A noiva de Cântico dos Cânticos

O texto de 6:13 a 7:1-9 de Cântico dos Cânticos descreve os quadris, umbigo, seios, pescoço, nariz, olhos e tranças da noiva. Além disso, menciona que seus beijos “são como o bom vinho”. Como isso se aplica à igreja? – I. B.

Uma importante regra de interpretação bíblica é a de que um texto da Escritura tem, basicamente, um só sentido – a menos que o contexto permita mais de um. Outra regra igualmente importante é a de que se deve ir ao texto com a idéia de que ele é literal – a menos que o contexto permita alguma interpretação simbólica, alegórica. No caso do texto em questão (Ct 6:13-7:1-9), vê-se que ele permite mais de um sentido: 1) O casamento de Salomão com sua noiva, Sulamita, e 2) a união de Cristo com a igreja, podendo, assim, ser entendido como literal (noiva literal, a Sulamita) e alegórico (noiva simbólica, a igreja). Trata-se, portanto, de um texto com dupla aplicação.

É uma pena que, com o passar do tempo, a igreja cristã passou a considerar a mulher como fonte do pecado e o prazer sexual como algo pecaminoso, sendo a sexualidade tolerada apenas para a procriação. Interpretando mal as palavras de Paulo “quem casa a sua filha virgem faz bem, quem não a casa faz melhor” (1Co 7:38) – conselho dado apenas para momentos de perseguição – , líderes da igreja chegaram a dividir os cristãos em duas classes: a dos casados, que atingia um grau de santidade inferior, e a dos solteiros, que alcançava um grau de santidade superior. Essa maneira de considerar a sexualidade deu origem ao celibato e à vida monástica, vistos como o ideal de vida cristã. Mas não é assim que a Bíblia trata a sexualidade.

Muitos se perguntam como um livro tão explícito em termos sexuais, como Cântico dos Cânticos, entrou no cânon bíblico. A resposta é que a Bíblia apresenta a sexualidade como um dom do Criador ao ser humano, vista como algo “muito bom”, no contexto da criação de Adão e Eva (Gn 1:27, 31) Assim, a relação sexual deveria (e deve) ter como finalidade PPC – procriação, prazer e companheirismo. No contexto e dentro do casamento, a prática sexual é santa e pura, visto ter sido permitida e ordenada antes mesmo da entrada do pecado em nosso mundo (Gn 1:28).

Os versos 6:13 a 7:1-9 de Cântico dos Cânticos fazem parte de um belo cântico de amor conjugal, provavelmente escrito para o casamento de Salomão com Abisague, a Sunamita, bela enfermeira de Davi, em seus últimos dias (1Rs 1:1-4).
No poema, Salomão teria trocado o designativo de origem “Sunamita” (natural da localidade de Suném, vila situada ao norte de Jezreel, cf. 2Rs 4:8) para “Sulamita”, combinando assim o nome dela com o dele (em hebraico, a raiz para os nomes “Salomão” e “Sulamita” é composta pelas mesmas três letras – šlm). O poema teria sido executado no dia do casamento de Salomão (3:11) com a Sulamita (6:13), ao que parece, a única com a qual Salomão casou por amor (6:8, 9) – as demais esposas vieram ao seu harém como resultado de tratados políticos.

Como se trata de um poema de amor conjugal, nada mais natural o fato de o noivo elogiar a beleza na noiva – seus quadris, umbigo, seios, pescoço, olhos, nariz, cabelos e beijos. Aliás, boa parte do livro de Cântico dos Cânticos é de elogios recíprocos, onde o jovem casal elogia os atributos físicos um do outro – uma boa dica para os casais de hoje.

Em uma aplicação secundária, alegórica, mas não menos importante, pode-se entender a noiva como a igreja de Cristo (Ef 5:25, 32), considerada por Ele como “formosa”, “querida” e “sem defeito” (4:7), não por obras de justiça praticadas por ela, “mas segundo a Sua misericórdia […], mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3:5; confira ainda Ef 5:26).

O noivo de Cântico dos Cânticos elogia a noiva e a considera “sem defeito”. Assim Cristo faz com Sua igreja: aos Seus olhos, ela é “igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, sem coisa semelhante, porém santa e sem defeito’ (Ef 5:27). Diz-se que o amor tem bons olhos. E com Cristo não é diferente: mesmo sem merecermos, Ele nos considera sem defeito, graças à Sua justiça, que nos é creditada e nos cobre. Em vista de amor tão profundo, nossa resposta não deveria ser outra a não ser corresponder a tal amor com todas as forças de nosso ser. Que assim seja!

Autor: Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e professor no Salt / Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP. 

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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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