Muita especulação surgiu através dos tempos, nas tradições judaica e cristã, sobre a natureza e obra dos anjos, bem como sobre a identificação do arcanjo Miguel. Na literatura pseudo-epígrafa, por exemplo, Miguel é apresentado como um dos sete arcanjos celestiais (I Enoque 20:1-7; 81:5; 90:21-22; Tobias 12:15), e um dos quatro que se encontram mais próximos do trono de Deus (I Enoque 9:1; 40:1-10; 54:6; 71:8, 9 e 13). Essas tradições extrabíblicas têm sido usadas por muitos comentaristas contemporâneos para alegar que Miguel é apenas um anjo, criado por Deus, que exerce a função de principal líder das hostes angélicas.
Nas Escrituras, Miguel, cujo nome significa “Quem é como Deus?”, é descrito como “arcanjo” (Jd 9), o líder das hostes angélicas no conflito com Satanás e os anjos maus (Ap 12:7), “um dos primeiros príncipes” (Dn 10:13), “vosso príncipe” (Dn 10:21) e “o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo” (Dn 12:1). Uma análise detida dessas expressões dentro do contexto bíblico deixa claro que Miguel é apresentado no texto sagrado como um Ser divino, cujas características refletem a glória messiânica do Antigo Testamento.
Miguel é apresentado em Judas 9 como o “arcanjo” que, na disputa “a respeito do corpo de Moisés” (Dt 34:5 e 6), enfrentou o diabo com as palavras: “O Senhor te repreenda!” Essa alusão identifica Miguel como o “Anjo do Senhor” que, na contenda sobre o “sumo sacerdote Josué”, disse igualmente ao diabo: “O Senhor te repreenda, ó Satanás” (Zc 3:1 e 2). É interessante notarmos que, tanto em Zacarias 3 como em Gênesis 22:11-18; Juízes 6:11-24; 13:2-22 e Atos 7:30-33 e 38, o Anjo do Senhor é identificado como sendo o próprio Senhor!
Em Apocalipse 12:7, Miguel e Satanás são apresentados em direto antagonismo, num conflito cósmico que se originou no Céu, e que se estende ao longo da história humana (Ap 12:1-17; 20:1-10). O Novo Testamento esclarece que esse conflito se polariza entre Cristo e Seus seguidores e Satanás e seus adeptos (ver Mt 4:111; Jo 12:31 e 32; 14:30; Ef 6:10-20; Cl 1:13 e 14; etc.).
Já em Daniel 10:13 e 21; 12:1, Miguel é chamado de “príncipe” e “o grande príncipe”. Em todo o restante das Escrituras, quando não aplicado a seres humanos, o título “príncipe” é usado exclusivamente para Cristo (Js 5:14 e 15; Is 9:6; Dn 8:11 e 25; 9:25; At 5:31) ou para Satanás (Jo 12:31; 14:30; 16:11; Ef 2:12), mas nunca para qualquer outro ser angelical. Em Josué 5:14 e 15, o Senhor Se apresentou a Josué como o “príncipe do exército do Senhor”, aceitando adoração, o que seria uma blasfêmia se esse príncipe fosse apenas um anjo (ver Mt 4:10; Ap 22:8 e 9), e ordenando que Josué tirasse as suas sandálias porque o lugar se tornara santo (ver Êx 3:4-6; At 7:30-33). No próprio livro de Daniel, Cristo é chamado também de “príncipe do exército” (Dn 8:11) e “Princípe dos Princípes” (Dn 8:25).
Uma das características básicas do conteúdo profético do livro de Daniel é a “repetição para ampliação”. Cada uma das quatro grandes seções proféticas do livro emprega símbolos diferentes para descrever a mesma seqüência profética, culminando sempre com a manifestação gloriosa de Cristo para a implantação do Seu reino eterno. Essa manifestação de Cristo é simbolizada em Daniel 2, pela pedra cortada sem auxílio de mãos (versos 34 e 35; 44 e 45; comparar com At 4:11; Ef 2:20; I Pe 2:4-8); em Daniel 7, pelo aparecimento do Filho do Homem (verso 13; comparar com Mt 16:27; 24-27 e 30; 25:31 e 32; etc.); em Daniel 8, pelo surgimento do Príncipe dos Príncipes (verso 25; comparar com Ap 19:11-21); e, finalmente, em Daniel 10-12, pela vinda de “Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo” (capítulo 12:1; comparar com Sl 91). Alegar que Miguel seja um simples anjo significa quebrar o paralelismo estrutural do livro.
Fundamentados nas semelhanças que a Bíblia apresenta entre as características da missão do Arcanjo Miguel com as de Cristo, podemos concordar com outros comentaristas, como João Calvino e Matthew Henry, que identificam Miguel como Cristo.
Artigo de autoria do Dr. Alberto Timm, publicado na Revista Sinais dos Tempos, agosto de 1998, p. 29.
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