Uma nova ameaça à consciência

O golpe desferido contra o papado em 1798 não representou seu fim.

Em Apocalipse 13:3, João observa na visão que apenas uma das cabeças da besta marítima havia sido ferida de morte, e assinala que essa “ferida mortal foi curada e toda a terra se maravilhou, seguindo a besta”.

A sentença profética testifica de modo notável que o papado voltaria a ocupar um lugar preeminente entre as nações.

Os anos posteriores à Revolução Francesa veriam uma revitalização progressiva do poder papal em cumprimento da profecia.

 

A ferida mortal começa a ser curada

À morte de Pio VI sucedeu-se um conclave em Veneza que se prolongou por vários meses. Por influência do monsenhor Ercole Consalvi, secretário do conclave, os trinta e cinco cardeais presentes finalmente elegeram como papa Barnabé Chiaramonti, que adotou o nome de Pio VII. Tratava-se de uma decisão estratégica, visto que o cardeal Chiaramonti não era contrário à França e que, como bispo de Imola, mantivera relações amistosas com Napoleão Bonaparte. Diante das dificuldades em que se encontrava Roma sob o domínio da liberdade francesa, o povo recebeu o novo papa com entusiasmo.

Conquanto a Assembleia Constituinte tivesse rompido com o papado, subtraído os bens da Igreja e dividido o clero em facções, Napoleão necessitava da unidade religiosa por motivos políticos, e não poderia sancionar sua futura ascensão ao trono sem a bênção papal. Como homem de Estado, não admitia outra religião, senão a católica, e desejava que ela tivesse um representante visível: “Se não houvesse papa, seria preciso fazer um”. Eram palavras de um político ansioso por colocar sob sua direção o representante da mais antiga potência espiritual, o qual era ao mesmo tempo o símbolo da unidade histórica da Europa.

Depois de tensas negociações, uma concordata foi assinada em 15 de julho de 1801. Na audiência de despedida, o cardeal Consalvi, enviado de Pio VII, acentuou os grandes sacrifícios em que a Santa Sé tinha consentido para obter a paz com a França. Não obstante, ganhara alguma coisa. “Não era um triunfo”, escreveu ele, “saber que a religião ia renascer num país onde tinha sido adorada a deusa da Razão e onde se liam na fachada das igrejas inscrições como estas: “À Juventude, À Virilidade, À Velhice, À Amizade, Ao Comércio?”

Pio VII e os cardeais estavam, por fim, de acordo, pois não convinha rejeitar uma concordata que significava nada menos que a restauração do catolicismo na França, e até mesmo sua manutenção na Europa. Após um longo debate, a concordata foi aprovada, e a ratificação foi expedida para Paris. Mesmo depois da tentativa de Napoleão de diminuir o alcance desse acordo por meio dos chamados “Artigos Orgânicos”, Pio VII viu-se satisfeito de ver o homem mais poderoso da Europa pedir a consagração da sua obra constitucional religiosa ao papado, que parecia a muitos prestes a mergulhar nas trevas da história. A Sé de Roma era, mais uma vez, reconhecida como grande potência, e podia rejubilar-se de ter sido salva pelo seu inimigo. (1)

Entretanto, movimentos libertários, frutos tardios da Revolução Francesa, chegavam à Itália. No verão de 1862, um revolucionário impetuoso chamado Garibaldi tentou arrancar Roma ao papa. Napoleão III, forçado a dar atenção aos clericais do seu país, concluiu com Vitor Emanuel um acordo firmado em setembro de 1864, pelo qual a Itália se comprometia a manter ao papa os Estados remanescentes da Igreja, em troca do que a França se obrigava a deixar Roma no prazo de dois anos.

Quando as últimas tropas francesas se retiravam da cidade em fins de 1866, a Itália violou o tratado. Garibaldi e seus partidários, em entendimento secreto com o governo, lançaram-se sobre os Estados da Igreja. Tropas de Napoleão e do papa resistiram por algum tempo, mas em 09 de outubro de 1870, garibaldinos incorporaram Roma ao recém-unificado reino da Itália.

O então papa Pio IX, vendo-se privado dos últimos vestígios de seu poder temporal, declarou-se prisioneiro dos italianos. Em seu cativeiro voluntário, reagiu contra a usurpação dos territórios da Igreja e à limitação dos poderes papais, proclamando dois dogmas que surpreenderam a sociedade: a Imaculada Conceição e a Infalibilidade pontifícia. Proclamou também o Syllabus, resumo condensado e primário de coisas que não podiam ser feitas ou pensadas, sob pena de anátema. Prisioneiro, o papa queria aprisionar o mundo. (2)

O Tratado de Latrão

A libertação do papado, porém, não tardaria a acontecer. E assim como um dia o ambicioso Napoleão Bonaparte, embevecido pela ideia de fazer do papa um ídolo pelo qual pudesse governar tanto a vida religiosa como a política, restituiu parcialmente o poder da Igreja, um ditador não menos pretensioso mudaria a sorte do papado.

Tendo em mente as especificações proféticas sobre o anticristo, é de grande significação que não exista outra forma de governo, senão a autoritária, mediante a qual Roma possa reafirmar a dignidade que ela reivindica como sua por direito. Naturalmente porque, usurpando atributos divinos, exigiu o direito de liberdade unicamente para si mesma, fazendo da intolerância um princípio que é incompatível com sociedades abertas e democráticas.

Não muito tempo depois de firmar-se como ditador fascista, Benito Mussolini desenvolveu uma política de aproximação com o papado. Autorizou escolas e hospitais a introduzirem o crucifixo, que fora banido durante a radical separação entre Igreja e Estado promovida por Cavour e Garibaldi, permitiu o ensino religioso em escolas públicas e, paulatinamente, foi concedendo pequenos favores ao clero.

Embora não visse com bons olhos o fascismo, o papa Pio XI finalmente condescendeu. Em 1927, Mussolini surpreendeu Igreja e Estado ao decretar que todas as cerimônias oficiais do partido ou do Estado seriam abertas com uma missa. O agrado não foi esquecido além-Tibre. O cardeal Pietro Gasparri foi autorizado, oficiosamente, a dialogar com os fascistas, visando uma concordata que definisse as relações entre a Santa Sé e a Itália fascista. Nascia o Tratado de Latrão.

Os selos e assinaturas de Benito Mussolini e do cardeal Gasparri 

Em 11 de fevereiro de 1929, um longo cortejo de automóveis se dirigiu ao Palácio Lateranense, um anexo da Basílica de São João Latrão, propriedade dos papas há 600 anos e igreja primacial de Roma. Na imensa Sala das Missões, com Mussolini e todo o seu ministério em fraques e medalhas, o cardeal Gasparri assinou o documento com uma esferográfica de ouro, com a qual, depois, presenteou o Duce em nome do papa. Dino Grandi assinou depois, todo sorriso. Por último, Mussolini botou no papel sua assinatura máscula, berrante. Consumata est. A Igreja abençoava o fascismo e, em troca, recebia o cheque de 87 milhões de dólares e 440 mil metros quadrados de solo romano. Nascia o Vaticano, estado soberano, cujo nome fora tirado da colina – uma das sete de Roma – já histórica e enraizada no coração e mente dos católicos de todo o mundo. (3)

O Tratado de Latrão representou, sem dúvida, um passo significativo no processo de cura da “ferida de morte”, isto é, da restauração do papado ao seu antigo poder temporal. Na edição de 12 de fevereiro de 1929, o San Francisco Chronicle se referiu significativamente a esse histórico acontecimento como “a cura de uma ferida aberta desde 1870”, e o periódico australiano The Catholic Advocate, de 18 de abril do mesmo ano, observou que na ocasião uma multidão expectante aguardava “para testemunhar a passagem destes dois homens, cujas penas vão curar uma ferida de 59 anos”. (4)

 

Evidentemente, a restauração em pequena escala de seu poder temporal não satisfez o papado. Uma medalha comemorativa do Tratado de Latrão ilustra bem a dimensão de suas pretensões. No verso, há uma figura do apóstolo Pedro, com as supostas chaves da autoridade, representado como tendo jurisdição global a partir de sua sede, em Roma. Como suposto sucessor de Pedro, Pio XI é simbolicamente descrito como soberano do mundo, sendo a cidade do Vaticano a sua capital.

Em conexão com a cura da ferida de morte, não tardaria para que um novo aliado de interesse profético abrisse o caminho rumo à completa restauração do papado ao seu antigo poder; um aliado à primeira vista improvável, mas cujo papel será decisivo neste sentido.

Notas e referências

1. Joseph Bernhart. O Vaticano: Potência Mundial. História e Figura do Papado. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1942, p. 278 a 282.

2. Ibid., p. 310 e 311; Carlos H. Cony, Vaticano: 60 anos de HistóriaRevista Geográfica Universal. Rio de Janeiro: Bloch Editores, Nº 172, Março 1989, p. 12.

3. Carlos H Cony, op. cit., p. 14 a 16.

4. Vatican again at peace with Italy after long quarrel”San Francisco Chronicle, Vol. 134, Nº 28, Tuesday, February 12, 1929; Historic Scene in the Lateran Palace”The Catholic Advocate, Thursday, April 18, 1929, p. 16.

 

 

Fonte: Três Mensagens

Sobre Weleson Fernandes

Escritor & Evangelista da União Central Brasileira

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