Ensina a Bíblia o Tormento no Inferno?

Parece-me que, na história do rico e Lázaro (Lc 16:19-31), está claro que o destino dos ímpios é o tormento eterno no inferno. É isso mesmo que ela ensina?

Alguns não vêem a história do rico e Lázaro como parábola, pois são citados nomes próprios, como Lázaro e Abraão, diferentemente da parábola da ovelha perdida (Lc 15:3-7) e de outras em que não são citados nomes próprios.

Deve-se dizer que a história do rico e Lázaro é a única que contém dois nomes próprios – Lázaro e Abraão. Nas demais parábolas, não aparecem nomes próprios, mas essa regra tem essa única exceção. Caso essa história não fosse parábola, seria também citado o nome do rico, não é verdade? Vejamos alguns detalhes que indicam ser essa história uma parábola:

1. Ela começa como parábola: “Havia certo homem rico que…” (Lc 16:19). As outras parábolas começam de maneira igual ou parecida.

Veja: “Qual, dentre vós, é o homem que…” (Lc 15:4); “Qual é a mulher que…” (Lc 15:8); “Certo homem…” (Lc 15:11); “Havia um homem rico que…” (Lc 16:1); “Havia em certa cidade um juiz que… Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que…” (Lc 18:2,3); “Dois homens subiram ao templo…” (Lc 18:10)

2. Ela termina como parábola, com a lição a ser extraída pelos ouvintes, lição introduzida geralmente por algum tipo de exortação ou afirmação categórica: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que…” (Lc 16:31).

Veja como terminam outras parábolas: “Digo-vos que…” (Lc 15:7; 18:8, 14); “Eu vos afirmo que…” (Lc 15:10); “Entretanto, era preciso que…” (Lc 15:32); “Eu vos recomendo… para que…” (Lc 16:9).

3. Em parábolas (histórias fictícias), coisas que normalmente não acontecem podem acontecer. No caso desta, mortos estão conscientes e falam, o que, de acordo com a Bíblia, os mortos não podem fazer (SI 115:17; 146:4; Ec 9:5,6, etc). É interessante que a própria parábola diz que haverá ressurreição (Lc 16:31), ocasião em que cada pessoa morta voltará à vida para receber a recompensa – vida eterna ou aniquilação final.

Uma vez que os mortos não têm consciência, mas estão dormindo (Jo 11:11-14) nos túmulos (Jo 5:28, 29), por que, então, contou Jesus essa parábola? Deve-se dizer, primeiramente, que, bem antes de Jesus, os judeus haviam sido influenciados pela cultura grega (helenização) e muitos haviam absorvido crenças gregas, como a imortalidade da alma e a de um inferno de fogo e tormentos. Jesus, então, Se aproveita dessa crença e lhe conta uma parábola, com o fim de ensinar pelo menos quatro lições:

1. Para corrigir a crença judaica de que os sofrimentos desta vida são sempre resultado de uma vida de pecado (cf. jo 9:2). Com certeza, os judeus mal interpretavam as bênçãos e as maldições de Deuteronômio 28: esta parte da Bíblia mostra a regra de que as coisas irão bem para o obediente e mal para o desobediente – mas essa regra tem tantas exceções! Por essa maneira de ver as coisas, o normal seria que o pobre e doente Lázaro (considerado ímpio e amaldiçoado) fosse para um lugar ruim, e o rico (tido como justo e abençoado) fosse para um lugar bom, quando ambos deixassem esta vida. Mas o que fez Jesus? Inverteu a ordem “natural” das coisas: pôs o rico num lugar horrível e de tormentos e Lázaro num lugar bom, chamado “seio de Abraão” (Lc 16:22, 23).

Ao fazer isso, Jesus queria dizer que nem sempre doença e pobreza são o resultado de uma vida injusta, e que saúde e riqueza nem sempre são indicativos de que uma pessoa é justa. Não fosse assim, o que dizer da doença de Jó (Jó 2:7,8) e da pobreza de Jesus, que não tinha nem “onde reclinar a cabeça” (Mt 8:20)? Seriam o patriarca Jó e o Senhor Jesus pessoas injustas e amaldiçoadas? É óbvio que não!

2. Para dizer que quem vive egoisticamente nessa vida não pode esperar a vida de bem-aventurança – a vida eterna. É verdade que boas obras não salvam, mas elas demonstram o quanto amamos a Deus e, por conseqüência, os filhos desse Deus, nossos irmãos. Como diz João: “Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. […] pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (ljo 4:8, 20). Ou seja, uma pessoa sem amor está desabilitada para viver no Céu.

3. Para dizer que, com a morte, o destino está fixado, e que tudo o que alguém tem que fazer quanto à sua salvação ele tem de fazê-lo enquanto está vivo. Depois da morte, estará posto o “grande abismo” (Lc 16:26), que separa salvos e perdidos, o abismo da impossibilidade: quem está perdido não tem mais chance de salvação e quem está salvo não corre mais o risco de perdê-la (e nem desejaria isso). A Escritura é clara: Agora é o dia da oportunidade; hoje é o dia da salvação (2Co 6:2).

4. Para dizer que tudo o que é necessário para alguém se salvar ele o tem na Palavra de Deus, representada por “Moisés e os Profetas” (Lc 16:28-31). Se as pessoas não ouvem a Bíblia, de nada adianta enviar um morto ressuscitado para falar com elas. Isso é exemplificado no caso do outro Lázaro, irmão de Maria e Marta. Mesmo tendo presenciado a ressurreição dele, muitos judeus não se convenceram de que Jesus era o Messias.

Ao contrário: foram contar aos sacerdotes, os quais fizeram planos de matar não somente Lázaro, mas também o autor da ressurreição dele, o Senhor Jesus Cristo (Jo 11:46,47; 12:9-11).

Em face dessas lições, deveríamos nos perguntar: Tenho a errônea concepção de que todo sofrimento desta vida é resultado de uma vida de pecado? Estou aproveitando o dia de hoje, o momento presente, para acertar minha vida com Deus?

Por Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e professor de Teologia no Salt/Unasp.


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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