A música, dada ao mundo para servir a humanidade, melhor cumpre o seu objetivo quando sabemos escolher aquilo que não foi corrompido ou manchado pela associação com um emprego pecaminoso. Devemos sempre ter presente que a “música, a maior e mais sutil das artes, tem mais poder para o bem ou para o mal, do que qualquer outro agente”.
“A música” disse Lutero, “é a arte dos profetas; a única que como a teologia. pode acalmar as perturbações da alma e pôr em fuga Satanás”.
Que espécie de música poderá fazer isso por nós, no sábado?
Primeiro, os hinos naturalmente. Toda a melodia familiar de algum hino traz ao espírito um pensamento da Divindade – pois os hinos são preces palavras de adoração e louvor, postas em verso.
Dentre os milhares de hinos evangélicos que vieram à luz, muitos são superficiais e efêmeros, mas outros revelam valor e qualidade de conteúdo. Estes, produto de momentos de profunda impressão e experiência espirituais, tem sido, através dos anos, em reuniões evangelisticas e outras atividades, o meio de alcançar multidões com o chamado ao arrependimento e à conversão. Quem negará, por exemplo, o tocante poder de “Quase Induzido!”, “Que Segurança!”, “Noventa e Nove Ovelhas”, “Rude Cruz se Erigiu”, e tantos outros?
Coros e hinos devem ser cantados. São instrumentos de Deus, por meio dos quais eternas verdades são apenas “o princípio, e não o objetivo principal no culto ou louvor. O que é de lastimar é que tantas pessoas religiosas se contentam com ser apenas cantores desses hinos, tanto na igreja como no lar, e não procuram progredir em sua expressão de louvor a Deus”. – Harvey B. Marks.
Quer estejamos tocando hinos, quer comprando discos, devemos saber fazer a escolha. Há o perigo de tocarmos os hinos, ao piano ou outro instrumento qualquer, de modo rude ou desvirtuado. Um hino pode ser prejudicado em sua beleza original, pela introdução de síncopes, acordes ou passagens cromáticas no acompanhamento. Não queremos com isso dizer que cada uma das quatro vozes deva observar toda a rigidez do compasso ou das notas indicadas nos hinários, mas qualquer acréscimo de notas ou outra modificação deve ser feita obedecendo a determinadas restrições, e com critério artístico, a fim de que seja para a glória de Deus. O emprego de qualquer subtileza de técnica que cheire a salão de baile, é indigno; assim, também, o uso afetado do trêmulo no órgão, ou sentimentalismo piegas, em qualquer instrumento.
Segundo, a música sacra, vocal ou instrumental, denotando pelo estilo e conteúdo seu tema religioso, é em geral perfeitamente aceitável para ser tocada ou ouvida no sábado.
Os grandes oratórios – dos quais conhecemos tão pouco[1] – oferecem ilimitada inspiração e deleite no sábado. Eis, por exemplo, os oratórios de “São Paulo” e “Elias“, de Mendelssohn; o “A Criação” de Haydn; o “O Messias” e outros, de Haendel; o “A Paixão Segundo São Mateus“, de Bach; e outros oratórios, de compositores como Brahms e Franck.
Há cantatas como, por exemplo, “A Crucifixão“, de John Stainer, e outras, dignas de nosso mais alto respeito e apreço. É interessante familiarizar-nos com essas obras magníficas, e não há melhor ocasião do que o sábado, para encher-nos a alma com semelhantes mensagens musicais. (Subentende-se, naturalmente, que ao ouvirmos ou tocarmos essas músicas no sábado, o façamos com toda a circunspeção e bom gosto, e não estejamos apenas a ensaiar desordenadamente os dedos ao piano, ou outro instrumento).
Terceiro, a música sacra tem seu lugar no sábado, se houver uma seleção discreta de composições que se adaptem ao espírito do sábado e se conformem acertas normas de correção artística.
Dentre as músicas clássicas, há peças perfeitamente apropriadas ao uso do sábado. Muita coisa também existe, porém, que não traria honra ao sábado, e não nos devemos permitir ouvi-la ou tocá-la. Saber discriminar entre o bom e o objetável começa com a nossa sinceridade em tocar e ouvir unicamente músicas que fortaleçam todos os pensamentos nas coisas divinas.
A música clássica não tem letra; entretanto, tem o condão de despertar cadeias de pensamentos nem sempre relacionados com estilo e forma da composição propriamente dita. Uma melodia que em nosso espírito se ache ligada a determinadas circunstâncias em que a ouvimos muitas vezes, continuará, por associação de idéias, a evocar, nas horas sagradas do sábado, as mesmas lembranças.
Assim, são impróprias para o sábado as músicas de ópera; também o são as músicas da variedade de modinhas amorosas, e aquelas que são por demais repetidas no rádio e televisão, e que assim perderam a aura da excelência. A música boa, que por algum tempo tenha sido cantada a toda hora, pode também, por isso, perder o caráter singular e “especial”. Convirá não usá-la no sábado, enquanto for assim “batida”. Músicas “bonitas”, dessas que se tocam em restaurantes e outros lugares mesmo distintos, mas as quais sejam comuns e não inspiradoras, são frívolas demais para ser usadas no sábado.
Cada indivíduo deve avaliar sinceramente o tipo de música clássica que lhe seja de auxílio, fugindo aos extremos.
Será melhor evitar, no sábado as músicas clássicas repletas de exibições de técnicas e trechos difíceis, por amor apenas da arte. Quem quer que seja o compositor, semelhantes músicas não contribuem para a santificação do Sábado.
Em nosso lar, por exemplo, muitas vezes ouvimos os magníficos corais de Bach e as músicas, mais breves, de Albert Schweitzer para órgão, mas não consideraríamos apropriado ouvir a Suíte de Goldberg, de Bach, para piano, apesar; de ser uma peça monumental. Preferimos para começo de sábado, músicas que favoreçam a meditação, a concentração.
Vós haveis de apreciar, alguma tarde de sábado em que esteja muito frio ou chuvoso para sair ao ar livre, a Sinfonia Pastoral, de Beethoven. As crianças se entusiasmarão em reconhecer, nessa peça, os trinos dos pássaros.
Temos às nossas ordens bom número de músicas apropriadas para o sábado. Entre as sonatas, as sinfonias e as músicas de câmara existe muita coisa bela e apropriada, embora não se possa dizer que tudo, nesse gênero, convenha ouvir no sábado. Temos sempre o dever de selecionar.
Na suavidade do crepúsculo, uma sexta-feira, ao principio do sábado, estávamos ouvindo alguns discos, quando de súbito nossa filha de treze anos exclamou:
Mamãe, a senhora ouviu?! Escute!
Prestei atenção.
Ouça, mamãe, prosseguiu ela; a orquestra está tocando “Castelo forte é nosso Deus”, entremeado com a música. Que bonito!
O disco era a Sinfonia da Reforma, de Mendelssohn. Ao último movimento serve de tema o extraordinário coral de Lutero, e Mendelssohn serviu-se também do “Amém de Dresde”, hino alternado cantado em muitas igrejas luteranas, na lenta introdução que precede o primeiro movimento.
As crianças se deliciaram. Nosso filho, que aprendera tocar “Castelo Forte” fazia pouco tempo, fremiu com a descoberta. Hoje essa sinfonia é uma de nossas músicas prediletas para o sábado. Fala-nos de fé, dedicação, espírito resoluto.
Toda pessoa que se prevaleça da grande inspiração que pode prover a música bem selecionada, será na verdade capaz de chamar “ao sábado deleitoso, e santo dia do Senhor digno de honra”.
Notas:
* Agradecemos à Loide Simon pela contribuição ao Música Sacra e Adoração
Interessantíssimo notar que o presente texto foi escrito em 1977, e o fato de a música sacra estar sendo esquecida já era uma realidade dolorida. Ao invés de acontecer um processo de aproximação entre adorador e música sacra, cada vez mais o abismo construído pelo primeiro se faz devastador. Observações como esta fazem desse artigo um algo super atual para nós adoradores do século XXI (Nota dos editores do Música Sacra e Adoração).
Fonte: Revista Adventista. Dezembro de 1977, págs. 39-40.
Autor: Elsie Landon Buck