A verdadeira e a falsa adoração

A ênfase nos atributos criadores de Deus presente no juramento do Anjo forte em Apocalipse 10:5-6 sinaliza à igreja do tempo do fim que a adoração estará no centro da última grande controvérsia.

Naturalmente, apenas o Deus Criador é digno de receber adoração, mas o inimigo da verdade pretende usurpar essa prerrogativa divina mediante um sistema paralelo de culto.

Ao revelar os muitos contrastes entre a verdadeira e a falsa adoração, o Apocalipse nos fornece informações preciosas para permanecermos fiéis a Deus e não ser seduzidos pelos apelos da religião popular.

 

Dois grupos de adoradores

 

Em nossa última postagem, mencionamos que o assunto da adoração é amplamente desenvolvido em Apocalipse 13 e 14. Há oito referências ao tema nesses capítulos, sendo que Apocalipse 14 cumpre a função de contraparte complementar do capítulo 13. A comparação entre ambos os capítulos revela uma distinção clara e profunda entre dois modelos de adoração.

Em Apocalipse 14:1, João vê o Cordeiro em pé no monte Sião juntamente com o remanescente final representado pelos 144 mil. Esta visão triunfante e gloriosa que abre o capítulo e que tem animado gerações de crentes estabelece uma série de contrastes propositais com a falsa tríade satânica e seus adoradores descritos em Apocalipse 13.

Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai.

O monte Sião é uma antítese de Babilônia. Ambos os nomes são extraídos do Antigo Testamento, e estão profundamente enraizados na história da salvação de Israel. No Apocalipse, eles representam dois modelos distintos e antagônicos de adoração. Sião e seu santuário, seu culto religioso e seus seguidores constituem a norma da verdade salvadora pela qual Babilônia, seu culto religioso e seus seguidores são medidos no tribunal do Céu. (1)

Ao passo que os seguidores da besta e de sua imagem recebem a marca da apostasia (Apocalipse 13:16-17), os companheiros do Cordeiro trazem em sua fronte o sinal de aprovação do Deus vivo (7:1-3). Enquanto que o caráter do anticristo e de seus adoradores é identificado pelo número 666, o caráter do remanescente fiel é representado por seu número: 144 mil. Os primeiros compreendem os perseguidores; os últimos, os perseguidos, os quais triunfarão com o Cordeiro (Apocalipse 17:14).

Adoração e fidelidade no tempo do fim

Em Apocalipse 11:2, o monte Sião ou cidade santa simboliza o povo de Deus perseguido e oprimido pelos gentios. Babilônia também representa um povo. Temos aqui dois partidos, dois grupos de adoradores.

Significativamente, o conceito que os profetas do Antigo Testamento tinham de Sião não era de modo algum limitado por fatores étnicos ou geográficos. Isaías, por exemplo, considerava Sião como o Israel espiritualmente ativo, que mantinha um relacionamento vivo com Jeová. Dirigindo-se a esta Sião, Deus declarou por intermédio de Seu profeta:

Ouvi-me vós, os que procurais a justiça, os que buscais o SENHOR; […] Ouvi-me, vós que conheceis a justiça, vós, povo em cujo coração está a minha lei… (Isaías 51:1 e 7)

A quem Deus identificava como o Seu povo? Quem Ele considerava Sião? Os que procuravam Sua justiça, que buscavam o Senhor e O conheciam, e em cujo coração estava Sua lei! Foi a esta Sião que Deus chamou de meu povo (Isaías 51:16). Não há nenhuma ênfase aqui a um lugar “santo” geográfico ou a uma etnia em particular, embora os israelitas fossem depositários, conservadores e testemunhas da verdade divina. De fato, as bênçãos destinadas a Israel eram estendidas a todos os gentios que verdadeiramente buscassem ao Senhor (Isaías 56:1-8).

Enquanto Sião permaneceu fiel a Deus e à Sua aliança e não forjou acordos ilícitos com as nações em redor, o Senhor se identificou como o seu marido (Isaías 54:5), e Israel era comparado a uma linda jovem a quem Deus vestiu e adornou para ser Sua noiva (Ezequiel 16:8-14). Quando o povo, porém, estabeleceu com as nações estrangeiras alianças que Deus expressamente havia proibido (Deuteronômio 7:2; Juízes 2:2), Sião passou então a ser identificada como uma meretriz (Isaías 1:21), “descendência da adúltera e da prostituta” (57:3).

Essa dupla caracterização de Sião como esposa fiel e meretriz, em momentos diferentes, forma o antecedente teológico para compreender as duas mulheres simbólicas no Apocalipse de João. O último livro da Bíblia descreve a igreja fiel como uma esposa radiante (12:1), e a igreja apóstata, como a grande meretriz: “Babilônia” (17:1-5) (2)

Tanto no Antigo como no Novo Testamento, o casamento é um símbolo bastante apropriado para representar a relação de intimidade e fidelidade recíproca que Deus espera manter com Seu povo. Escrevendo aos cristãos em Corinto, o apóstolo Paulo usou a mesma figura de linguagem para descrever o objetivo de seu ministério:

Porque zelo por vós com zelo de Deus; visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo. (II Coríntios 11:2)

É dessa forma que a igreja se mantém incontaminada de conceitos e crenças errôneos que, se adotados, certamente comprometeriam seu relacionamento com Deus e, como consequência, a qualidade de seu culto. Por outro lado, cortejar a atenção do mundo, mesmo pelos motivos mais razoáveis (veja um exemplo aqui), significa, do ponto de vista das Escrituras, cometer adultério espiritual.

Assim, fica claro porque o Apocalipse usa a figura da Grande Meretriz (17:5) para representar o maior inimigo da igreja nos últimos dias. Nos tempos de Israel, o culto idolátrico das nações pagãs constituía a maior ameaça à integridade e identidade do povo de Deus. Nos momentos finais da história humana, a igreja será confrontada pela mesma ameaça representada pela imagem de Babilônia mística e seu vinho intoxicante (Apocalipse 14:8).

O poder sedutor da falsa adoração

Nesse contexto, refletir sobre a experiência religiosa dos israelitas pode ser muito instrutivo. Quando olhamos para a história de Israel percebemos que sua trajetória foi marcada por altos e baixos, como num trapézio, ora mantendo-se íntegro por sua fidelidade a Deus, ora prostituindo-se com os falsos modelos de adoração das nações estrangeiras. Essa persistente variação na experiência religiosa dos israelitas estava geralmente associada ao grau de consagração de seus líderes.

O paganismo que frequentemente assediava o povo de Israel possuía, pelo menos, três características básicas. A primeira delas era a ausência de uma separação entre o sagrado e o comum, visto que para certas religiões primitivas o sagrado se integrava ao comum em virtude da crença na proximidade e presença natural dos espíritos. A relação direta entre o espírito (mundo sagrado) e o homem ou a natureza (mundo profano), seja pela gênese dos espíritos como descendentes dos humanos, seja pelo fenômeno de possessão, influencia a aproximação, senão a integração entre sagrado e profano (3)

A segunda característica consistia no forte apelo sensorial, em que o objetivo das fórmulas e rituais, muitas delas de natureza licenciosa e hedionda, era levar o adorador ao transe e ao êxtase, com a pretensão de promover uma unidade com o sobrenatural. As experiências extáticas nas religiões primitivas eram, portanto, o centro e o motivo dos rituais. (4) Mediante tais experiências, Satanás pretende exacerbar a inversão hierárquica da mente provocada pelo pecado (sobre isso, clique aqui).

Finalmente, o paganismo era essencialmente ecumênico, pois integrava com certa facilidade crenças e conceitos de várias religiões. Os povos da Mesopotâmia (sumérios, babilônios e assírios) foram provavelmente os que mais desenvolveram esse conceito, pois à medida que espalhavam sua influência, absorviam contribuições de diferentes culturas, de modo que novos deuses eram acrescentados ao panteão, o que constituía uma mistura de pensamento religioso. (5)

Todas as vezes que Israel se unia a esses povos, assimilava algo de sua cultura religiosa, familiarizando-se, por conseguinte, com essas três características. A frequente intimidade do povo de Deus com as crenças e rituais pagãos tornou-o incapaz de discernir entre o verdadeiro e o falso culto. Uma vez que o conceito religioso pagão se apossava da mente, era quase impossível exercer as faculdades perceptivas dentro de limites razoáveis (veja um exemplo notório em II Reis 21:1-9).

A história se repete nos últimos dias

Cada uma das características mencionadas acima também está presente na apostasia de dimensões ecumênicas do tempo do fim. Nesse sentido, a Babilônia mencionada por João no Apocalipse não representa somente a atual confusão religiosa de que somos testemunhas, mas, sobretudo, um redescobrimento seletivo de alguns conceitos desenvolvidos pelas religiões primitivas, pelos quais se pretende satisfazer as necessidades espirituais peculiares da pós-modernidade.

Desse modo, a espiritualidade moderna (ou pós-moderna) é incapaz de reconhecer a diferença elementar entre o santo e o comum, pois a busca pela transcendência, por uma experiência existencialista com os espíritos ou mesmo com Deus implica a busca por uma unidade orgânica com o sobrenatural que não admite essa distinção. Nesse caso, prevalece a máxima maquiavelista segundo a qual os fins justificam os meios.

A busca pela transcendência é uma marca da espiritualidade moderna e, por isso, ela também possui forte apelo sensorial e emocional. Aqui, a Revelação e a razão são menos importantes do que a intuição e a emoção em matéria de experiência religiosa. Essa busca é destituída de qualquer juízo de valor; importa apenas a possibilidade de se conectar com o sobrenatural. O distanciamento da razão e a valorização do conhecimento intuitivo, contudo, prejudicam os referenciais de verdade e podem lançar o pensamento numa crise profunda. (6)

Por fim, a espiritualidade moderna é também ecumênica por natureza, não admitindo o discurso da separação, principalmente por dogmas. Ela suporta apenas o conceito de inter-espiritualidade; todas as religiões têm um objetivo comum, que é conectar o homem com Deus. Elas partilham objetivos, necessidades e recursos comuns. E, principalmente, um mesmo conceito de adoração. À semelhança das antigas civilizações mesopotâmicas, o panorama espiritual contemporâneo é caracterizado por uma mistura de pensamento religioso apropriadamente chamada no Apocalipse de Babilônia.

Como nas sucessivas apostasias do antigo Israel, a consequência imediata da adoção desse modelo por parte da igreja remanescente é a identificação com suas ideias e práticas, as quais contaminam e alteram a experiência religiosa de seus membros e suprimem o verdadeiro culto a Deus.

Nas palavras de um famoso pregador, a sutileza do diabo consiste em levar os crentes perto o bastante do mundo para serem contaminados por ele, mas suficientemente distante para acreditarem que ainda são diferentes. Não admira que a separação do mundo seja, de longe, a exortação mais frequente que Deus dirige a Seu povo ao longo de toda a Bíblia.

Diante de tudo isso, surge a pergunta: Como o povo de Deus pode se proteger e prevalecer contra o falso modelo de adoração, expressão religiosa do espírito ecumênico da atualidade? A resposta está nas características singulares que distinguem o remanescente final – os 144 mil – dos falsos adoradores. Este será o tema de nossa próxima postagem.

Notas e referências

1. Hans K. LaRondelle. As Profecias do Tempo do FimXXIV – Os Últimos Companheiros do Cordeiro – Apocalipse 14:1-5.

2. Ibid.

3. Vanderlei Dorneles. Cristãos em Busca do Êxtase: Adoração e espiritualidade no cenário atual. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014, p. 52.

4. Ibid., p. 64.

5. “Ancient Babylonia – Religion of the Ancient Near East”. Bible History Online.

6. Vanderlei Dorneles, op. cit., p. 35.

 

 


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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