejos malignos da juventude e siga a justiça, a fé, o amor e a paz, juntamente com os que, de coração puro, invocam o Senhor.”
Jonh Sttot, ministro anglicano do século passado, foi feliz ao comentar esse texto, onde diz: “[…] o apóstolo procura esclarecer melhor o que quer dizer fazendo um franco apelo, com duas partes: uma negativa e outra positiva. A parte negativa refere-se a que Timóteo fuja das “paixões da mocidade”. Isto não deve ser entendido como referência à concupiscência sexual tão somente, mas à “autoafirmação, bem como à autoindulgência”, à ambição egoísta, à obstinada teimosia, à arrogância e, enfim, a todos os ‘caprichosos impulsos da juventude’.”[4]
O teólogo alemão Hans Bürki faz observação semelhante: “[…] no caso de Timóteo as paixões da mocidade não se referem apenas a desejos sexuais, mas igualmente ao orgulho espiritual e à apaixonada impaciência e dureza, que não contradizem necessariamente seu gênio predominantemente hesitante e tendente ao desânimo.” [5] Com essas observações, fica claro entender o que a Palavra trata como amadurecimento espiritual.
Além de abandonar os vícios, complementa Sttot, o texto nos orienta a “‘seguir’ as quatro características essenciais de um cristão: “a justiça, a fé, o amor, e a paz”, e deve segui-las em boa companhia (talvez para compensar a companhia que terá de evitar, ao purificar-se do que é ignóbil), a companhia daqueles que, “com um coração puro, invocam o Senhor”, isto é, daqueles que compartilham com Timóteo da mesma fome de justiça e que, com autêntica sinceridade, clamam a Deus que lhes satisfaça”.
Considerando a mensagem de Paulo a Timóteo é possível concluir que é no contexto da igreja, no agrupamento de crentes onde os problemas de relacionamento estão sendo abundantes, onde Deus deseja tratar as personalidades e forja-las para a Sua glória. Que retiremos de nós, portanto, a máscara de santidade, o ego, a arrogância.
É essencial lembremos ainda que a igreja militante, repleta de problemas, hoje, triunfará com Jesus Cristo. “Algumas pessoas parecem pensar que ao entrar na igreja ser-lhes-ão cumpridas as expectativas, e só encontrarão os que são puros e perfeitos. São zelosas na fé, e ao verem faltas nos membros da igreja, dizem: ‘Abandonamos o mundo para não nos associarmos com pessoas de mau caráter, mas aqui também está o mal’; e perguntam, como os servos da parábola: ‘Por que tem, então, joio?’ (Mt 13:27). Mas não precisamos ficar assim desapontados, pois o Senhor não nos autorizou a chegar à conclusão de que a igreja é perfeita; e todo o nosso zelo não terá êxito em tornar a igreja militante tão pura como a igreja triunfante. O Senhor nos proíbe proceder de qualquer maneira violenta contra aqueles que julgamos estarem em erro, e não devemos espalhar excomunhões e denúncias contra os que estão em falta.”[6]
[1] McChesney, Andrew, “Every Adventist Urged to Help Stem Membership Losses”. Disponível em: http://www.adventistreview.org/church-news/story4451-every-adventist-urged-to-help-stem-membership-losses
[2] WHITE, Ellen, “Testemunhos para Ministros”, página 102, Casa Publicadora Brasileira
[3] KULIGIN, Victor, “Dez Coisas que eu Gostaria que Jesus Nunca Tivesse Dito”, página 171, Casa Publicadora das Assembleias de Deus
[4] STTOT, John, “Tu, Porém”, página 33, ABU Editora
[5] BÜRKI, Hans, “Cartas aos Tessalonicenses, Timóteo, Tito e Filemom”, página 42, Editora Evangélica Esperança
[6] WHITE, Ellen G., “A Igreja Remanescente”, página 43, Casa Publicadora Brasileira
Por Davi Boechat e Luana Vargas
Fonte: Reação Adventista