Sagrado e Profano na Religião e no Carnaval

Dias antes do carnaval (do ano 2000), as Arquidioceses de São Paulo e do Rio entraram com ação na justiça a fim de garantir uma estranha proibição: que imagens religiosas não fossem usadas nos carros alegóricos. Algumas escolas já tinham preparado imagens como a cruz, um painel com Nossa Senhora da Boa Esperança, e uma virgem Maria.

Do outro lado, o padre Marcelo Rossi faz a sua Folia do Senhor, uma celebração religiosa em ritmo de carnaval. O destaque é o ritmo, o corpo e a dança. Marcelo e outros padres denominados pop conquistaram a simpatia popular especialmente por suas movimentadas missas, onde a dança ou a “aeróbica do Senhor” são pontos altos.

Nos últimos tempos, a religião saiu dos domínios da Igreja. Está na empresa, na escola, na rua, mas especialmente nas manifestações culturais. São centenas de músicas com letras religiosas. O mercado editorial está cheio de livros do gênero. A presença de religiosos na TV é coisa comum. Por fim, o carnaval também tornou-se um espaço para a manifestação do espiritual.

Diante desse rompimento de fronteiras, a Igreja se vê obrigada a recorrer à lei para garantir a preservação de suas imagens. Na disputa judicial para garantir o monopólio do “sagrado”, cabe uma questão: por que os religiosos quiseram proibir os foliões de usar as imagens em meio à dança, se os próprios religiosos levaram primeiro a dança e o ritmo para dentro dos templos? Discórdia à parte, esses fatos mostram como as distinções entre o sagrado e o profano estão sendo pressionadas, nessa era de expansão religiosa e de explosão da cultura pop.

O dicionário define profano como algo “não pertencente à religião”, “não sagrado”, “secular”; enquanto que sagrado é algo “concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto”, “inviolável” ou “santo”.

Entre os povos antigos, a vida religiosa não contemplava essa distinção. Sagrado e profano eram categorias inexistentes. A religião era o centro da vida e todas as demais coisas eram naturalmente relacionadas a ela. O plantio da terra, a procriação e a diversão eram expressões religiosas, na medida em que se tornavam oferendas aos deuses. Os rituais misturavam atos sexuais, orgia e danças, como no festival de Dionísio, divindade greco-romana. A dança sempre foi um acessório cultual, entre os índios, nas religiões afro, no antigo Egito e em inúmeros cultos antigos. Mircea Eliade, historiador das religiões, afirma que a dança e a música de tambores eram parte indispensável dos cultos antigos.

A presença de sexo, dança e bebida nos cultos pagãos se deve ao fato de que a diversão era uma forma adequada de cultuar, segundo os padrões daquela religião. A união entre sagrado e profano era natural num mundo em que os deuses eram espíritos evoluídos ou espíritos de guerreiros humanos, que portanto apreciavam as coisas próprias do homem.

As religiões que seguem a revelação bíblica – judaísmo e cristianismo – criaram a distinção entre sagrado e profano, ao introduzir a idéia do pecado e o conceito da santidade de Deus. O profano e o sagrado não têm espaço na religião destituída da idéia do pecado. As religiões antigas e as espiritualistas de hoje não têm para essas categorias um conceito claro, exatamente porque não estabelecem a realidade do pecado e da redenção.

O que está acontecendo, com a acomodação das igrejas cristãs à cultura secular, é uma perda gradativa dessas categorias. Com isso, as expressões culturais vão sendo aceitas pelos religiosos como ingredientes próprios para o culto. E no mundo secular as imagens religiosas vão conquistando espaço nas diversas expressões de arte, inclusive no carnaval.

A mistura de sagrado e profano, no cristianismo, reduz a religião a uma mera manifestação cultural e simplifica Deus a um personagem do imaginário popular. No século 18 o filósofo Edmund Burke, em seu livro Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de Nossas Idéias do Sublime e do Belo, chamava a atenção para a perda da noção da sublimidade de Deus, na medida em que Deus era visto como uma idéia a ser apreendida. O mesmo ocorre quando a religião é reduzida a uma simples manifestação cultural.

Para Burke, a sublimidade divina repousa no pensamento de que Deus é um Ser majestoso separado do mundo e impossível de se igualar ao mundo, mesmo tendo Se feito carne.

A idéia de um Deus igual ao homem, tolerante e bom camarada, própria do tempo atual, favorece o amor a Deus, mas enfraquece o temor. O amor se fortalece com a encarnação, a acessibilidade, a graça. O temor é o resultado da santidade, da grandeza, da ira, da sublimidade. O temor é tão indispensável que a Bíblia o chama de “o princípio da sabedoria”.

Na relação com Deus amor e temor precisam estar juntos. Mas isso só é possível quando sagrado e profano permanecem separados.


Vanderlei Dorneles é Editor da Revista Sinais dos Tempos, da Casa Publicadora Brasileira


Fonte: Revista Adventista, Maio de 2000, p. 38

Autor: Vanderlei Dorneles


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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