Melismas Vocais e Virtuosismos Instrumentais

Saiba quando e como usar os recursos técnicos do melisma vocal no louvor


A técnica do melisma vocal ainda divide opiniões. Alguns acreditam que ela seja um recurso de ornamentação da melodia realizado por cantores de qualidade apurada. Outros pensam que se trata meramente de exibicionismo vocal. Em meio às opiniões divididas, o fato é que a técnica do melisma vive uma fase de saturação. Isso pode ser bom, pois os cantores poderão usar os melismas de maneira menos frequente e, assim, valorizá-los sem banalizar seu uso. Afinal, é importante que o cantor saiba dosar um recurso técnico. Quem não tem essa noção, abusa do melisma: cada verso, um floreio; cada curva, uma “cantada de pneu”.

Os melismas vêm de tempos antigos e comparecem em cantos gregorianos da Idade Média, músicas judaicas, árabes, do leste asiático e de regiões africanas. Trata-se, portanto, de um recurso para ornamentar a melodia em diversas culturas ao redor do mundo e não de uma invenção da música pop ou da música gospel contemporânea.

Há pessoas que acham que os melismas são um excesso que confunde o canto e o culto e, por isso, elas recomendam que o mais adequado é o canto simples entoado sem esforço e com clareza na pronúncia das palavras[*]. Não se pode negar que, quando o anasalamento da voz é exagerado e a dicção é distorcida, certas palavras podem soar incompreensíveis. Muitos cantores americanos costumam distorcer a pronúncia de várias palavras e alguns cantores brasileiros tentam reproduzir essa prática cantando em português, o que nem sempre soa conveniente, pois a atenção do ouvinte é desviada para a estranheza da pronúncia e os cantores se tornam alvo de imitação de trejeitos.

Por outro lado, é bem provável que os críticos que acusam o melisma de ser uma exibição gratuita de virtuosismo sejam os mesmos que apreciam um violinista ou um saxofonista improvisando floreios em um hino. Parece que, quando se demonstra habilidade instrumental, isso é excelência técnica, e quando se demonstra habilidade vocal, então isso é exibicionismo profano.

Há outro fator: muitos ouvintes acham que “bom” mesmo é o músico que improvisa firulas rápidas e sem moderação, e não aquele que usa recursos técnicos com eficiência e economia. Seja qual for o caso, precisamos considerar o lugar e o momento. A destreza técnica é admirável e, se usada de maneira pontual durante a execução de uma música na igreja, transmitirá uma combinação de habilidade com senso de adequação. Tudo deve ser usado para edificar a congregação.

Não quero dizer que as mensagens musicais não possam ser apresentadas com muita habilidade e alto nível técnico de desempenho. Na verdade, a Bíblia diz: “Tocai com arte e com júbilo” (Salmo 33:3). A Nova Versão Internacional traduz o mesmo salmo assim: “Toquem com habilidade ao aclamá-Lo”. Está bem claro que a excelência técnica, de acordo com as habilidades de cada um, não deve ser descartada. A questão é desenvolver o senso adequado do lugar e do momento para que a congregação seja elevada espiritualmente e enlevada artisticamente.

Vamos a dois exemplos práticos:

Quando me perguntam sobre o tipo de música para tocar durante o ofertório, eu digo que esse é um ótimo momento para tocar músicas que inspiram devoção, reverência ou um senso de sublime. Se é um solista que vai apresentar uma peça instrumental, minha sugestão é que se saiba dosar a técnica de performance, evitando demonstrações excessivas de virtuosismo para não transformar a congregação numa plateia de sala de concertos.

Durante uma música cantada ao final de um sermão pastoral, é preciso saber usar com moderação a técnica de melismas e os gestos do corpo. Do contrário, a voz soará tão inconveniente quanto um pianista fazendo fortíssimosglissandos e trinados no “fundo musical” de um apelo.

É preciso não só desenvolver a consciência do lugar da voz, isto é, em que trechos da música inserir um recurso vocal de embelezamento, mas também é necessário que se tenha a noção da voz no lugar, isto é, adequar os recursos vocais aos ambientes e momentos em que se vai cantar. Ao participar dos momentos musicais na igreja, o músico cristão não deveria perder o senso do lugar em que está e do propósito da adoração. Ter sempre um cântico no coração nem sempre é suficiente. É preciso ter consciência ao se entoar um cântico para tantas pessoas diferentes reunidas no mesmo lugar.


Joêzer Mendonça, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo. É professor na PUC-PR e autor do livro Música e Religião na Era do Pop


Fonte: Revista Adventista


Notas dos editores do Música Sacra e Adoração:

[*] Normalmente essas recomendações reproduzem os seguintes conselhos de Ellen G. White a esse respeito:

“Não é o cantar forte que é necessário, mas a entonação clara, a pronúncia correta, e a perfeita enunciação. Que todos dediquem tempo para cultivar a voz, de maneira que o louvor de Deus seja entoado em tons claros e brandos, não com asperezas, que ofendam ao ouvido. A faculdade de cantar é um dom de Deus; seja ela usada para Sua glória.” (Evangelismo, p. 504)

“Os que fazem do canto uma parte do culto divino, devem escolher hinos com música apropriada para a ocasião, não notas de funeral, porém melodias alegres, e todavia solenes. A voz pode e deve ser modulada, suavizada e dominada.” (Evangelismo, p. 508)

“Pensam alguns que, quanto mais alto cantarem, tanto mais música fazem; barulho, porém, não é música. O bom canto é como a melodia dos pássaros – dominado e melodioso.” (Evangelismo, p. 510)

Autor: Joêzer Mendonça

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