O impacto das teologias de libertação sobre a igreja (Parte 2/4)

Principais noções da teologia da libertação latino-americana e suas implicações para a igreja.

Como indicado, a teologia da libertação emergiu no fim da década de 1960. Hoje o movimento passou por uma evolução e os mais recentes escritos libertacionistas evidenciam que seu pensamento passou por um processo de mudanças e refinamentos. [18] A estrutura fundamental da teologia da libertação, no entanto, continua a mesma. Há na teologia da libertação a convergência de três noções principais que permanecem inalteradas e são fundamentais para o seu entendimento em relação ao objeto do presente estudo.

a) A natureza contextual da teologia 

No centro da teologia da libertação está a compreensão da natureza contextual da teologia. Teólogos da libertação são profundamente convictos de que a teologia é, de fato, condicionada ao seu contexto social para ver e interpretar o evangelho. Assim, a diferença fundamental na situação da América Latina, apontam eles, clamava por uma drástica e deliberada rejeição de todas as formulações teológicas importadas. 

Baseando-se nas conclusões da sociologia do conhecimento, a teologia da libertação afirma que há conflitos socioeconômicos inevitáveis a todo conhecimento e reflexão humana, e a teologia não é uma exceção. O “Conhecimento”, aponta o teólogo da libertação Jon Sobrino, “sempre contém […] implícita ou explicitamente uma relação de práxis e caráter ético”.[19] O cerne da questão é que simplesmente não há conhecimento neutro. Nesse ponto, a teologia da libertação representa uma séria crítica à alegação de “objetividade” e da neutralidade ideológica do empreendimento teológico tradicional. Esse discernimento, ainda mais refinado, leva à conclusão de que toda a reflexão teológica falha de um lado ou de outro do eixo oprimido-opressor. Portanto, argumenta-se que limitada e condicionada pelo contexto histórico de riquezas, a teologia ocidental ou do Atlântico Norte, conscientemente ou não, tem funcionado como um instrumento ideológico do sistema capitalista e das classes políticas dominantes para preservar o status quo ou sacramentar, no caso, a opção política reacionária conveniente.[20]

Para os teólogos da libertação, toda a teologia é política, mesmo quando não fala ou pensa em termos políticos. Assim, a diferença entre a teologia da libertação e a teologia acadêmica, enfatiza-se, não é, de fato, que a primeira é política e a segunda apolítica, mas que, enquanto a segunda nega sua relação com a política, a anterior consciente e explicitamente a aceita.[21] Essa visão comum a todos os tipos de teologias da libertação pressupõe não só uma instância advocatícia (ou seja, parcial e conscientemente aceita pela teologia e pela igreja) em favor dos oprimidos, mas também uma releitura das Escrituras a partir de suas perspectivas. Negativamente, essa releitura das Escrituras inclui uma desideologização seguida por uma reideologização para prover apoio e legitimação para o programa libertacionista. Assim, o amor cristão não é necessariamente contra a luta, ainda mais a luta de classes. Salvação e libertação são realidades complementares. Conversão é fundamentalmente “conversão ao próximo”. O pecado é mais um fato histórico e social; e a luta para construir uma sociedade justa é parte integral e indispensável da agenda da igreja.

Assim compreendido, tratando do seu contexto de opressão, o que os teólogos da libertação propõem não é simplesmente uma teologia que lida com as questões de libertação, mas, em vez disso, uma teologia que tenta reatualizar a fé, a doutrina e a vida cristã como um todo a partir da perspectiva de seus interesses culturais. Assim, enquanto acusa a interpretação bíblica tradicional como ideológica, a hermenêutica libertacionista não está livre de sua própria inclinação ideológica. Sob a influência das mais sutis formas de cativeiro, cometem o mesmo erro dos estudiosos que pretendem refutar, aparentando, igualmente, serem incapazes de ouvir a voz de Deus nas Escrituras.

b) A prioridade da práxis

Percebendo a situação político-econômica da América Latina não só como um desafio à consciência cristã, mas também como uma expressão dos “sinais dos tempos”, que é um locus e um chamado teológico de Deus, os teólogos da libertação têm trazido à tona a tradicional tarefa de reflexão teológica. Que estrutura deveria o processo metodológico e hermenêutico adotar para que a teologia possa verdadeiramente estar com a necessidade de libertação daqueles que são explorados, desprezados e oprimidos? A fim de dar uma resposta adequada a essa questão básica, os teólogos da libertação concluíram que era necessário fazer um desafio radical na metodologia teológica tradicional.

A teologia ocidental, tradicionalmente elaborada a partir da perspectiva do idealismo filosófico, tem sido notória por seu caráter abstrato. Geralmente começando com categorias filosóficas e metafísicas e, principalmente, interessados na interpretação de um determinado conjunto de conceitos religiosos, tornou-se uma espécie de fuga mundi, quase sem nenhuma referência à realidade concreta. Em tempos mais recentes, como geralmente indicado, preocupada com a secularização e consequente perda da fé pelo homem em um mundo científico, a primeira pergunta da teologia contemporânea tem sido como falar sobre Deus em um “world come of age”.

Na situação da América Latina, marcada pela esmagadora presença dos pobres, uma vez que a principal motivação em fazer teologia não é a racionalidade, mas de transformação, e o interlocutor ou “sujeito histórico” da teologia da libertação não é o incrédulo, mas o oprimido; a convicção levantada é de que a teologia deve ter uma função em particular. Para ser relevante, uma vez que os pobres não estão fazendo perguntas teóricas sobre realidades invisíveis e estão imediatamente mais interessados na “vida após o parto” do que na “vida após a morte”, a teologia não poderia mais começar com a metafísica tradicionalista clássica, mas a partir da situação concreta da pobreza e da opressão em que a maioria da América Latina subsiste. Esse, de acordo com J. Miguéz Bonino, ilustre protestante teólogo da libertação, é “o único ponto de partida possível”.[22]

O primeiro passo na tarefa teológica, portanto, era não mais recorrer à Bíblia ou à tradição dogmática e somente, então, tentar aplicar uma teoria assim adquirida a uma situação concreta como era tradicionalmente compreendida dentro de uma dinâmica word-action. Teologia da libertação, de acordo com a compreensão moderna da relação entre teoria e práxis, resulta em um passo decisivo para recolocar esse modelo por uma dinâmica word-action.

A compreensão tradicional que pressupõe a existência de uma verdade pré-existente absoluta, independente de sua efetividade histórica, foi rejeitada. Para os teólogos da libertação, influenciados aqui principalmente por Karl Marx, o pressuposto epistemológico básico é que a verdade não está no campo das ideias, mas no plano histórico de ação. “Ação em si é a verdade.”[23] Conhecer a verdade vai além de afirmações sobre as questões básicas do tema de “fazendo a verdade” encontrado nos discursos do Johanine Christ, é fazer a verdade. Dessa percepção, isto é, que a verdade é conhecida não na abstratividade, mas na práxis[24] mediante a atuação na história, segue a afirmação da prioridade da “ação correta” (ortopraxia) sobre a “crença correta” (ortodoxia).[25]

Afirmando a primazia da ação sobre a crença, e insistindo que a igreja pode conceber sua fé tão-somente quando engajada em praticá-la, a teologia da libertação, consistentemente, defende que “o compromisso ativo para com a libertação vem primeiro, e a partir dele a teologia se desenvolve”.[26] Dentro desse “novo modo de fazer teologia”, a práxis se torna a matriz geradora da atividade teológica. Como defendida por Gustavo Gutiérrez, a teologia é a reflexão da práxis, um segundo passo, que a “segue” ou “vem depois”. Na frase extraída Hegel, Gutiérrez insiste, “nasce ao pôr do sol.” Na frase extraída de Hegel, Gutiérrez insiste, “nasce ao pôr do sol”.[27]

Deve-se notar, entretanto, que na base da própria natureza da teologia cristã, todavia, a argumentação libertacionista pela prioridade da práxis revolucionária sobre a teoria deve ser seriamente combatida como a mais completa subversão à identidade do conteúdo teológico e uma ameaça à estrutura fundamental da fé cristã. A revelação de Deus, acessível por meio de um tipo particular de teoria, ou seja, a palavra escrita das Escrituras, não só tem primazia sobre a práxis humana, mas, também, determina e julga qual é a práxis correta.[28]

c) A visão “From Below

Apesar da importância decisiva da inversão metodológica libertacionista, fazendo da práxis o centro de gravidade em torno da qual a atividade teológica gira, os teólogos libertacionistas perceberam que “não é o suficiente dizer que a práxis é o primeiro ato”.[29] Na verdade, o verdadeiro novum hermenêutico-metodológico da teologia da libertação não vem da ênfase de que a teologia deve emergir da práxis (outros teólogos europeus contemporâneos também advogam a primazia da práxis sobre a teoria). Em vez disso, emerge em relação ao sujeito histórico dessa práxis. Gutiérrez insiste: “Não é o suficiente saber que a práxis deve preceder a reflexão: devemos, também, compreender que o sujeito histórico dessa práxis é o pobre […] as pessoas que foram excluídas das páginas da história.”[30]

Nesse ponto, os pobres são introduzidos na arena teológica como parte integrante da metodologia libertacionista, não apenas como o ponto de partida privilegiado da atividade teológica, mas como a chave hermenêutica “para uma compreensão do significado da libertação e do significado da revelação de um Deus libertador”.[31] Portanto, não é de se surpreender que, para Gutiérrez, “sem os pobres como protagonistas, a teologia degenera em exercício acadêmico”[32], ou que sem ele (o pobre), como o teólogo argentino Henrique Dussel, considerado o historiador do movimento, afirma, “a fé se torna ideologia, mera doutrina, obscuridade”.[33]

Para os teólogos da libertação, a história, até agora, tem sido interpretada “do ponto de vista dos ‘vencedores’, dos governantes ou da burguesia”.[34] A Teologia, em si, tem sido “escrita por brancos, por mãos burguesas do ocidente”.[35] A teologia da libertação vê como sua tarefa primária reinterpretar a história e a teologia para reconstrui-las, isto é, do ponto de vista oposto, da perspectiva do pobre. “Nossa tarefa primária hoje”, escreve Gutiérrez, “é a reler a história da perspectiva dos pobres, dos humilhados e rejeitados pela sociedade”. Em outra parte, escreve ele, “queremos fazer teologia a partir do ‘outro’, a partir de um ponto de vista exterior a nós mesmos”.[36]

A reflexão teológica a partir da perspectiva dos pobres, no entanto, não ocorre em um vácuo. Convencido de que há uma barreira da Palavra de Deus agora sendo erguida em um cativeiro sistêmico resultante de muitas mediações falsas no passado, particularmente a inclusão intersistemática da interpretação bíblica dentro do sistema capitalista, teólogos libertacionistas afirmam que o chamado de Deus não está diretamente acessível. A palavra de Deus é mediada hoje pelo clamor dos pobres.[37] Para teólogos libertacionistas, Deus não é conhecido mediante a reflexão ontológica, mas por intermédio dos pobres e sua práxis libertadora. Se para R. Niebuhr a revelação é incompreensível do ponto de vista do espectador,[38] Gutiérrez vai mais além, insistindo que apenas alguém adotando a perspectiva da pobreza, isto é, a perspectiva do oprimido engajado na luta pela libertação, pode ouvir a palavra de Deus. Portanto, parece claro que a teologia, tal como proposta pelos libertacionistas latino-americanos, é dependente não apenas de um compromisso teológico para com os pobres, mas, também, de uma militância política em sua luta. Com essa noção em mente, fica evidente o que é exigido da igreja em relação à natureza de sua “escolha pelos pobres”. Trataremos disso posteriormente.

O papel do marxismo na teologia da libertação

Antes de voltarmos nossa atenção para as particularidades de nossa discussão, uma questão a mais precisa ser considerada: o papel do marxismo na teologia da libertação.[39] Em primeiro lugar, devemos ter em mente que se detecta uma diferença notável entre os teólogos libertacionistas em relação ao nível de proximidade com o marxismo. Apesar de uma impressão negativa em larga escala, os teólogos libertacionistas não são marxistas dogmáticos ou acríticos em sua adoção de vertentes marxistas, ainda que suas formulações não estejam livres de ambiguidades em relação a isso.[40] Além do mais, entre os escritores libertacionistas mais recentes, como Paul E. Sigmund observa, “há uma postura mais flexível para com o marxismo”.[41]

Como indicado anteriormente, a teologia ocidental tem, consistentemente, tratado a Teologia em moldes filosóficos. Sob a influência do racionalismo grego, os teólogos têm procurado relacionar a fé com os modelos de pensamentos contemporâneos em vez dos problemas socioeconômicos e políticos, tendendo, portanto, a negligenciar questões concretas enfrentadas pelos mais amplos segmentos da sociedade na vida diária. Nesse ponto, desde que os pobres estão condicionados pelo social em vez de estar condicionados pela filosofia latino-americana, a teologia da libertação rompe com as antigas formas de teologia.[42] Na contramão das abordagens filosóficas tradicionais para com a realidade, os teólogos da libertação, influenciados pela presença inevitável da extrema pobreza em seu continente, escolheram as ciências sociais como referenciais para o diálogo, endossando a análise marxista da situação latino-americana em termos da teoria da dominação e da luta de classes. O tratado marxista da dialética da história, com sua noção implícita de que a sociedade está polarizada em dois grupos: os opressores e oprimidos,[43] aparenta, de fato, fornecer um método para propagar a libertação em uma situação a qual, até agora, administrada para neutralizar todas as forças progressivas de mudança.

Para evitar a espiritualização dos termos pobres e pobreza, tão comum na exegese da igreja tradicional, e desvirtuar o movimento libertacionista, a identidade do pobre e o aspecto de sua situação, portanto, são determinados, cientificamente, pela análise marxista a partir do contexto político e econômico da América Latina. É a “luta de classes”, a pedra angular da visão marxista da história, que a situação está definida. Como aponta Gutiérrez, “a teologia da libertação classifica as pessoas não como crentes e descrentes, mas como opressores ou oprimidos”.[44]

Essa visão de mundo em que se encontra a igreja latino-americana, naturalmente, como era de se esperar, coloca a agenda da igreja em uma visão radical da sua participação na Mission Dei. A igreja deve sair do gueto na cultura e participar do processo revolucionário, um envolvimento que se baseia no “senso marxista da participação na luta de classes para a criação de uma nova sociedade”.[45] Desde que a existência do pobre, como demonstrada pela analise social, “não é politicamente neutra, nem eticamente inocente”,[46] uma ação efetiva para com o pobre demanda não meros discursos e apelos vazios em defesa da “dignidade humana”, ou, até mesmo, ações generosas, mas, sim, caridade política, i.e., uma posição política decisiva contra as raízes profundas da pobreza, que se encontram em ampla contradição com o evangelho de Jesus Cristo.

Como Gutiérrez destaca, solidariedade e amor cristão para com os oprimidos, para ser relevante, devem se manifestar em opção de classe.[47] Tal compromisso, para estar certo, está ligado a causar divisão na igreja e representa um problema para a sua unidade, assim como para a universalidade do amor cristão.[48] Agora, embora a igreja deva trabalhar pela reconciliação, alega-se que não pode haver reconciliação até que os muros de classe, raça e cultura que dividem a sociedade latino-americana, assim como a circunscrição da igreja, sejam destruídos.

Fortemente influenciados por seus estudos marxistas,[49] os teólogos libertacionistas não limitam suas apropriações dos pensamentos de Marx acerca do conceito de práxis como o ponto de partida para a reflexão teológica ou como a sua visão da sociedade. Sem exagerar, Gerard Berghoef e Lester Dekoster destacam quatro elementos marxistas centrais nos escritos dos teólogos libertacionistas: (a) a luta de classes, (b) a rejeição da propriedade privada dos meios de produção, (c) a promoção da evolução e (d) a crença na redenção mediante o desenvolvimento do “novo homem”.[50] De fato, verifica-se uma convergência notável entre alguns pontos de vista sustentados pela teologia da libertação e o pensamento marxista. A antropologia e escatologia marxista, particularmente, expressadas na noção do proletariado como classe com um destino especial na história, parece evidente nos teólogos libertacionistas.[51]

Além do mais, os teólogos da libertação não só tendem a definir os pobres em termos categoricamente marxistas, mas, ironicamente, na tentativa de se desviar da tradicional interpretação “romantizada”, eles também acabam adotando, com frequência, visões dogmáticas e “romantizadas” do marxismo acerca do proletariado sem pecado. A sociedade se divide, de forma polarizada, entre oprimidos e opressores, e a impressão passada é de que os primeiros são os mocinhos e os últimos os bandidos, com a ideia subjacente de que tão-somente os ricos com sua estrutura capitalista são responsáveis pelo mal[52] e, sugerindo, que, como John Mckenzie nota em sua resenha de Miranda’s Marx and the Bible, “não há nada de errado com os pobres, exceto que eles são pobres”.[53]

Essa noção, que tende a associar os opressores com o pecado e oprimidos com a virtude, parece ser uma nova formulação na dialética santos-e-pecadores do cristianismo e é, muito frequentemente, uma divisão super simplista entre o bem e o mal. Isso negligencia, fundamentalmente, o fato de que o pecado envolve mais do que o pecado de “estruturas opressivas”. Embora não seja completamente errada, essa visão é superficial. Os teólogos da libertação parecem não prestar atenção suficiente à falha básica de Marx para entender a verdadeira natureza da alienação do ser humano: rebelião contra Deus como revelado e exposto na revelação bíblica.

As ideias marxistas também são uma parte integrante do método hermenêutico da teologia da libertação marcada pela seletividade e radicalização. Voltando-se para a Bíblia, depois de seu compromisso com a análise de classe marxista da sociedade tida como indispensável na pré-compreensão das Escrituras, elas tendem a colocar a Palavra de Deus em uma camisa-de-força hermenêutica. Assim fazendo, os teólogos da libertação correm o risco, por um lado, de criar uma abordagem neomarcionita das Escrituras pela qual apenas certas partes são selecionadas como testemunha aceitável da revelação autêntica de Deus hoje. Por outro lado, há também o risco de uma prática hermenêutica neoalexandrina, que usa o texto, basicamente, de uma forma descontroladamente paradigmática, figurativa e inspiradora. Em ambos os casos, a impressão dada é de que a Bíblia está sendo usada para sustentar posições desenvolvidas fora de sua órbita.[54]

Como indicado antes, os teólogos da libertação não são pouco exigentes no sentido crítico na sua apropriação do marxismo. No entanto, mesmo tendo em consideração seus sérios esforços para isolar o marxismo como uma ferramenta instrumental de análise social do marxismo sistêmico como um todo, questiona-se se é possível separar as partes desse complexo epistemologicamente único. Não é de surpreender que o pronunciamento do Vaticano sobre a teologia da libertação tenha alertado contra o perigo de “abraçar certos elementos de análise marxista sem levar devidamente em conta sua relação com tal ideologia”.[55] Além do mais, pode uma ideologia que traça as origens de toda a alienação às lutas de classe ser um guia autônomo para o compromisso da igreja? Dando ao marxismo uma importância quase “religiosa”, os teólogos da libertação também aceitam facilmente a definição da condição humana e as possibilidades como os oferecidos por uma ideologia de uma classe orientada que é resistente tanto de acordo com os fatos históricos quanto com a revelação bíblica.

Referências:

[18] Para uma discussão esclarecedora sobre essas mudanças, ver o capítulo “After Twenty Years: Liberation Theology Today,” em Paul E. Sigmund’s recent Liberation Theology at the Crossroads (Oxford: Oxford University Press, 1990) p. 176-198). Sigmund aponta seis áreas em que as vertentes  dos principais teólogos da libertação latino-americanos são, claramente, discerníveis. Na parte final do livro, Sigmund inclui dois artigos de Gustavo Gutiérrez; quando se comparam os dois (publicados, respectivamente, em 1970 e 1984), fica evidente que o pensamento de Gutiérrez, como ocorreu com outros libertacionistas, mudou consideravelmente.

[19] Jon Sobrino, “Theologisches Erkennen in der europaischen und lateinamerikanischen Theologie”, in Karl Rahner et al., Befreiende Theologie (Sttutgart: Kaolkammwer, 19977), p. 124. A questão básica da sociologia do conhecimento é que não há tal coisa de “conhecimento autônomo”. Como Reinhold Niebuhr diz: “Todo conhecimento é afetado por um ‘manto ideológico’; The Nature and Destiny of Man (New York: Charles Scribner’s Sons, 1964), p. 194. Em outras palavras, não há conhecimento que não esteja intimamente ligado a alguma situação vivida. Para uma discussão geral do assunto, ver James E. Curtis and W. Petras, eds., The Sociology of Knowledge: A Reader (New York: Praeger, 1970), cap. 1 e 2.

[20] Teólogos da libertação, como vimos, afirmam que a reflexão teológica oriunda da Europa e dos Estados Unidos, alegada e meramente interpretativa, tem servido como uma ferramenta ideológica do status quo para legitimizar situações de opressão (Gutiérrez, A Theology, p. 249). O ponto em questão não é que os teólogos ocidentais deliberadamente intencionaram interpretar a Bíblia de maneira opressora, mas os valores, metas e interesses de seu contexto capitalista, dos quais a reflexão teológica surge, afetam a leitura das Escrituras. Ver Justo and Catherine González, Liberating Preaching (Nashville: Abingdon Press, 1980), p. 13.

[21] Teólogos da libertação estão inquestionavelmente certos quanto a sua posição de que ninguém é capaz de ser absolutamente objetivo interpretando a Bíblia. Nesse ponto, eles têm chamado a atenção para uma questão hermenêutica crucial. O problema surge, todavia, quando eles dão a impressão de que a objetividade não possui valor. Evidentemente, a tentativa de ser objetivo reforça a capacidade de ser autocrítico; embora não possa haver esforços ilusórios de manter qualquer distanciamento crítico de qualquer forma de apologia. Os intérpretes da Bíblia, em particular, têm a obrigação moral de ser fiéis à intencionalidade do texto, internamente definido. Não importa quão justa ou preocupante seja a causa do oprimido, o significado de um texto não deve ser distorcido ou deturpado por qualquer interpretação seletiva para apoiar a causa. Além do mais, embora devamos admitir que, em um maior ou menor grau, muito da tradicional interpretação da Bíblia tem sido condicionada pelo ocidente abastado, que tem criado um entendimento dos “ricos”, dos “homens” ou dos “brancos” da obra de Deus; a resposta, entretanto, não é trocar uma possível interpretação sociológica parcial enfatizando, igualmente, uma outra interpretação sociológica parcial. O tipo de arrependimento que a leitura clássica da Bíblia necessita não é fazer do “pobre”, da “feminista” ou do “negro” uma releitura das Escrituras, como os teólogos da libertação em geral sugerem. O verdadeiro arrependimento teológico de reconhecer que embora a teologia bíblica seja “situacionalmente relacionada”, não deve ser “situacionalmente limitada”. Teólogos devem se esforçar em tornar a Palavra de Deus relevante em seu contexto; do mesmo modo, devem, também, fazer um genuíno esforço para superar seu cativeiro ideológico. Isso vale, verdadeiramente, não menos para teólogos da libertação do que para teólogos “acadêmicos”. Somente então a teologia será capaz de distinguir a voz de sua própria cultura do soberano Deus falando por meio da autoridade bíblica.

[22] José Míguez Bonino, Doing Theology in a Revolutionary Situation (Philadelphia: Fortress Press, 1979), p. 72.

[23] Míguez Bonino, Doing Theology, p. 72.

[24] Práxis (termo dificilmente usado sem equívocos pelos teólogos libertacionistas), deve-se notar, é um termo técnico no Marxismo que abrange aquelas atividades capazes de transformar a realidade e a sociedade. É mais do que simplesmente envolver-se em uma situação ou em uma “prática”. É um tipo particular de envolvimento (isto é, marxismo de classes) dentro da situação histórica. Teologia como “reflexão crítica da práxis sob a luz da fé” (Gutierrez, A Teologia da Libertação), p. 11-15) aponta para uma contínua interação entre reflexão e ação.

[25] Como um resultado da inversão da relação tradicional entre teoria e prática, “uma mudança copérnica na teologia” tomou lugar e continuidade entre essa forma de teologia, definida como “uma reflexão sobre a práxis cristã sob a luz da Palavra”, e a teologia “acadêmica” tornara-se quase impossível. Com sua agressividade habitual, o teólogo da libertação brasileiro Hugo Assmann afirma que “a estrada está fechada a qualquer tipo de reflexão que representa refugiar-se em um mundo verbal revestido em densidade ontológica, o que reflete a incapacidade do homem de lidar com os verdadeiros problemas”; Oppression-liberation, Desafio a los Cristianos (Montevideo: Tierra Nueva, 1971), p. 87.

[26] Gutiérrez, “Two Theological Perspectives”, p. 247. “Essa teologia”, observa Gutierrez, ecoando a décima primeira tese de Marx contra Feuerback (“Thesis on Feuerback”, in Karl Marx and Friedrich Engels, On Religion; New York: Schochen, 1964, p. 72), “não para com a reflexão sobre o mundo, mas, em vez disso, tenta ser uma parte do processo pelo qual o mundo é transformado (A Theology, p. 15). O espaço não permite uma analise cuidadosa da ênfase da teologia da libertação sobre a prioridade da práxis e os perigos envolvidos nela. Tenho lidado com essa questão em minha tese de doutorado (ver A. Rodor, The Concept of the Poor in the Context of the Ecclesiology of Liberation Theology, ThD Dissertation: Andrews University, Berrien Spring, MI, 1986), p. 257-265).

[27] Gutiérrez, A Theology, p. 11.

[28] Além do mais, a compreensão estreita e restritiva demais da teologia da libertação sobre ortopraxia não deve obscurecer as armadilhas do pragmatismo e do funcionalismo. O conceito bíblico de “fazer”, como uma pressuposição de “conhecer”, dificilmente pode ser limitado à ação político-libertacionista concreta. A questão não é se a teologia cristã deve ou não endossar a teoria ou a práxis, mas quem ou o que determina o significado do conceito. O evangelho bíblico ou uma ideologia alógena? Ao enfatizar a unidade dialética entre a teoria e a práxis no ato da fé, teólogos libertacionistas têm recuperado um discernimento bíblico importantíssimo. Mas, em seu entusiasmo excessivo em “fazer a verdade” em sua forma social, eles correm o sério risco de confundir a totalidade da prática cristã com a práxis de sua própria cultura, grupo e interesses, perdendo de vista o caráter compreensivo da “práxis” ensinada pela Palavra de Deus.

[29] Gutiérrez, The Power of the Poor (Maryknoll, NY: OrbisnBooks, 1983), p. 202.

[30] Gutiérrez “Two Theological Perspectives”, p. 245.

[31] Gutiérrez, The Power of the Poor, p. 200.

[32] Gutiérrez, “South American Liberation Theology”, p. 116.

[33] Enrique Dussel, Domination-Liberation: A new Approach, The Mystical and Political Dimension of the Christian Faith (New York: Herder and Herder, 1974) p. 51, nota 26.

[34] Gutiérrez, “South American Liberation Theology”, p. 117.

[35] Leonardo Boff, Teologia do Cativeiro e da Libertação (Lisbon: Multinova, 1976), p. 65. Essa mudança implica que a teologia e a igreja têm sido orientadas por classes, defendendo os interesses de alguns segmentos da sociedade (“os que têm”) em detrimento de outros (“os que não têm”).

[36] Gutierrez, A Theology, p. 331. Citando um texto emprestado de Bonhoeffer, ele sumariza a decisão da teologia da libertação de trabalhar a partir do ponto de vista do pobre: “Nós aprendemos a ver os grandes acontecimentos da história do mundo sob o ponto de vista do inútil, do suspeito, do abusado, dos impotentes, dos oprimidos, do desprezado. Resumindo, do ponto de vista daquele que sofre.” Gutierrez, The Power of Poor, p. 203; cf. D. Bonhoeffer, Letter and Papers from Prison, p. 17.

[37] Ver Gutiérrez, Faith and Freedom, Horiz 2 (1979), p. 32, 38.

[38] Cf. William C. Sphon, What are they Saying about Scripture and Ethics? (New York: Paulist Press, 1984), p. 55.

[39] O papel do marxismo na teologia da libertação deve ser profundamente compreendido. Alguns críticos têm sugerido que a teologia da libertação e o marxismo são indistinguíveis, mas não é bem assim. Alguns exageros, tais como do prestigiado Colin Brown’s Dictionary of the New Testament Theology, 3 vols. (Grand Rapids MI.: Zondervan Publishing House, 1979), que trata a teologia da libertação latino-americana como “questão de guerra” (3:972-976), não são apenas injustos, mas enganosos também.

[40] Ver J. Miguel Bonino, Christian and Marxists: The Mutual Challenge to Revolution (Grand Rapids, MI.: Wm B. Eerdmans, 1979); J. Emmette Wier, “Liberation Theology, Marxist or Christian?” ExposT 90 (1978): 260-275; Juan L. Segundo, Liberation Theology (Naryknoll, NY.: Orbis Books, 1976); R. MacAffe. Brown argumenta que o marxismo pode ser considerado a partir de três perspectivas diferentes: primeiro, como uma visão do mundo, em um cenário amplo, incluindo o materialismo histórico, a inevitabilidade da luta de classes, o determinismo econômico, forte crítica à religião, etc.; segundo, não tanto uma visão globalizada do mundo, mas como um plano para a ação política; e, terceiro, principalmente, como um instrumento de análise social (Theology in a New Key, Philadelphia Westminster Press, 1978, p. 66). Nesse contexto, Brown destaca que a maioria dos teólogos libertacionistas adota o marxismo apenas como um instrumento de análise social; ver, também, Willian C. Sphon, What are they Saying About Scriprue and Ethics? (New York: Paulist Press, 1984). Enquanto Brown tende a separar a “luta de classes” da “análise social”, dando a impressão de que o primeiro não está implícito no último, Stephen Neil, com menos simpatia, critica teólogos libertacionistas pela aceitação da análise marxista da sociedade, com sua noção subjacente da luta de classes in toto, “hook, line and sinker”, em Salvation Tomorrow (Nashville Abingdon, 1976), p. 82. Para uma discussão esclarecedora da apropriação libertacionista dos construtos marxistas, ver Joseph Laishle, “Theology Trends: The Theology of Liberation”, The Way 17 (1977): p. 217-228 e p. 301-311. A questão imperiosa colocada para a teologia da libertação, no entanto, é se, no caso, ela pode usar o marxismo como uma ferramenta de análise sociológica, sem, ao mesmo tempo, adotar seu conceito de vida, de antropologia, da visão da história e da solução política (ver abaixo).

[41] Sigmund, Liberation Theology at the Crossroads, p. 177.

[42] De acordo com Philip Berryman, “é a realidade em si que impele o cristão a voltar-se para Marx” (“Latin American Liberation Theology”, ThS (1973): p. 374). Penny Lernoux também nota que “Marx ajudou os latino-americanos a entender sua situação de dependência neocolonial no capitalismo”, particularmente, por meio do “conhecimento de sua realidade que é dado o primeiro passo em direção à transformação da sociedade” (“The Long Path to Puebla”, in Puebla and Beyond, ee. John Eagleson and Philip Schraper/MaryKnoll, NY.: Orbis Books, 1979, p. 10). J. Andrew Kirk enumera as razões pelas quais o marxismo atrai, tão vigorosamente, os teólogos libertacionistas latino-americanos, em Liberation Theology (Atlanta: John Knox Press, 1979), p. 160-162. Significativamente, deve-se notar que enquanto na Europa a relação entre cristianismo e marxismo é concebida em termos de “cooperação” ou, mais precisamente, como Fidel Castro descreveu: uma “alianza estrategica” (uma “aliança estratégica”). Cp. Hugo Assmann, ed., Habla Fidel Castro sobre los cristianos revolucionarios, Montivideo: Tierra Nueva, 1972, p. 49.

[43] De acordo com o marxismo, a história da humanidade demonstra um curso e um desenvolvimento coerentes. Todas as relações entre as pessoas se baseiam nas relações dos meios de produção em “Marx, The 1844 Manuscripts;” cp. B. Ollmann, Alienation: Marx’s Critique of Man in Capitalist Society (Cambridge: University Press, 1977), caps. 2 e 3; e essas relações, devido ao sistema monetário de trocas na sociedade, têm resultado em uma luta de classes. Para Marx, “a história de toda a sociedade até aos nossos dias nada mais é do que a história da luta de classes”, em Karl Marx and Friedrich Engels, The Communist Manifesto (New York: Monthly Review Press, 1964), p. 2, 57; para um sumário, ver Hans-Lutz Poetsch, Marxism & Christianity (St. Louis, MO.: Concordia Publishing House, 1973), p. 28-44. A sociedade, portanto, consiste de dois grupos: os opressores e os oprimidos. Existem apenas duas classes que são opostas entre si: a burguesia e o proletariado (The Communist Manifesto), p. 61.

[44] Gutiérrez, South American Liberation Theology, p. 110.

[45] Stephen C. Knapp, “A Preliminary Dialog with Gutiérrez Theology of Liberation, Sojournes” (September 1976), p. 17.

[46] Gutierrez, “Liberation Theology and proclamation”, p. 59; “Faith and Freedom: Solidarity with the Alienated and Confidence in the Future”, Horiz 2 (1976), p. 34. Pobreza na América Latina, como entendem os teólogos libertacionistas, não é fatalidade, ou a “vontade de Deus”, mas o resultado da dominação massiva do capitalismo norte-americano, em “Liberation Theology and the Multinationals”, ThT 41 (1984): p. 51-60. O erudito católico romano americano Michael Novak, em seu The Spirit of Democratic Capitalism (New York: Smon & Schuster, 1982), para um sumário, ver Novak’s, “A Theology of Development for Latin America”, em R. Nash, ed,. Liberation Theology (Milford, MI.: Mott Media, 1984), p. 2-44; ver, também, Sigmund, Liberation Theology at the Crossroads, p. 143-150. Embora teólogos libertacionistas ainda culpem a maioria dos problemas da América Latina pela “dependência do capitalismo”, Sigmund observa uma mudança em relação a essa questão (p. 178, 179).

[47] Gutierrez, A Theology, p. 273. Teólogos libertacionistas não veem escolha para a igreja; “quando a igreja rejeita a luta de classes, está, objetivamente, operando como uma parte do sistema prevalecente” (ibid., p. 275). Sigmund aponta que tem havido uma atitude reformulada no pensamento libertacionista para com a possibilidade e o desejo da violência na busca pela justiça social (Liberation Theology at the Crossroads, p. 177). Parece que se encontra na teologia da libertação hoje “um reconhecimento de que o pobre não será liberto por uma transformação política cataclísmica, mas pelas atividades pessoais e organizacionais nas bases comunitárias” (ibid.).

[48] Gutierrez não ignora esse perigo (A Theology, p. 273). Em sua visão, entretanto, a divisão já existe dentro da igreja (“South American Theology”, p. 110-119). Além do mais, enquanto para os teólogos libertacionistas amor é universal, não é possível amar a todos do mesmo modo: “Amamos os oprimidos ao libertá-los de sua miséria e os opressores ao libertá-los de seu pecado… (portanto) a libertação da riqueza e a libertação do pobre são realizadas ao mesmo tempo” (Miguez Bonino, Doing Theology, p. 122; Gutierrez, A Theology, p. 285, nota 56). Para Gutierrez a questão não é “não ter inimigos, mas, em vez disso, não excluí-los do nosso amor”. “A luta, portanto, deve ser um combate efetivo e real, não de ódio” (A Theology, p. 276). A pergunta a ser feita, entretanto, é se no caso é realístico almejar a luta de classe sem a exacerbação do ódio, da violência, do ressentimento e das rivalidades que são justamente a força motriz da polarização oprimido-opressor.

[49] O teólogo da libertação Jose P. Miranda parece falar por todos quando ele afirma que “estamos todos debaixo das asas de Marx”. Marx and the Bible: A Critique of the Philosophy of Oppression (Maryknoll, NY.: Orbis Book, 1974), p. 13.

[50] Esses são identificados por Gerard Bergohoef e Lester Dekoster em “the four pillars of liberation theology”, Liberation Theology, The Church’s Future Shock (Grand Rapids, MI. Christian Liberty Press, 1984), p. 180. J. Andrews Kirk também contesta a alegação da teologia da libertação de seu uso do marxismo somente como uma “ferramenta de análise social”. Liberation Theology, An Evangelical View from the Third World (Atlanta, John Knox Press, 1979), p. 164.

[51] Encontra-se uma clara convergência entre o papel atribuído por Marx às massas proletárias e a missão que os teólogos libertacionistas atribuem aos pobres. Em ambas, a resolução da história e do processo por meio da justiça do aqui-e-agora é alcançada através da luta dos oprimidos. A utopia marxista e a visão idealista da natureza humana se refletem na visão otimista libertacionista do papel dos pobres como os criadores da justiça no processo histórico da transformação social. A escatologia de Gutierrez, por exemplo, paira sobre o trabalho do materialmente pobre. “O futuro da história”, afirma ele, “pertence ao pobre e ao explorado. A verdadeira libertação será operada pelos próprios oprimidos” (A Theology), p. 208. Eles (os pobres) são a força para transformar a história (Gutierrez, “The Irruption of the Poor”, p. 120); “os verdadeiros libertadores e artesãos da nova humanidade” (Gutierrez, “South American Theology”, p. 110, 111); “A salvação da humanidade passa por eles”, continua ele a afirmar, p. 177. “Eles são os aqueles que dão significado à história” (A Theology, p. 203). Nisso tudo, os teólogos da libertação ecoam a afirmação de Marx no Manifesto Comunista de que o proletariado “é a classe que segura o futuro em suas mãos” (cp. “Karl Marx and Frederick Engels, Selected Words (New York: International Publishers, 1968), p. 44). Marx acreditava com uma fé admirável que o proletariado são as únicas pessoas capazes de mudar o mundo. Eles destruiriam o tipo opressivo atual de sociedade, eliminando a alienação e fazendo dos homens, pela primeira vez, senhores de seu destino. É preciso, tão-somente, ensinar-lhes como mudar as coisas e eles hão de acelerar a inevitável derrubada dos sistemas capitalistas de propriedade privada. Os teólogos da libertação parecem seguir essa crença, insistindo que a identificação cristã para com os clamores [da sociedade] está destinada a ser tudo o que poderia ajudar a chegar à unidade social (cf. Míguez Bonino, Doing Theology, p. 122: Gutierrez, p. 113, 114). Ver Rodor’s Concept of the Poor, p. 161-168; 203; 281). Deve-se notar, todavia, que não há nenhuma base factual para a visão marxista da história como uma marcha inevitável em direção à libertação do proletariado e a uma sociedade sem classes. Ademais, há no tratamento dos teólogos da libertação sobre o reino uma ambiguidade sem solução. Por um lado, a tentativa de proteger a autonomia e livre criatividade do homem, eles sugerem que o reino é uma obra do homem (veja Gutierrez, Teologia, p. 122); por outro, no entanto, para proteger a soberania de Deus, eles enfatizam que o reino é, acima de tudo, uma dádiva (ibid.) p. 177.  Como Dale Vree observa, os teólogos da libertação têm bem-sucedidos em suprimir a autonomia do homem (porque o homem não pode terminar o que ele começou) e em comprometer a onipotência de Deus (porque Deus não pode iniciar o que Ele sozinho não pode terminar (“Christian Marxists”), p. 42.

[52] H. Lepoigneur refere-se a essa tendência como “o maniqueísmo da teologia da libertação” (“Theologies de la liberation et théologietout court”, Nouvelle Revue Théologique 98, 1976), p. 165-168; isto é, todo o mal vem do “outro”, do seu opressor.

[53] McKenzie, Book Review: Marx and the Bible, JBL (1976), p. 280.

[54] Um exemplo claro de dogmatismo hermenêutico libertacionista e de seletividade pode ser visto em sua interpretação do exôdo histórico. Para uma boa análise, ver Atilio R. Dupertuis, “Liberation Theology’s Use of the Exodus as a Soteriological Model” (ThD Dissertation: Andrew University, Berrien Spring, MI.: 1981).

[55] Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, “Instruction on Certain Aspects of the Theology of Liberation”, p. 18.

(Pastor Amin Rodor, ThD, é professor de Teologia Sistemática na Faculdade Adventista de Teologia, Unasp-EC. Trabalhou em diversos segmentos da IASD no Brasil e no mundo. Artigo originalmente publicado, em Inglês, sob o título “The Impact of Liberation Theologies on the Church” pelo Biblical Research Institute e, posteriormente, revisado e publicado pela revista Kerygma e pelo site Estudos Adventistas, que fez a tradução do texto original)

Leia também a Parte 1 deste estudo (clique aqui).

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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