Resenha: “A Anatomia de uma dor”, de C. S. Lewis

Você já passou pela experiência de querer expressar determinados sentimentos, mas não conseguir colocar em palavras? Aposto que sim. E já lhe aconteceu de um dia encontrar esses sentimentos expressos por outra pessoa e captando exatamente o que vai no seu coração? Tenho quase certeza que sim. Comigo isso aconteceu algumas vezes e acredito que a sensação que tal fato gera, tanto em mim quanto nas demais pessoas, é a de identificação. De repente, deixamos de nos sentir sozinhos e percebemos que há pessoas que entendem o que estamos sentindo. Ver esses sentimentos expressos em palavras nos faz, inclusive, saber lidar melhor com eles, já que agora podemos falar dos mesmos para outras pessoas, para Deus e até para nós.

É sobre isso que se trata o livro A anatomia de uma Dor, de C. S. Lewis. O célebre autor cristão escreve esta obra em meio a dor de perder sua esposa, Helen Joy Davidman, vítima de um câncer. Diferentemente de seus outros livros teológicos, nos quais predominam um estilo argumentativo, lógico e analítico, este livro é um desabafo, uma descrição ampla e profunda dos sentimentos do autor. Foi escrito ao estilo de um diário, embora não com esta periodicidade, e esboça exatamente aquilo que o título da obra sugere: a anatomia de uma dor. Ali, a dor de Lewis é esmiuçada, exposta, descrita, estudada e, sobretudo, gritada. Lewis se dá à liberdade de escrever ali exatamente o que sentia, incluindo no relato seus questionamentos a Deus, sua confusão mental, seus momentos de raiva, sua fragilidade emocional, seus altos e baixos, seus pecados, suas tentativas de se reerguer, seus medos, sua solidão.

Um trecho interessante que capta o que estou dizendo é quando Lewis fala sobre como a bondade de Deus muitas vezes implicará, neste mundo mal, a continuidade de um sofrimento para um bem maior. E isso, C. S. Lewis, reconhece, causa medo quando estamos em meio à dor. Ele expressa:

“A coisa terrível é que um Deus perfeitamente bom seja… dificilmente menos formidável do que um Sádico Cósmico. Quanto mais cremos que Deus fere somente para curar, menos nós cremos que haja qualquer utilidade em mendigar ternura. Um homem cruel poderia ser subornado – poderia crescer cansado de seu vil esporte – poderia ter um acesso temporário de misericórdia, como os alcoólicos poderiam ter um acesso de sobriedade. Mas suponha que aquilo que está diante de você é um cirurgião cujas intenções são totalmente boas. Quanto mais amável e mais consciente ele é, mais inexorável ele vai cortando. Se ele fizesse concessão a seus rogos, se ele parasse antes que a operação fosse completada, toda a dor até aquela altura teria sido inútil”.

O livro chama a atenção pela intensidade e sinceridade do autor. Não existe ali preocupação em esconder sua condição humana e deixar claro como é difícil suportar a dor de perder a pessoa que amava. Em determinados pontos do livro há palavras duras e, se trechos forem lidos fora do contexto mais amplo do livro, podem dar a intenção de que Lewis era um revoltado com Deus. Contudo, ao fazer a leitura de forma completa, considerando que ela expressa o sofrimento de Lewis ao longo dos meses, entendemos que o autor apenas descreve um processo de luto, algo pelo qual todos nós passamos.

O ponto a ser ressaltado é que mesmo em meio à dor e aos questionamentos, o escritor não se desfaz de Deus. A Anatomia de uma Dor nos faz, de certa forma, lembrar o livro de Jó, as lamentações de Jeremias, os Salmos dramáticos do Rei Davi. Todos estes expressaram a dor com palavras desesperadas e também afirmaram muitas vezes não compreenderem os desígnios de Deus. Mas apesar disso, não deixaram de crer em Deus e reverenciá-lo como tal. E é isso que vemos na obra de Lewis.

A Anatomia de uma Dor é um livro curto, que pode ser lido em um ou dois dias, mas que nos traz reflexões para toda uma vida. Sofremos juntamente com Lewis durante a leitura, nos abraçamos lembrando os nossos pesares e, por fim, depositamos nossas esperanças em Deus. Indico fortemente o livro, tanto para quem já está familiarizado com as obras de teor mais lógico de Lewis, quanto para quem nunca leu nada dele. O desabafo de Lewis nos traz muitas lições importantes.

Por Davi Caldas

Fonte: Reação Adventista

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