Esperando e Apressando

Sendo Deus Senhor de tudo, acaso depende do ser humano para concretizar a vinda de Seu Filho à Terra?

A Igreja Adventista do Sétimo dia surgiu como movimento escatológico, enfatizando claramente a segunda vinda de Cristo. Passados mais de 150 anos proclamando esse evento, continuamos esperando a concretização dele; e isso tem suscitado algumas interrogações: “Está demorando?” “Podemos apressar a segunda vinda de Jesus?”

Na tentativa de responder a tais perguntas, têm sido sugeridas basicamente duas respostas. Alguns creem que Jesus ainda não veio porque está esperando que Seu povo se consagre e testemunhe diligentemente; ou seja, o povo é responsável pela demora. Em contraposição, outros sugerem que Cristo voltará somente de acordo com Sua determinação, e que nada podemos fazer para apressar ou retardar o momento estabelecido para Sua vinda.1

Deus no controle

Na defesa dessa posição, entre outros teólogos, Arnold Wallenkampf parece ressaltar a soberania absoluta de Deus, com respeito à parousia. Nesse sentido, a providência e a onisciência divinas parecem desempenhar papel fundamental. “Deus, por meio de Sua providência, preparará o momento da segunda vinda de Cristo… Nem por um instante devemos pensar que podemos mudar o que Ele planejou e estabeleceu.”Imaginar que “seres humanos pecadores sejam capazes de atar as mãos do Onipotente, ao ponto de Lhe impedir de levar a cabo Seus planos” é “o cúmulo da arrogância”. Crer que o ser humano pode desempenhar algum papel importante nesse sentido seria “blasfêmia”.3

Dentro desse pensamento, a concepção da demora é ilógica. Demora é um prolongamento de tempo além do previsto, o que supõe que houve fracasso no cumprimento do prazo antecipadamente estipulado.

Percebe-se claramente que Wallenkampf parte de uma concepção atemporal de Deus. Para ele, “Deus é maior que o tempo. O tempo existe em Deus; não é que Deus vive no tempo…” Ele considera que, ainda que o ser humano fracione sua
existência em tempos verbais: passado, presente e futuro, “não ocorre o mesmo com Deus. Para Deus, não há diferença entre passado, presente e futuro”.5

Esse pensamento conduz Wallenkampf a um conceito de soberania absoluta de Deus, em relação com os eventos do mundo.Ainda comentando a defesa da ideia de que Deus retarda a segunda vinda por causa do homem, ele assegura que “negamos com um golpe tanto Sua presciência como Sua onisciência. Ao refletir desse modo, rebaixamos nosso onisciente Deus a nosso próprio nível”.Ou seja, a segunda vinda tem que acontecer porque Deus, em Sua onisciência, a previu. Temos aqui um futuro fixo, fechado e invariável, determinado pela onisciência e providência de um Deus atemporal.

Essa postura tem graves consequências para a missão da igreja. Porém, Wallenkampf responde a esse questionamento, ao dizer que “às vezes damos a impressão de que a comissão evangélica é uma responsabilidade unicamente nossa”. Para ele, isso está longe de ser verdade. “A proclamação do evangelho a todo o mundo é responsabilidade do Senhor”, ele diz.Aqui, a ênfase na providência absoluta de Deus desmerece a ação humana no cumprimento da missão.

Participação humana

No extremo oposto à posição de Wallenkampf, Herbert Douglass considera que tem havido realmente uma demora na “colheita” do mundo; mas tal demora não é causada por qualquer mudança de planos da parte de Deus. Se dependesse dEle, a colheita já teria acontecido décadas atrás. Essa posição está fundamentada na seguinte afirmação de Ellen White: “Cristo aguarda com fremente desejo a manifestação de Si mesmo em Sua igreja. Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-lo como Seu.”10 

Douglass aceita que o homem desempenha papel ativo na missão. Contudo, a principal preocupação dele não focaliza tanto a tarefa que o povo de Deus deve cumprir, mas o caráter que deve refletir. 11 Nesse sentido, ele parece ter interesse secundário na missão que a igreja deve cumprir; ou seja, a ação da igreja nos acontecimentos do fim estaria relacionada com a condição que deve ter; não com a missão que deve cumprir.

Resumindo, a partir de uma pressuposição atemporal para o ser de Deus, Wallenkampf desemboca no conceito de soberania absoluta, na qual Deus é responsável por todo passo dado na execução de Seu plano. Isso leva a desmerecer a participação humana no plano da salvação. Sendo Deus o único responsável pela pregação do evangelho, não é importante o que o ser humano possa fazer em relação à missão.

Por outro lado, Douglass enfatiza o elemento humano. Deus espera, durante gerações, que Seu povo alcance o padrão imposto pela vida de Jesus enquanto esteve na Terra. Essa postura tampouco enfatiza o papel que o povo de Deus deve desempenhar no cumprimento da missão. Isso lhe interessa apenas indiretamente, a título de uma motivação a mais para alcançar o caráter de Cristo.

Limite da temporalidade

Na Bíblia, as palavras traduzidas como “eternidade” (‘olãm no Antigo Testamento e aiõn no Novo) têm claro significado temporal, e basicamente se referem a um período limitado ou ininterrupto. Além disso, é preciso esclarecer que, mesmo que a eternidade seja concebida em termos temporais, isso não significa que a Bíblia a identifique com o tempo que o ser humano experimenta como limite de seu ser finito. Deus experimenta o tempo de modo qualitativa e quantitativamente distinto da maneira do homem. Ele não nega o tempo, mas o integra e ultrapassa (Sl 103:15-17; Jó 36:26). Essa visão temporal de Deus considera que Ele pode Se relacionar direta e pessoalmente com o homem dentro da história humana, de tal maneira que tanto Deus como os seres humanos partilham a mesma história.

De acordo com a Bíblia, o conhecimento de Deus é perfeito (Jó 37:16). O conhecimento prévio se refere à capacidade que Ele tem de incluir em Sua onisciência não apenas as realidades passadas e presentes, mas também as futuras; mesmo aquelas que são livres ações dos seres humanos (At 2:33; Rm 8:29; 11:2). A afirmação da presciência de Deus não é nem contraditória nem logicamente incompatível com a liberdade humana. Aqueles que percebem uma contradição insuperável implicitamente assumem que Deus conhece da mesma forma que nós conhecemos.

A concepção bíblica não identifica predestinação com presciência, como se Deus predestinasse cada coisa que conhece. Ele não predetermina o destino humano. Paulo diferencia entre presciência e predestinação (Rm 8:29). Nessa visão, o destino do ser humano não apenas implica os planos e as obras de salvação, mas
também a livre resposta de fé ao chamado do Espírito Santo.

Em relação com a providência, Deus não controla a história humana no sentido de que planeja e executa tudo o que nela sucede. Ele Se relaciona pessoalmente e dirige a história humana para seu objetivo. Deus não força os seres humanos, muito menos o curso da História. Se considerarmos que a força não somente é incompatível com a liberdade, mas também com o amor, os objetivos de Deus na História não são alcançados forçando a liberdade humana.

Ao contrário disso, ao participar ativamente na História, Deus trabalha pela salvação em diferentes níveis: individual, social e cósmico. Então, se pensarmos dentro do limite da temporalidade (que implica contingência), os resultados não estão predeterminados.12 Contudo, não estamos na incerteza quanto ao futuro da História. A vitória de Cristo na cruz é o fundamento da certeza acerca do futuro.

Podemos dizer que, de acordo com as Escrituras, Deus dirige a história humana, dentro do seu fluxo e complexidade; não desde o Céu, por meio de decretos eternos e irresistíveis. Ele decide trabalhar temporalmente na História, por meio de Sua igreja e com a cooperação dela. 13

Podemos apressar?

Se considerarmos seriamente o contexto temporal das Escrituras, além do conceito de presciência e providência divinas, devemos reconhecer que Deus decide trabalhar com o ser humano, dentro da história humana, para alcançar alguns dos Seus objetivos. Nesse sentido, existem alguns propósitos que devem ser cumpridos em relação com a segunda vinda de Jesus; propósitos nos quais Deus decidiu trabalhar em cooperação com o ser humano. A pregação do evangelho (Mt 24:14) é um deles.

Deus confiou essa missão à igreja, capacitando-a para cumpri-la. Nesse contexto, tem sentido a declaração de Ellen White: “Dando o evangelho ao mundo, está em nosso poder apressar a volta de nosso Senhor. Não nos cabe apenas aguardar, mas apressar o dia de Deus.”14 Então, o desfecho da missão é uma tarefa que Deus decidiu realizar em conjunto com Seu povo.

Se o Senhor deseja trabalhar com Seu povo para alcançar alguns objetivos relacionados com a segunda vinda de Jesus, é claro que o homem também pode impedir ou retardar essa tarefa. Essa visão está em concordância com outras declarações de Ellen White: “Houvesse a igreja de Cristo feito a obra que lhe era designada, como Ele ordenou, o mundo inteiro haveria sido antes advertido, e o Senhor Jesus teria vindo à Terra em poder e grande glória.” 15 “Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-lo como Seu.”16

Ao compreendermos a maneira pela qual Deus decidiu realizar Seu plano de salvação, podemos perceber o papel que o homem desempenha na terminação da obra. Ele decidiu trabalhar com o ser humano em relação com Seus objetivos para a Sua segunda vinda, capacitando Seu povo para a tarefa que lhe compete desempenhar.

Apesar disso, Ellen White nos dá a garantia de que “o mundo não está sem um governante. O programa dos sucessos futuros está nas mãos do Senhor. A Majestade do Céu tem sob Sua direção o destino das nações e os negócios de Sua igreja” 17 Deus atuará com todo poder através do ser humano e respeitando sua liberdade, para alcançar Seus objetivos. Isso deve animar a igreja, considerando que Deus lhe tem dado o privilégio de participar no plano da salvação. Por meio de nossa fidelidade no cumprimento da missão, a igreja pode apressar seu encontro com o Salvador.

Referências:

Ver Carlos A. Steger, “La ‘demora’ de la segunda venida”, Logos, anos 3, 4 (1999-2000), p. 10-15.
Arnold Wallenkampf, La Demora Aparente (Buenos Aires, Aces, 1997), p. 140.
Ibid., p. 136.
Ibid., p. 53.
Ibid.
Ibid., p. 121.
Ibid., p. 120, 121.
Ibid., p. 105.
Herbert Douglass, “Man of Faith – the showcase of God’s grace”, em: Perfection: The Impossible Possibility (Nashville, Tennessee: Southern Publishing Association, 1975), p. 20.
10 Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 69.
11 Herbert Douglass, The End: The Unique Voice for Adventist About the Return of Jesus (Mountain View, Califórnia: Pacific Press Publishing Association, 1979), p. 74.
12 Deus não podia salvar o homem por um decreto de Sua soberania. Pelo contrário, devia produzir a salvação do homem no tempo e na História. A salvação não apenas ocorre por meio da encarnação e morte de Cristo, que incluem o tempo e o risco total, tudo no limite da contingência temporal: “Mas nosso Salvador Se revestiu da humanidade com todas as contingências da mesma. Tomou a natureza do homem com a possibilidade de ceder à tentação” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 95).
13 Ver Canale, “Hacia el fundamento teológico de la misión Cristiana”, em Werner Vyhmeister (editor) Misión de la Iglesia Adventista, (Entre Rios: Editorial CAP, 1980), p. 182-210.
14 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 633, 634.
15 Ibid., p. 634.
16 Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 69.
17 __________, Testemunhos Seletos, v. 2, p. 352.

Marcos Blanco – Diretor de Redação da Casa Editora Sudamericana, Buenos Aires, Argentina. Texto publicado na Revista Ministério Jan/Fev-2012.

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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