O capítulo 11 de Levíticos tem despertado o interesse de todo exegeta do Antigo Testamento interessado nas leis e regulamentos judaicos. Mesmo os interessados na fauna do Oriente Médio, têm considerado esse capítulo de certa utilidade.
Para o homem moderno, Levíticos 11 parece ser um capítulo que pertence ao mundo da superstição e do tabu, ou a um mundo primitivo da ignorância humana.
Ao estudarmos esse capítulo, notaremos imediatamente várias coisas:
1. O capítulo é formado de seis seções principais. Cada seção se inicia usando a palavra estes, esses, esta (vs. 2, 9, 13, 24, 29, 46). O conteúdo do capítulo está, em termos gerais, bem organizado.
2. Os animais estão agrupados de acordo com a área em que habitam. Dessa forma, são mencionados primeiro os animais ou criaturas que habitam sobre a terra (vs. 2-8), depois os que habitam na água (vs. 9-12), e, finalmente, as criaturas do ar, aquelas que voam (vs. 13-23).
3. A distinção entre animais limpos e imundos é feita de maneira simples: os animais limpos têm unhas fendidas e remoem; os peixes limpos possuem barbatanas e escamas; e os pássaros ou aves limpos são caracterizados por não serem aves de rapina. No caso dos insetos, os que possuem pernas para saltar podem servir de alimento (vs. 20:22).
4. O capítulo estabelece que a capacidade de contaminação dos animais impuros não se limita apenas ao ato de comer a sua carne. O indivíduo pode contaminar-se dependendo da forma que manuseia corpos mortos (v. 24).
Mesmo um animal limpo que morre, torna-se um instrumento de impureza, podendo assim ser um agente contaminador, caso esse animal seja portador de alguma doença, ou até mesmo pelos microrganismos que se avolumam num corpo em putrefação (vs. 39). Com isso, podemos ver que um corpo morto é fonte de impureza.
5. A identificação de alguns animais mencionados em Levíticos 11 é desconhecida. Algumas versões bíblicas preferiram transliterar alguns termos hebraicos, em lugar de lhes adivinhar o significado (v. 22 – argol e hagabe, que provavelmente designem fases do desenvolvimento do gafanhoto ou grupos diversos de gafanhotos). Claro é que, para os leitores da Bíblia daquela época, a identificação não constituía um problema.
Estas breves observações indicam que Lev. 11 tem um caráter didático. A maneira simples e bem estruturada do capítulo tem como objetivo facilitar ao israelita o aprendizado do seu conteúdo. Nesse processo, foi muito útil seguir o princípio de distinção entre animais limpos e imundos, com a menção de exemplos específicos que ilustram o princípio exposto. Por isso é que a classificação dos animais em limpos e imundos não tem, o que se poderia chamar de, um caráter “científico”, cuja compreensão está limitada ao especialista. Os critérios a serem usados para identificação do animal limpo ou imundo são de tipo pragmático, determinados, exclusivamente, por aquilo que qualquer pessoa podia observar na fauna, como por exemplo, o animal de unha fendida que rumina. A lei era estabelecida de acordo com o nível do israelita comum. Deus estava instruindo o Seu povo em geral, e não apenas um grupo privilegiado dentre o povo.
A lei dos animais limpos e imundos é uma lei de saúde, que tem o objetivo de preservar a saúde do povo através de medidas preventivas de higiene. Deus informa Seu povo sobre aquilo que, por ser o melhor, devem comer para proteger o seu organismo.
Comer não é, portanto, uma atividade apenas secular na vida do ser humano. Há um aspecto ético-religioso nas leis de saúde de Lev. 11. Se Deus definiu o que se deve ou não comer, isso deveria merecer nossa atenção.
Devemos mencionar, contudo, que os animais puros são relativamente puros. Quando morre, a impureza se apossa inteiramente deles (Lev. 11:39 e 40), e sua carne não pode ser comida nem tocada. Dessa forma, “os animais limpos são comparativamente confiáveis, como fonte de alimento, enquanto os imundos devem ser evitados devido à possibilidade de sua carne poder transmitir infecções”.
Essa lei sobre alimentos não contaminados é, quanto se saiba, única no antigo Oriente Próximo. A submissão a essa lei contribuiria, significativamente, para distinguir os hebreus das demais nações que os rodeavam. Dessa maneira, proclamariam sua singularidade e a do seu Deus (Lev. 20:25 e 26).
A lei dos alimentos limpos e imundos é uma lei de saúde. Originalmente, a diferença entre animais limpos e imundos foi estabelecida por Deus para especificar os animais, dentre os quadrúpedes e aves, que Ele aceitaria como sacrifício sobre Seu altar. Aparentemente, o critério que Ele usou para separar os animais foi o do estado de saúde destes. Os animais cujo corpo fosse sadio, poderiam ser oferecidos a Deus em sacrifício.
Quando Deus autorizou Seu povo a comer carne, eles deveriam usar como alimento os animais que Yahweh aceita como sacrifício. A lei torna-se agora numa lei de saúde, que tem como finalidade preservar a saúde física e espiritual do povo. Essa lei indica que Yahweh Se interessa pela saúde física de Seu povo. O físico é algo que Deus deseja que seja preservado em ótimo estado. Essa lei de saúde fala do cuidado preventivo e do interesse divino por tal cuidado. O conceito holístico do homem no pensamento bíblico, determina que saúde completa é a união do bem-estar espiritual, bem-estar físico e mental. É para esse tipo de saúde que as leis sobre alimentos limpos apontam e a tornam-se relevantes para o homem moderno.
Vamos analisar como exemplo a carne de porco:
“A carne de porco, apesar de ser uma das mais comuns fontes de alimentação, é também uma das mais prejudiciais. Deus não proibiu os hebreus de comerem carne de porco apenas para mostrar Sua autoridade, mas por não ser ela apropriada à alimentação do homem” – Conselhos sobre o regime alimentar, pág. 392.
Ao estabelecer princípios dietéticos para os israelitas, a intenção de Deus era que essas regras fossem como uma fonte de perenal benefício para a humanidade. A transmissão de algumas enfermidades, segundo a comprovação de pesquisas médicas recentes, justifica plenamente a existência dessa lei antiga.
A parasitologia, no tempo atual, comprova que um protozoário ciliado – a tênia do porco – e um verme nematóide – a triquina – ocasionam importantes enfermidades que os porcos partilham com os seres humanos.
O protozoário ciliado, denominado cientificamente Balantidium coli, é extremamente comum nos suínos. Pesquisas recentes em diversos países revelam uma incidência da ordem de 21 a 100%. Esse organismo é muito menos comum no homem. A incidência geral de 1% em Porto Rico, é típica da que ocorre em muitos países. Quando se encontra no homem, pode ocasionar graves sintomas clínicos. Provas atuais apontam para o porco como a causa principal do contágio humano.
A incidência de contágio humano com o cestóideo do porco (Taenia Solium), em regra uma fração de 1%, varia ao redor do mundo. Em seu famoso relato This Wormu World (“Este Mundo Verminado”), escrito em 1947, Stoll calculou que 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo estavam contagiados por esse verme.
Graves efeitos da Triquina
O verme da Triquina (Trichinella Spiralis) restringe-se à Europa Central e às regiões temperadas da América a que se dirigiram os seus emigrantes.
Em comparação com o protozoário ciliado e a tênia do porco, a triquina ocasiona gravíssimos efeitos no corpo humano. Os vermes adultos se acham presentes no intestino delgado. Após o acasalamento, as fêmeas produzem larvas que penetram nos vasos sanguíneos e se alastram por todas as partes do corpo. Essas larvas migratórias podem invadir os músculos esqueletais, o cérebro, a medula dos ossos, a retina e os pulmões. Visto que cada fêmea pode produzir mais de 1500 larvas e como esses vermes imaturos invadem muitos órgãos do corpo, podem aparecer muito sintomas clínicos. Nas afecções graves, a morte pode ocorrer na segunda ou terceira semana, mas é mais frequente da quarta à sexta semana após o contágio. As possibilidades de restabelecimento variam de acordo com a localização e o número de larvas, a intensidade dos sintomas e a condição física do paciente.
Em geral, admite-se que a presença de vermes de triquina nos porcos constituía a base para a proibição de seu uso como alimento pelo povo judeu. No livro A History of Parasitology (“História da Parasitologia”), W.D. Foster (1965) há uma ênfase sobre esse ponto de vista: “As proibições mosaicas e muçulmanas com referência à carne de porco foram motivadas, com muito mais probabilidade, pela observação de surtos de triquinose, do que por qualquer outro reconhecimento da correlação com a infestação pela tênia. A correlação da enfermidade com o comer carne de porco estava facilmente ao alcance da compreensão dos povos primitivos. Em realidade, é surpreendente que essa correlação haja sido olvidada pelo mundo em geral, apesar de as condições terem sido invulgares, e olhando para trás podemos reconhecer epidemias que indubitavelmente foram motivadas pela triquinose.”
A Triquinose ainda é frequente
Surtos de triquinose ainda são frequentes nos Estados Unidos. Quatro dos sete membros de uma família em Willoughby, estado de Ohio, manifestaram sintomas de triquinose depois de mergulharem salsichas no óleo e comerem-nas por vários dias sem qualquer cozimento.
Uma família de 8 pessoas, em Nova Berlim – Wisconsin, contraiu uma enfermidade cujos sintomas se assemelhavam aos da gripe. Exames posteriores possibilitaram o diagnóstico de triquinose. Todos eles comeram sanduíches de “bife” hamburguês cru. Presume-se que esses “bifes” estavam contaminados com carne de porco infectada, pois os animais bovinos não possuem vermes de triquina. Aquela carne fora comprada num mercado em que a carne de porco e a de gado eram moídas no mesmo aparelho.
Algum tempo atrás foram diagnosticados 76 casos de triquinose em Washington, Estado de Missouri. Esse surto foi atribuído à ingestão de carne de porco não elaborada devidamente para destruir as larvas infecciosas.
Cumpre notar que desde o tempo em que Deus deu aquela ordem para os israelitas, até a década atual, a Medicina não tem conseguido curar pacientes com triquinose. O tratamento consiste em aliviar os sintomas ocasionados pelos vermes, e não em destruí-los.
Labutando no Instituto Merck para Pesquisas Terapêuticas, Rahway, Nova Jersey, em 1962, o Dr. Guilherme C. Campbell observou que o medicamento chamado thiabendazole era eficaz para matar larvas de triquina nos músculos de camundongos, ratos ou porcos infectados. Isto constituía um passo significativo. Experiências com thabendazole em seres humanos também revelam bons resultados. A despeito do êxito com aquele medicamento, a triquinose ainda é uma enfermidade a ser evitada, e a descoberta dessas substâncias não autoriza o uso da carne de porco na alimentação.
Sobre o comer carne com o sangue a Bíblia determinantemente proíbe, pois no sangue se encontram todas as impurezas e enfermidades do animal (Gênesis 9:4; Levíticos 7:26, 27).
Alguns encaram os preceitos bíblicos como uma tentativa da Divindade de reprimir predileções alimentares bem arraigadas, mas na realidade tais proibições apenas objetivam nos assegurar uma vida mais saudável. A ciência moderna continua apoiando as declarações daquele que é o Criador dos homens e dos animais.
Vamos fazer um estudo completo sobre esse assunto de acordo com estas passagens:
Marcos 7:15-19 – Alimentos puros ou impuros?
Atos 10 – A experiência de Cornélio.
Romanos 14 – Esclarecimentos de Paulo.
Para uma boa compreensão desse assunto três princípios de interpretação devem ser relembrados:
1)A Bíblia deve ser seu próprio intérprete
2) O contexto sempre ajuda a explicar o texto
3) Os fatos narrados devem estar em sua moldura histórica
Para chegarmos ao exato sentido do que Cristo disse: “nada há fora do homem, que entrando nele, o possa contaminar…”, e a declaração de Marcos: “e assim considerou ele puros todos os alimentos”, precisamos analisar outras passagens bíblicas que nos esclarecerão sobre o exato significado de tais afirmativas. As duas mais significativas são:
a) A experiência de Pedro em Atos 10;
b) os esclarecimentos Paulinos em Romanos 14.
Estaria Cristo com essa declaração anulando ensinamentos do Velho Testamento? A classificação dos animais em limpos e imundos agora deixaria de existir? Peçamos a Deus que nos esclareça a mente para entendermos com clareza os sábios ensinamentos de Sua Palavra.
1. A experiência de Pedro com Cornélio.
Lucas nos relata a experiência com certa pessoa de destacada posição social, da cidade de Cesaréia, chamada Cornélio. São salientados os predicados que ornavam seu caráter: piedoso e temente a Deus com toda a sua casa, dava muitas esmolas aos necessitados e continuamente orava a Deus. Apesar desses atributos, ele necessitava de orientação divina para melhor compreender o plano de Deus para sua vida. Foi essa a razão pela qual enquanto orava um anjo lhe indicou que deveria chamar a Pedro para dar-lhe uma nova orientação.
Conhecendo Deus que Pedro não estava preparado para este ministério, deu-lhe a visão do terraço, na hora sexta (para nós ao meio dia). Sendo a hora da refeição, ele estava com fome e esperava o almoço ser preparado. Foi nessa hora que ele teve uma visão: do céu aberto descia algo como um grande lençol, repleto de animais próprios e impróprios para a alimentação. Nesse instante ele ouve aquelas tradicionais palavras: “levante-te, Pedro; mata e come” (Atos 10:13). Mas ele replicou com decisão e firmeza: de modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa alguma comum e imunda (10:14). A voz treplica: “ao que Deus purificou não consideres comum” (10:15).
Esse relato sem levar em consideração o contexto, e sem a interpretação através do conjunto das escrituras, pode significar que não há alimentos imundos, já que Deus os purificou, porém todos sabemos que através da visão de Pedro, Deus queria ensiná-lo a não fazer distinção entre as pessoas.
Terminada a visão, ao Pedro estar reflexionando sobre seu exato significado, aproximam-se os mensageiros de Cornélio com o inusitado convite para que fosse a sua casa. Iluminado pelo Espírito Santo ele compreendeu o exato significado da visão.
Essa experiência de Pedro nos mostra claramente que ele teria recusado seguir aqueles “gentios”, se a visão não lhe tivesse sido dada. A visão nos mostra ainda que Deus se utiliza de processos os mais variados, para nos ensinar suas preciosas lições.
A finalidade primordial da visão foi ensinar-lhe que não deveria considerar a nenhum homem como imundo, pois todos são dignos de receber a salvação. Nada nesse relato tem a ver com a classificação bíblica de animais próprios e impróprios para nossa alimentação. (Ver Atos 11: 1-18).
2. O Problema da Consciência de Romanos 14.
Romanos 14 aparece na Tradução Revista e Atualizada no Brasil com o título: “A Tolerância para com os Fracos na Fé”. Muitos julgam encontrar em Romanos 14 uma poderosa escora para derribar a distinção bíblica entre animais limpos e imundos e a observância do sétimo dia.
O renomado estudioso W. Rand em seu “Dicionário de La Santa Bíblia”, pág. 560 afirma: “Segundo se depreende da própria epístola, o motivo que teve Paulo para escrevê-la foram as desinteligências que surgiam entre os conversos judeus e os conversos gentios, não somente em Roma, mas em todas as partes. O judeu, quanto aos seus privilégios, sentia-se superior ao gentio, o qual por sua vez, não reconhecia tal superioridade e se sentia desgostoso quando tal se lhe afirmava”.
Conforme o terceiro princípio de interpretação anteriormente citado seria bom destacar que, com a expansão do Cristianismo pela Ásia Menor e Europa, o evangelho foi aceito por gentios e judeus. Os judeus, mesmo após a aceitação do Cristianismo, conservavam resquícios da tradição judaica e princípios da lei cerimonial.
Outro comentário diz: “De fato, os primeiros cristãos não foram solicitados a deixarem repentinamente de comparecer às festas judaicas anuais ou repudiarem de imediato todos os ritos cerimoniais … o próprio Paulo, após sua conversão esteve em muitas festas, e conquanto ensinasse que a circuncisão nada era, circuncidou a Timóteo e concordou em fazer um voto de acordo com estipulações do Antigo Código”.
Além da oportunidade das festas e cerimônias dos judeus, o que mais agravava este estado de coisas, era o fato de os judaizantes quererem impor aos gentios as observâncias. Os gentios não as aceitavam e com isso os judeus se irritavam, tornando o ambiente carregado e comprometedor para a causa do evangelho. Dentre estas pendências, destacava-se a carne sacrificada aos ídolos pelos pagãos. Após o oferecimento da carne a Júpiter, Mercúrio, Diana e a outros deuses mitológicos eles a colocavam com as outras carnes que vendiam. Os judaizantes eram totalmente contrários à compra de carne no açougue, pelo fato de não saberem se ela tinha ou não sido oferecida aos ídolos. Os cristãos gentios não eram tão escrupulosos e criam que o oferecimento da carne aos ídolos não a contaminava.
O SDABC (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia) tecendo considerações sobre Romanos 14:2, acentua:
“Débil na fé – isto é, aquele que tinha limitada compreensão dos princípios da justiça, ansioso por salvar-se e disposto a fazer tudo quanto cria que dele se exigia. Contudo na imaturidade de sua experiência cristã e provavelmente em decorrência de sua crença e educação anteriores, ele procurava assegurar salvação pela observância de certos preceitos e regulamentos, que na realidade não se exigiam dele. Para ele tais preceitos assumiam a maior importância. Julgava-os absolutamente necessários à salvação, e ficava escandalizado e confuso, ao ver outros cristãos ao redor, sem dúvida mais amadurecidos e experientes, que não partilhavam destes escrúpulos”.
Com respeito às carnes sacrificadas aos ídolos, quem as julgasse impróprias, não as deveria comer, embora não devesse julgar aquele que assim o fizesse.
I Coríntios 8 trata do mesmo assunto, e a sua leitura nos é mais elucidativa sobre este problema. O ponto capital, tanto em Romanos 14 como em I Coríntios 8 é concluir que não havia mal nenhum em comer carne sacrificada aos ídolos, mas se isso escandalizasse os irmãos fracos era melhor evitar.
Paulo não visa com esses relatos, determinar que espécie de alimento deve ser ingerida pelos cristãos, como uma exegese errada poderia mostrar. O cerne da questão nada tem a ver com regime alimentar, como todos os comentaristas reconhecem, mas simplesmente um problema de consciência. Em outras palavras recomenda que aquele que é fraco na fé não deve ser desprezado pelos demais membros da igreja, mas sim tratado com o mesmo amor cristão.
O exegeta Charles R. Erdman em seu comentário de Romanos, pág. 153 se expressa desta maneira: “Aquele que é débil na fé, que não aprende o pleno sentido da salvação pela graça, que pensa que observar certas regras ou preceitos quanto ao alimento ou a ritos religiosos o fará mais aceitável diante de Deus, deve ser recebido na igreja, contudo, não se deve com ele discutir a respeito desses escrúpulos por ele afagados. Uma pessoa pode admitir que comer ou abster-se de certos alimentos sadios é matéria de indiferença moral; outra pode crer que agradará mais a Deus se apenas se alimentar de legumes”.
Paulo orientava a igreja para o extermínio de partidos, a fim de que a igreja não se dividisse e para que os dois grupos pudessem viver num espírito de tolerância e harmonia.
Estudo do contexto de Marcos 7:15 e 19:
O evangelista começa o capítulo 7 nos informando, que um grupo de fariseus e escribas se aproximou de Cristo para o interrogarem, porque os seus discípulos não seguiam preceitos estabelecidos pela tradição humana.
O Talmude está repleto de regrinhas orientadoras de como o povo judeu devia comportar-se em todas as circunstâncias da vida.
Os discípulos e seu Mestre orientavam-se por princípios elevados, advindos da palavra de Deus, e não por regulamentos humanos, que naquele tempo eram conhecidos como “Lei Oral” e “Tradição dos Anciãos”. Esse comportamento correto de Jesus, fez com que surgissem conflitos entre Ele e os judeus. Como exemplo temos esta divergência quanto a lavar as mãos, não por medidas higiênicas, mas como rito cerimonial.
Como bem nos esclarece o comentarista William Barclay em El Nuevo Testamento, Vol 3. Pág. 179: “Esta era a religião para os fariseus e escribas. Rituais, cerimônias, regras e regulamentações como estas era o que se considerava a essência do serviço de Deus. A religião ética está imersa sob uma massa de tabus, regras e regulamentações.”
A resposta de Cristo é um terrível libelo aos ensinamentos dos homens: “Respondeu-lhes: bem profetizou Isaías, a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens”. Marcos 7: 6-8.
A verdadeira contaminação: ao ventilar este ponto negativo, totalmente farisaico, Jesus chamou a multidão para junto de si e disse: “Ouvi-me, todos vós, e compreendei”. Marcos 7:14.
Cristo lhes ensina o quê na realidade contamina o homem. Através de uma linguagem figurada procurou mostrar-lhes que o verdadeiro objetivo da religião, consistia em libertar o cristianismo do legalismo. Apresentou-lhes o fato de que o coração é fonte de toda a contaminação. “Nada há, fora do homem, que entrando nele, o possa contaminar, mas o que sai dele, isso é que contamina o homem”. Marcos 7:15.
Não há nenhuma preocupação, nesse relato, em apresentar provas de que esse alimento é limpo ou impuro, mas em apresentar ao povo a necessidade de abandonar doutrinas, que são preceitos dos homens, e seguir a religião pura ensinada por Cristo.
O comentário expositivo do Evangelho Segundo Marcos de J. C. Ryle, pág. 69, consigna: “A pureza moral não depende de lavar ou deixar de lavar, de manusear ou deixar de manusear, de comer ou deixar de comer como queriam e ensinavam os escribas e fariseus”.
Jesus queria adverti-los de que não haveria valor em fazerem tremendos esforços se não tivessem o verdadeiro Deus. O resultado de lavar as mãos seria inútil, como o próprio Cristo disse, se o coração estivesse inundado de lascívia, prostituição, furtos, homicídios, adultérios, avareza, malícia, dolo, inveja, soberba e loucura (Marcos 7:21-22).
Purificando todos os alimentos:
Ao Deus estabelecer o homem na Terra, indicou-lhe precisamente qual deveria ser sua alimentação. O registro divino nos ensina que o homem devia comer dos produtos do campo e das árvores, ou sejam: grãos, nozes e frutas.
Gênesis 1:29 declara: “E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra, e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento”.
Após o dilúvio, pela escassez desses alimentos, permitiu-se ao homem a alimentação cárnea; porém, a Bíblia é bastante clara na distinção entre os animais próprios e impróprios para a alimentação, em conformidade com Levíticos 11. Neste capítulo notaremos uma classificação de alimentos aprovados por Deus, isto é, alimentos puros, e também uma série de alimentos considerados imundos. Essa classificação é divina, transmitida a Moisés para que, por seu intermédio, o povo de Israel a praticasse e posteriormente também todos os que pautassem a vida pelos princípios da Palavra de Deus o fizessem. Como cristãos ou israelitas modernos, cremos que esta classificação perdura, basta para isso aceitarmos o propósito divino ao fazer esta distinção e considerarmos a Bíblia como um todo inspirado por Deus.
O contexto geral do capítulo sete de Marcos nos mostra que Jesus não está interessado em falar se esta ou aquela comida é pura ou imunda, mas em ensinar ao povo judeu e a nós como igreja cristã que o essencial é aceitarmos a Bíblia e não o que dizem os homens em suas doutrinas erradas.
O SDABC (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia) corrobora as afirmações anteriores ao declarar sobre Marcos 7:15 o seguinte: “Foi sempre, e exclusivamente contra preceitos de homens (v. 7) que Jesus protestou, em aguda distinção do mandamento de Deus (v.8), como se apresenta nas Escrituras. Aplicar os versos 15-23 ao caso de alimentos puros e impuros é ignorar completamente o contexto. Tivesse Jesus nessa ocasião eliminado a distinção entre as carnes limpas e imundas e seria óbvio que Pedro não teria, posteriormente, respondido como respondeu à ideia de comer alimentos impuros”.
“E assim considerou ele puros todos os alimentos”:
Esta declaração de Marcos tem sido problemática para copistas, teólogos, exegetas e comentaristas.
Alguns têm declarado que a afirmação do verso 19 em grego, não se encontrava no original de muitos manuscritos, sendo portanto um acréscimo posterior. O renomado exegeta Bruce M. Metzger, em sua autoridade inquestionável, no livro “A Textual Commentary on the Greek New Testament” pág. 95, tece considerações sobre o verso e declara: “o peso esmagador dos manuscritos nos convencem de que a afirmativa foi escrita por Marcos. Diante da dificuldade do verbo purificar, muitos copistas tentaram correções e melhorias. Metzger conclui: muitos eruditos modernos, seguindo a interpretação sugerida por Orígenes e Crisóstomo consideram o verbo “cataridzo”, ligado gramaticalmente com “leguei” do verso 18 tomando assim o comentário do evangelista com as implicações das palavras de Jesus concernentes às leis dietéticas judaicas.
Essa mesma ideia é esposada pelo livro Consultoria Doutrinária, Casa Publicadora Brasileira, págs. 130 a 132, do qual destacamos: “Nalgumas Bíblias a declaração final do versículo 19, parece fazer da instrução de Cristo, um sentido de que o processo da digestão e eliminação tem efeito do “purificar todos os alimentos”. O texto grego, porém, torna evidente que essas palavras não são de Cristo, mas de Marcos, e constituem seu comentário sobre o que Cristo queria dizer. Por conseguinte, é necessário interpretar a expressão sob o aspecto das palavras “Então lhes disse”, do versículo 18. A última frase do versículo 19 rezaria assim: “(Então lhes disse isto), purificando todos os alimentos” ou “considerando puros todos os alimentos” – a saber, sem levar em consideração se a pessoa que comia realizara ou não a ablução cerimonial preceituada. Era essa a questão em debate (verso 2).
Em segundo lugar, convém notar que a palavra grega “bromata”, traduzida por alimentos, significa simplesmente “o que se come” e inclui todas as espécies de alimentos; e jamais distingue carne dos animais de outras espécies de alimentos. Restringir as palavras “considerou puros todos os alimentos” aos alimentos cárneos e inferir que Cristo aboliu a distinção entre carnes limpas e imundas usadas como alimento (ver Levíticos 11), é desconhecer completamente o sentido do texto grego.
Percebe-se pois, que o versículo 19 não foi acrescentado, mas que a expressão final deste versículo não foi usada por Cristo, e sim, por Marcos, para indicar que a cerimônia de lavar as mãos várias vezes antes de comer – não por limpeza, mas por tradição cerimonial – nada tinha que ver com a salvação. Isso, no entanto, não quer dizer que se deva comer com as mãos sujas, ou que se possam usar todas e quaisquer carnes de animais, mesmo dos que foram proibidos em Levíticos 11.
Outra autoridade, não menos destacada, Marvin R. Vincent, em Word Studies in the New Testament, vol I., pág. 201, afirma sobre Marcos 7:19: “Cristo estava enfatizando a verdade de que toda contaminação vem de dentro. Isto era em face das distinções rabínicas entre alimentos puros e imundos. Cristo declara que a impureza levítica, como o comer sem lavar as mãos, é de pouca importância quando comparada com a impureza moral. Pedro, ainda sob a influência dos antigos conceitos, não consegue entender a declaração e pede uma explicação (Mateus 15:15), que Cristo dá nos versos 18-20. As palavras “purificando todos os alimentos”, não são de Cristo mas do evangelho explicando o significado das palavras de Cristo; a versão Revisada do Novo Testamento, portanto, traduz corretamente “isto ele disse (em itálico), tornando limpos todos os alimentos”.
Esta era a interpretação de Crisóstomo, que diz em sua homília sobre Mateus: “Porém, Marcos diz que Cristo disse estas coisas tornando puros todos os alimentos”. Canon Farrar refere-se a uma passagem citada de Gregório Taumaturgo: “E o Salvador, que purifica todos os alimentos diz” …
Conclusão
Nada melhor do que concluir este trabalho com as oportunas palavras de J.C. Ryle, em seu Comentário Expositivo do Evangelho Segundo Marcos, ao tecer considerações sobre o capítulo sete de Marcos:
“Devemos pedir diariamente o ensino do Espírito Santo, se quisermos adiantar-nos no conhecimento das coisas divinas. Sem o Espírito Santo a inteligência mais robusta e o raciocínio mais vigoroso pouco nos farão adiantar. Na leitura da bíblia e na atenção que prestamos à pregação da Palavra, tudo depende do espírito com que lemos e ouvimos”.
Podemos então entender claramente, que a razão para Deus ter proibido certos alimentos tinha que ver exclusivamente com um princípio de saúde e não com um ritual religioso. Assim sendo, aquilo que era prejudicial ao homem nos dias de Moisés, também o era nos dias de Cristo, não fazendo sentido então, querer achar que Cristo estava abolindo um princípio de saúde.
Fonte: Mais Relevante