Uma das coisas mais tristes do mundo pós-moderno é a visão crescente de que filhos e crianças são fardos. É cada vez mais comum homens e mulheres que não desejam ter filhos, gente que detesta crianças e indivíduos que tem filhos apenas por descuido, passando a criá-los sem amor, atenção, cuidado, educação e limites. As razões alegadas por essas pessoas para a antipatia em relação aos pequeninos são sempre as mesmas: dá trabalho, gasta dinheiro, toma tempo.
A gente de nosso tempo já não pensa em filhos e crianças como vidas humanas. Antes são incômodos aos nossos planos pessoais. Se eu tenho um filho, terei de sair menos, economizar mais, abdicar de alguns prazeres, oferecer atenção, me preocupar. Enquanto pequenos, me incomodarão com seu choro, fraldas sujas, assaduras, correria, bagunça, pedidos. Quando maior, me incomodará com seus estudos, amigos e saídas. Precisarei literalmente doar parte de minha vida ao meu filho. Nosso mundo não quer mais esse tipo de trabalho. Quem sabe um cachorro ou um gato? Filhos, não.
É sintomático. O mesmo mundo que não quer se doar para crianças, também não deseja se doar para ninguém. A manutenção do casamento já não vale o sacrifício. É para isso que existe o divórcio. Aliás, para quê casar? Para o meu conforto e segurança, é melhor apenas morar junto. Ao primeiro sinal de sacrifício, eu desmancho. Sem burocracia, sem compromisso, sem problemas. E para quê lutar por um namoro? Esforçar-se pelo outro é irritante e entediante. Dos relacionamentos queremos agora só a parte boa, queremos apenas receber. A regra é fazer o mínimo de esforço possível. Ou melhor, menos que o mínimo. Queremos apenas nos sentir bem. E não percebemos que isso já não é mais sinônimo de relacionamento.
As duas últimas gerações aprenderam, e muito rapidamente, a chamar amor próprio de relacionamento. Embora amar a si mesmo seja essencial, somente isso não se constitui uma relação com alguém, mas apenas consigo mesmo. Buscar a outro unicamente para satisfazer os próprios desejos, sem entender que um relacionamento é uma via de mão dupla que exige também esforço e sacrifício, é morrer tentando beijar o seu reflexo no lago; é uma relação narcísica.
A antipatia por crianças e filhos é um sintoma da antipatia por relacionamentos, quer seja entre homem e mulher, quer seja entre filhos e pais, netos e avós, indivíduo e família. E as razões, mais uma vez, são as mesmas: dá trabalho, gasta dinheiro, toma tempo. Relacionamento requer sacrifício, doação, amor para além de si mesmo. Cuidar de seus pais velhos e doentes, suportar as manias do cônjuge que você escolheu, gastar seu tempo, dinheiro e forças em prol dos filhos são posturas que vão contra o hedonismo e o egoísmo pregados pelo mundo. Viver pela família está se tornando artigo obsoleto. A ideia de família está se extinguindo. E a antipatia por crianças e filhos é não apenas um efeito disso, mas também a arma final e mais poderosa contra essa instituição divina.
Sem mais capacidade de ver beleza nas crianças, na maternidade e na paternidade; sem mais qualquer estimulo no sentido de se doar por algo além de si mesmo; sem mais a visão de que a família surge quando um casal gera filhos; o ser humano pós-moderno sucumbirá afogando-se em seu próprio reflexo na água. E assim morrerão com ele todos os relacionamentos verdadeiros e todo o ideal de família.
Em meio à destruição dessa sagrada instituição divina da família, a Bíblia permanece incólume, afirmando o valor das crianças e dos filhos. No belo Salmo 127, lemos:
“Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão. Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade. Feliz o homem que enche deles a sua aljava; não será envergonhado, quando pleitear com os inimigos à porta” (Sl 127:3-5).
Já nos evangelhos, vemos Jesus dizendo graciosamente aos seus discípulos:
“Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, pois o Reino dos céus pertence aos que se tornam semelhantes a elas” (Mt 19:14).
As crianças são puras e inocentes. Enquanto conservadas como crianças em sua fase de crianças, e cuidadas com amor e limites pelos seus pais, permanecem como exemplo de bondade e humildade. É nesse sentido que devemos ser como elas para adentrar o reino dos céus. E os filhos, como a Palavra bem diz, são herança. Por quê? Porque um filho tem potencial para mudar o coração de uma pessoa, tornando-a mais altruísta, fazendo-a entender melhor o que é amar além de si mesmo, o que é cuidar, o que é guiar. Porque um filho transforma um casal numa família, une duas famílias distintas, cria laços mais fortes os cônjuges. Porque filhos enchem a casa de vida, de alegria, de relacionamentos, de pessoas que podem ajudar umas às outras. Porque uma casa cheia de filhos e bem estruturada nos preceitos morais e cristãos é o primeiro e melhor ambiente social que uma criança pode experimentar. Ele aprenderá ali a compartilhar, a se preocupar com os irmãos, a interagir, a pensar não apenas por si, mas por todos.
Ter filhos, educar crianças, formar uma família, não é tarefa fácil. Requer não somente sacrifício e esforço, mas planejamento. Toda a dificuldade, contudo, vale à pena. Ela nos tornará mais humanos e mais felizes. Porque a felicidade não é esse conjunto de pequenas alegrias vazias e egoístas que tomamos como droga e que perdem o efeito em tão pouco tempo. A felicidade é aquilo que Deus disse que é bom, feito da forma como Deus afirmou ser bom. Essa sim é durável e suporta todos os períodos tristes a que esse mundo cruel nos expõe.
Que nesse dia das crianças, possamos nos lembrar da benção que as crianças e os filhos, sejam pequenos ou grandes, são para toda a humanidade. E que essa memória nos faça refletir sobre a importância da família.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista