Diz o texto: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”. (Mateus 10:28)
1º – Porque a noção de que esta passagem trate de alguma alma imortal de que o ser humano seria possuidor parte de um pressuposto não demonstrado — de que Deus colocou esse elemento imorredouro no homem ao criá-lo, uma informação que não se acha nas Escrituras (ver Gên. 2:7).
2º – Porque a Bíblia diz que só Deus possui a imortalidade (1 Tim. 1:17; 6:16), e embora as palavras “alma” e “espírito” apareçam em muitas ocasiões nas Escrituras, em nenhum caso estão associadas com os adjetivos “eterno” ou “imortal”.
3º – Porque o tema que está sendo tratado no contexto em nada indica que Cristo esteja discutindo detalhes sobre uma suposta natureza dualística do homem. Antes, Ele fala de relacionamento com Deus, confiança em Sua direção, convicção e fé.
4º – Porque a própria passagem fala de “matar a alma”, que no grego traz o verbo apollumi (destruir), que em várias ocasiões significa claramente o fim completo, como em 2 Pedro 3:7—“destruição dos homens ímpios”.
5º – Porque mesmo em nosso idioma falamos em “dobrar o espírito” de alguém, no sentido de convencer tal pessoa a aceitar uma certa visão, assimilar a convicção íntima de outro abandonando suas próprias. Não poder matar a alma neste caso significa que ninguém poderia eliminar a convicção profunda de alguém pela verdade, conquanto podendo até tirar-lhe a vida. Na passagem de Lucas 12:4, 5 com linguagem semelhante, significativamente não consta a expressão “matar a alma”, apenas é dito: “Não temais os que matam o corpo e, depois disso, nada mais podem fazer. . . . Temei aquele que depois de matar, tem poder para lançar no inferno”.
6º – Porque em muitas ocasiões Cristo ensinou exatamente a destruição total dos pecadores ao comparar coisas tais como as ervas que são reunidas em molhos para serem queimadas (Mat. 13:30, 40), os maus peixes que são lançados fora (Mat. 13:48), as plantas prejudiciais que são arrancadas (Mat. 15:13), a árvore infrutífera que é cortada (Luc. 13:7), os galhos secos que são queimados (João 15:6).
Ele comparou os perdidos a servos infiéis que são destruídos (Luc. 20:16), o mau servo que será despedaçado (Mat. 24:51), os galileus que pereceram (Luc. 13:2, 3), as dezoito pessoas que foram esmagadas pela torre de Siloé (Luc. 13:4, 5), os antediluvianos que foram destruídos pelo dilúvio (Luc. 17:27), as pessoas de Sodoma e Gomorra que foram destruídas pelo fogo (Luc. 17:29) e os servos rebeldes que foram mortos quando do retorno do seu mestre (Luc. 19:14, 27).
As ilustrações empregadas pelo Salvador descrevem vividamente a destruição final ou dissolução dos ímpios. Jesus perguntou: “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?” (Mat. 21:40). E as pessoas responderam: “Fará perecer [apollumi] horrivelmente a estes malvados” (Mat. 21:41).
7º – Porque o apóstolo Paulo também usou linguagem de destruição. Falando dos “inimigos da cruz”, Paulo diz que “o destino deles é a perdição [apoleia]” (Fil. 3:19). Concluindo sua epístola aos gálatas, Paulo adverte que “o que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção [phthora]; mas o que semeia para o Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (Gál. 6:8). O Dia do Senhor virá inesperadamente, “como um ladrão de noite, . . . eis que lhes sobrevirá repentina destruição [olethron] (2 Tes. 1:9). Não há como um processo de destruição durar eternamente.
O Apóstolo acentua ainda que “todos os que pecaram sem lei, também sem lei perecerão [apolountai]” (Rom. 2:12). Em vista do destino final que aguarda crentes e descrentes, Paulo muitas vezes fala dos primeiros como “aqueles que estão sendo salvos—[hoi sozomenoi]” e destes últimos como “aqueles que estão perecendo—[hoi apollumenoi]” (1 Cor. 1:18; 2 Cor. 2:15; 4:3; 2 Tes. 2:10). Esta caracterização comum é indicativa do entendimento de Paulo sobre o destino dos descrentes como destruição derradeira, não tormento eterno.
8º – Porque, à semelhança de Paulo, Pedro também emprega clara linguagem de destruição. Ele fala de falsos mestres que secretamente trazem heresias e que acarretam sobre si “repentina destruição” (2 Ped. 2:1), compara a destruição deles à do mundo antigo pelo dilúvio e das cidades de Sodoma e Gomorra que foram queimadas e transformadas em cinzas como “exemplo” dos que haverão de perecer (2 Ped. 2:5, 6).
Ele alude novamente à sorte dos perdidos quando diz que Deus é “longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2 Ped. 3:9). As alternativas de Pedro entre arrepender-se e perecer nos trazem à lembrança a advertência de Cristo: “se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis” (Luc. 13:3). Este último evento se dará por ocasião da vinda do Senhor quando “os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas” (2 Ped. 3:10). Tal descrição vívida da destruição da Terra e dos malfeitores por fogo dificilmente deixa espaço para idéia de tormento infindável no inferno. Os que pereceram no dilúvio não permaneceram eternamente sendo atormentados na água. Pedro fala do fogo que derreterá os elementos e também cumprirá a destruição dos descrentes, “pela mesma palavra” (de Deus, que ordenou o dilúvio).
9º – Porque também Tiago adverte os crentes a não permitirem que desejos pecaminosos se enraízem em seus corações porque “o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tia. 1:15). À semelhança de Paulo, Tiago explica que o salário derradeiro do pecado é a morte, a cessação da vida, e não o tormento eterno. Ele fala também de Deus “que pode salvar e fazer perecer” [“destruir”, VKJ] (Tia. 4:12). O contraste é entre salvação e destruição.
Tiago encerra sua epístola encorajando os crentes a vigiarem pelo bem-estar uns dos outros porque “aquele que converte o pecador do seu caminho errado, salvará da morte a alma dele, e cobrirá uma multidão de pecados” (Tia. 5:20). Novamente a salvação é da morte ou “destruição”. A propósito, Tiago fala de “salvar a alma da morte” deixando implícito que a alma pode morrer porque é parte da pessoa integral.
10º – Porque, além das claras passagens apocalípticas que falam da segunda morte—o “lago de fogo”—João descreve em Apocalipse 11:18 como ao som da sétima trombeta ele ouve os 24 anciãos proclamando: “chegou . . . o tempo . . . para destruíres os que destroem a terra”. Aqui, novamente, o resultado do juízo final não é condenação ao tormento eterno no inferno, mas destruição e aniquilamento.