Na oitava postagem dessa série, analisamos as interpretações católicas e protestantes em geral a respeito de Apocalipse 8-11. Nesta nona postagem, daremos prosseguimento às comparações, focando nos capítulos 12-14 de Apocalipse, os quais também formam uma unidade. Quem não leu as postagens anteriores, os links estão aqui (parte 1, parte 2, parte 3, parte 4, parte 5, parte 6, parte 7 e parte 8).
A mulher e o dragão (Ap 12)
No capítulo 12 de Apocalipse, João tem uma visão onde se lhe apresenta uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e doze estrelas na cabeça (v. 1). Ela está grávida e com dores de parto (v. 2). O filho é identificado, no texto, como aquele que regerá as nações e que se assentará ao lado de Deus – isto é, Jesus (v. 5). Também é visto um Dragão identificado pelo próprio texto como Satanás, o qual tenta matar o filho da mulher e também é mostrado como sendo expulso do céu (vs. 3-4, 7-9). Com a tentativa frustrada, Satanás se coloca a perseguir a mulher, que foge para o deserto e é sustentada por 1260 dias ou um tempo, dois tempos e metade de um tempo (v. 6 e 13-16). Na cena final dessa primeira visão, Satanás se ira contra os descendentes de mulher, identificados como aqueles que “guardam os mandamentos de Deus e tem o testemunho de Jesus” (v. 17).
O texto não possui muitos elementos para serem interpretados profundamente, visto que os sentidos, no geral, são dados de modo direto pelo próprio texto. Os pontos que carecem de alguma análise um pouco maior são a identidade da mulher e o tempo de perseguição. Sobre o primeiro ponto, a Nova Bíblia de Estudo de Genebra relaciona a mulher com “Jerusalém trazendo o Messias e Seu remanescente (Is 54:1-4; 66:7-13; Mq 5:3)”. O comentário continua:
“Os santos do Antigo Testamento estão coletivamente em vista. Maria, mãe de Jesus está incluída neste grupo, mas apenas como um membro proeminente do todo. A história posterior mostra que os santos do Novo Testamento também estão incluídos (vs. 13-17)”.
Sobre o tempo de perseguição, o comentário apenas indica a leitura dos comentários já feitos a Apocalipse 11:2. Como já vimos na postagem passada, o comentário a esse verso entende que o tempo mencionado provavelmente é um período indefinido que foi cortado pela metade por Deus. A linha seguida pelo comentário continua sendo generalista e pouco precisa.
O Comentário Bíblico Moody, por sua vez, após listar algumas interpretações distintas da identidade da mulher, afirma: “Eu penso que podemos afirmar que seja Israel”. Mais adiante, sobre o verso 6, pontua:
“Eu, pessoalmente, creio como Weidner, Walter Scott e muitos outros, que este versículo é antecipatório e aponta para o tempo da tribulação de Israel no final dos tempos. Foi colocado aqui para enfatizar o fato de que Satanás, que odeia Cristo, e portanto o Seu povo, vai perseguir Israel de maneira especial conforme o tempo do fim estiver se aproximando”.
Sobre o período de perseguição, lemos:
“13-17. O que foi mencionado em antecipação no versículo 6 está declarado aqui com mais detalhes. O período de tempo designado um tempo, tempos, e metade de um tempo (v. 14), semelhante aos 1.260 dias no versículo 6, é o período da mais negra tribulação. A terra ajudando a mulher (v. 16) pode representar, como diz Walter Scott, os governos da terra tendo amizade com os judeus “e providencialmente (como, não sabemos) frustrando os esforços da serpente” (Exposition of the Revelation of Jesus Christ, in loco). A referência à mulher e sua descendência (v. 17) faz lembrar a primeira profecia messiânica (Gn. 3:15)”.
A interpretação do Moody, portanto, permanece seguindo a linha futurista, enxergando a cena como ocorrendo no fim dos tempos.
A Bíblia de Estudo Apologia entende que “A descrição da gravidez e a dor do parto relembram Gênesis 3:15-16 e é possível que a profecia do nascimento virginal (Is 7:14) também esteja considerada”. Afirma ainda que “As palavras dos versículos 4-5 sugere que a tentativa de Herodes, o Grande, de matar o menino Jesus teve inspiração satânica”. Termina dizendo que “De acordo com alguns comentaristas, a ‘mulher’ que fugiu é uma referência aos convertidos depois que as duas testemunhas foram ressuscitadas e ascenderam”. Não fica claro no comentário quando, na história, ocorre a perseguição da “mulher”, como também não fica claro quando ocorre o período de pregação das duas testemunhas no capítulo 11, como vimos na postagem passada.
A Bíblia de Jerusalém diz sobre a identidade da mulher:
“Ela representa o povo santo dos tempos messiânicos (Is 54, 60 e 66; Mq 4:9-10) e portanto a Igreja em luta. É possível que João pense em Maria, a nova Eva, a filha de Sião, que deu nascimento ao Messias” (cf. Jo19:25+)”.
Sobre o tempo de perseguição, faz-se menção à explicação de Apocalipse 11:3, onde os comentaristas defendem que o tempo é apenas um símbolo geral para qualquer tempo de perseguição, como já vimos na postagem anterior. A linha de raciocínio continua preterista. A perseguição é a que os cristãos sofreram pelas mãos do império romano em sua fase pagã.
Isaac Newton, curiosamente, também adota uma visão preterista de Apocalipse 12. E ela é bem distinta dos demais. Ele entende as dores de parto como referentes não ao período em que Jesus estava para nascer, mas sim ao período em que a Igreja estava para produzir um império cristão. Assim, o período de perseguição é visto como ocorrendo na época de Diocleciano, entre 303 e 313. Toda a descrição de Apocalipse 12, portanto, é vista por Newton como simbolizando lutas políticas do início do quarto século que antecederam o fim das perseguições à Igreja. Newton não dá detalhes sobre a localização histórica dos 1260 dias, mas afirma em certo trecho: “Ela [a mulher] é alimentada pelos mercadores da terra, durante três tempos e meio, ou três anos e meio, ou 42 meses, ou 1260 dias. E nesta profecia os dias representam anos”.
Vamos analisar as interpretações. Todos concordam que a mulher é uma referência ao povo de Deus, embora haja ênfases distintas. A Nova Bíblia de Estudo de Genebra entende que o povo de Deus está incluído como um todo. A Bíblia de Jerusalém e Isaac Newton puxam para a Igreja. O Moody puxa para Israel no fim dos tempos. A Bíblia de Estudo Apologia oferece uma posição dúbia.
Pelo contexto, parece mais razoável que a mulher seja o povo de Deus ao longo da história, começando pelo primeiro advento de Cristo, e seguindo para as perseguições posteriores de Satanás. A descrição do filho da mulher conta com muitos paralelos em relação a Jesus, de modo que não faz muito sentido propor que não se está falando do primeiro advento. As perseguições claramente se iniciam após a ascensão de Jesus, o que poderia creditar a interpretação preterista da Bíblia de Jerusalém. No entanto, elas se estendem também até o período em que a mulher é levada para o deserto e depois o período em que ela fica lá. Esse período de tempo é mencionado pela primeira vez em Daniel 7:25-27 e 12:7-9, passagens que conduzem ao tempo do fim. Logo, o capítulo 12 de Apocalipse se encaixa melhor no esquema historicista, onde há cumprimento no tempo imediato do profeta, mas também no decorrer da história até o fim.
O fato de que toda a interpretação do capítulo 2 até o 11 de Apocalipse também se encaixa melhor no esquema historicista (por razões elencadas nos capítulos anteriores) fortalece a ideia de que esse padrão deve continuar a ser seguido. Uma análise mais generalista ou mais dúbia como a da Nova Bíblia de Estudo de Genebra e a da Bíblia de Estudo Apologia não nos ajudam aqui.
As duas bestas (Ap 13)
Esse é o capítulo mais famoso de Apocalipse. João vê uma besta emergindo do mar composta por partes dos quatro animais de Daniel 7 e com grande autoridade dada pelo Dragão (vs. 1-2). Ela é ferida de morte, mas se recupera e volta a ter autoridade sobre todo o mundo (vs. 3-4). O texto diz que ela blasfema e luta contra os santos por 42 meses (vs. 5-10). Depois João vê outra besta, dessa vez emergindo da terra, parecendo cordeiro, mas falando como dragão (v. 11). Esta segunda besta exerce toda a autoridade da primeira besta, faz sinais sobrenaturais e procura fazer a todos adorarem a imagem da primeira besta (vs. 12-15). Assim, todos são obrigados a ter uma marca ou número da besta na testa ou na mão direita para poder comprar ou vender (vs. 16-18).
A Nova Bíblia de Estudo de Genebra diz sobre o capítulo:
“13:1-10 A besta saindo do mar representa o poder de perseguir, especialmente o poder de um estado demonizado. […] Esta besta combina características das quatro bestas de Dan. 7:1-8, 17-27, que representam reinos idólatras. Esta besta em Apocalipse deve ser um reino mundano resumindo todos eles. Desta forma, as perseguições estatais de Daniel e seus amigos sugerem a natureza da perseguição que as sete igrejas devem enfrentar das perseguições do Estado e, possivelmente, romanos dos séculos posteriores. Os intérpretes discordam sobre qual perseguição especial a besta representa mais diretamente (Introdução: Dificuldades Interpretativo). Na Ásia Menor, as autoridades locais ameaçaram matar os cristãos se recusaram a adorar o imperador romano. A oposição semelhante ao culto divino vão surgir, pouco antes da Segunda Vinda (2 Tess. 2:04). Perseguições vêm esporadicamente no período entre esses dois momentos (Mt 24:9; 2 Tm 3:12,13; 1 Pd 4:12-19). Tanto um padrão repetido de oposição satânica e um surto de final, clímax são aparentemente sugerido em 2 Tessalonicenses. 02:07,8 .
Mais uma vez, o comentário não toma uma posição muito definida. Mas é interessante a menção a II Tessalonicenses 2, passagem em que o apóstolo Paulo fala sobre o “homem da iniquidade”. Esse personagem tem as mesmas características que a besta que emerge do mar e o comentário parece concordar com isso. Mais adiante, sobre a besta da terra, comenta: “13:11-18 A besta da terra, também chamado de falso profeta (16:13; 19:20; 20:10), funciona como um propagandista para a besta”. E também diz: “Pouco antes da Segunda Vinda, os milagres falsificados vão acompanhar o aparecimento do ‘homem da iniqüidade’ (2 Ts 2:3,9)”. Ou seja, o “homem da iniquidade” seria a besta que emerge do mar, a qual receberia publicidade da besta que emerge da terra por meio de milagres falsos.
Na sequência, o comentário nota que a “marca da besta é uma falsificação do selo do nome de Deus sobre os santos (7:2-8; 14:01; Ez 9)”, algo que já vimos na postagem 7 dessa série. E conclui sobre o verso 18:
“13:18 666. Pelo tempo de Domiciano, o imperador Nero anteriormente havia se tornado uma figura do anticristo tradicional, e 666 era, provavelmente, já conhecido por ser o valor numérico associado com o nome de Nero César, em hebraico. O número, em seguida, designa tanto o próprio Nero (que viria a ressuscitar dos mortos e levar uma invasão contra Roma de acordo com uma crença generalizada durante o reinado de Domiciano) ou uma figura mais tarde imitando impiedade de Nero”.
O Comentário Moody diz o seguinte:
“Dois governantes terríveis entram em cena no capítulo 13, uma a emergir do mar, e o outro a emergir da terra. O mar aqui indubitavelmente é ‘um símbolo da superfície agitada da humanidade não regenerada, e especialmente da caldeira fervente da vida nacional e social da qual os grandes movimentos históricos do mundo se levantam’ (Swete)”.
E mais adiante:
“Enquanto a primeira besta é sem dúvida um poder mundial político, a segunda (v. 11), como disse Lee, ‘é um poder mundial espiritual, o poder da ciência e do conhecimento, das idéias, do cultivo intelectual. Ambas são inferiores, ambas são bestas, e portanto estão em íntima afiança. A sabedoria anticristã secular está a serviço do poder anticristão mundano’ (pág. 671). A segunda besta reforça as ordens da primeira, e acompanha sua obra perversa com várias formas de manifestações milagrosas (vs. 12,13)”.
Trata-se de uma análise mais generalizante. A única informação mais específica aqui é a inferência de que as bestas teriam a ver com alguma forma de secularismo anticristão, embora não ateísta, já que a segunda besta realiza milagres. O comentário também pontua sobre o número da besta: “Acho que não precisamos ir mais adiante do que reconhecer que seis é o número do homem decaído e portanto o número da imperfeição, e que 666 é a trindade do seis”. E complementa: “Até mesmo nesta passagem há uma trindade demoníaca – Satanás, a besta a emergir da terra (Anticristo, v. 11) e a besta a emergir do mar Apocalipse (o falso profeta, v. 1)”.
A Bíblia de Estudo Apologia entende que a besta que emerge do mar é a mesma besta que emerge do abismo em Apocalipse 11:7, a qual luta contra as duas testemunhas. O comentarista correlaciona:
“Uma vez que a Besta tinha sido envergonhada pela ressurreição e ascensão das duas testemunhas (Ap 11:11-12), o versículo 3 parece descrever uma falsa ressurreição ou a cura de um ferimento quase fatal”.
Aparentemente o comentarista entende essa falsa ressurreição ou cura como algo literal, isto é, a falsa ressurreição ou cura física de um indivíduo. A besta, portanto, seria uma pessoa, não um poder ou instituição. Na sequência, o comentarista diz:
“O reinado global de terror da Besta é permitido pela autoridade divina durante ‘42 meses’ (três anos e meio), depois que as testemunhas concluírem seu testemunho e forem levadas para o céu (11:3-7,11-12)”.
O intérprete, mantendo as pressuposições anteriores, vê os 42 meses como literais. A autoridade da besta parece ser colocada como um evento futuro, embora isso não seja dito de modo claro.
Há pontos de convergência entre a interpretação da Bíblia de Estudo Apologia e a da Nova Bíblia de Estudo de Genebra. O comentário, em outro ponto, também identifica a segunda besta como o falso profeta, seus sinais com os que acompanham o homem iníquo de II Tessalonicenses 2 e a marca da besta como estando “em contraste com o selo (7:3-4) e o nome do Cordeiro e do Pai (14:1) nas testas das 144.000 pessoas”.
Quanto ao número da besta, o comentário diz:
“Muitos tentaram determinar não apenas o número (666), mas também a identidade exata do homem a quem ele se refere. Uma vez que I João 2:18 afirma que ‘muitos se tem feito anticristos’ (isto é, como um prenúncio do Anticristo derradeiro), pode ter alguma utilidade secundária observar que foi demonstrado que nomes como Nero e Hitler tem um valor numérico de 666, ao atribuir um valor a cada letra do alfabeto que compõe os seus nomes. Todavia, é sensato perceber que esse cálculo numérico só fica claro à medida em que os eventos se desenrolam”.
A Bíblia de Jerusalém traz o seguinte comentário sobre a primeira besta:
“A visão [da primeira besta] inspira-se em Dn 7 (perseguição de Antioco Epifanes). Segundo Ap 17:10-14, a Besta do mar (Mediterrâneo) é o Império Romano, que representa todas as forças dirigidas contra Cristo e a Igreja, arrogando-se poderes divinos (seus títulos, v. 1; cf. Dn 11:36; II Ts 2:4)”.
Sua ferida, por sua vez, tem várias hipóteses como possíveis cumprimentos: “Alusão a alguma restauração do império momentaneamente abalado (morte de César? Confusões que se sucederam à morte de Nero?). A Besta ferida e curada é paródia de Cristo morto e ressuscitado”.
Sobre a segunda besta, os intérpretes também a entendem como o falso profeta, citam II Tessalonicenses 2 e complementam que antes de descrever a volta de Jesus, “João mostra a atuação de falsos cristos (primeira besta) e dos falsos profetas (segunda besta), anunciado por Cristo (Mt 24:24; cf. 2Ts 2:9)”.
Aqui, portanto, a primeira besta seria tanto Roma pagã, no passado, como falsos cristos no futuro. E a segunda besta seriam os falsos profetas do futuro. A interpretação parece um tanto incoerente. Mas veremos isso mais adiante.
Em relação ao número da besta, o comentário opta pelo somatório das letras do nome de Nero. Também concordam que a marca da besta e o selo de Deus (Ap 7:1-4) estão em oposição um ao outro.
Isaac Newton interpreta da seguinte maneira:
“Quando a terra engoliu o rio e o Dragão foi fazer guerra contra os restantes filhos da mulher, João “parou sobre a areia do mar. E viu levantar-se do mar uma Besta, que tinha sete cabeças e dez chifres” (Apoc. 12:18 e 13:1). E a Besta “era semelhante a um Leopardo, e os seus pés como pés de Ursos, e a sua boca como boca de Leão” (Apoc. 13:2). Aqui João nomeia de forma ordenada as mesmas quatro Bestas da Profecia de Daniel, substituindo apenas aquela ‘quarta’ pela sua Besta, a fim de mostrar que elas são as mesmas!”
Em suma, a primeira besta seria o império romano. E a segunda, conforme explica mais adiante, seriam os dez reinos fragmentados que antes eram o império romano ocidental, agora sob a religião católica. Aparentemente, a cura da ferida mortal era o poder retornando à Roma, embora agora não mais como império, mas como religião. Ele diz:
“‘E vi outra Besta’, diz João (em Apoc. 13:11), ‘que subia da terra’. Quando a mulher fugiu do dragão para o reino da Besta [Roma], tornando-se a sua igreja, esta outra Besta levantou-se da terra, para representar a igreja do dragão. Pois ‘que tinha dois chifres semelhantes ao de um cordeiro’, tal como eram os Bispados de Alexandria e de Antióquia; e ‘falava como o dragão’ em matéria de religião; ‘e fez que a Terra’, ou as nações do reino do dragão, ‘e os que a habitam adorassem a primeira Besta, cuja ferida mortal tinha sido curada’ (Apoc. 13:12), isto é, que se convertessem à sua religião. ‘E operou grandes prodígios, de sorte que até fez descer fogo do céu à vista dos homens’ (Apoc. 13:13) isto é, excomungou aqueles que dela divergem do ponto de vista da religião: pois ao pronunciar as suas excomunhões, ela costumava descer uma tocha acesa com a chama voltada para baixo.
E disse ‘aos habitantes da terra que fizessem uma imagem da Besta que tinha recebido um golpe de espada e conservou a vida’(Apoc. 13:14), isto é, que devia ser reunido um Concílio de homens da religião da Besta. ‘E foi-lhe concedido dar espírito à imagem da Besta, e fazer que fossem mortos todos aqueles que não adorassem a imagem da Besta’ (Apoc. 13:15). Entenda-se morte mística pela dissolução de suas igrejas. ‘E fez que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, tenham um sinal na sua mão direita, ou nas suas frontes; e que ninguém possa comprar ou vender, exceto aquele que tiver o sinal ou o nome da Besta, ou o número do seu nome’ (Apoc. 13:16, 17). […] Todos os outros eram excomungados!”.
Além desses comentários, podemos citar aqui as notas de Calvino em relação a II Tessalonicenses 2. Embora Calvino não tenha escrito sobre Apocalipse (motivo pelo qual não citamos seus escritos desde que essa série entrou nesse livro), ele escreveu um comentário sobre II Tessalonicenses. Sua visão pode ser usada aqui para comparação também. No capítulo em questão, o apóstolo Paulo alerta à igreja de Tessalônica que não se alarmasse por falsas ideias de que Cristo estava prestes a vir, pois antes de sua volta, seria revelado o homem da iniquidade – um poder apóstata que se assentaria no trono de Deus e faria sinais para enganar a muitos pelo poder de Satanás. Calvino vai dizer:
“[…] Paulo emprega o termo apostasia no sentido de um abandono traiçoeiro de Deus, e isto não por parte de um ou alguns indivíduos, e sim como algo que se estenderia em toda a parte entre uma grande multidão de pessoas. Pois, quando apostasia é mencionada sem qualquer complemento, não pode ser restringida a poucos. Ora, ninguém pode ser denominado apóstata, senão aqueles que anteriormente fizeram uma confissão acerca de Cristo e do evangelho. Portanto, Paulo prediz certa revolta geral da Igreja visível. ‘A Igreja deve ser reduzida a um assustador e horrível estado de ruína, antes que sua plena restauração seja cumprida’”.
Ele vai argumentar mais adiante que essa predição paulina fora muito útil porque dificilmente alguém creria que “pudesse ser um edifício de Deus, aquilo que fosse subitamente subvertido, e permanecesse por tanto tempo em ruínas, se Paulo não tivesse muito antes sugerido que isto seria assim”. Calvino aproveita para rebater os católicos que usavam esse argumento para justificar a ICAR, dizendo que sua igreja não poderia ser apóstata, pois Jesus não “abandonaria” sua esposa por tanto tempo. Seu argumento, em suma, era que já estava predito e, portanto, nem dá para rejeitar a predição, nem para crer que Deus não esteve no controle. Na sequência, Calvino rejeita a hipótese de que o Anticristo seria Nero. E explica:
“Contudo, Paulo não fala de um indivíduo, mas de um reino, que seria apoderado por Satanás, para que ele estabelecesse um trono de abominação em meio ao templo de Deus – o que vemos cumprido no Papado”.
Calvino também explica que o Papado, diferente de outros poderes apóstatas, como o de Maomé, “manteria o poder supremo na Igreja, e a presidiria ali no lugar de Deus”. E afirma que Paulo “descreve esse reinado de abominação sob o nome de uma única pessoa porque é apenas um [Papa] reinado, embora um suceda ao outro”. Descrevendo as características dadas por Paulo do homem iníquo, pontua:
“Ora, todo aquele que aprendeu pela Escritura quais são as coisas que pertencem mais especialmente a Deus, e, por outro lado, observar o que o Papa reivindica para si – ainda que fosse um menino de dez anos de idade – não terá grande dificuldade em reconhecer o Anticristo. A Escritura declara que Deus é o único Legislador (Tg 4:12) que pode salvar e destruir; o único Rei, cujo ofício é governar as almas pela sua palavra. Ela o apresenta como o autor de todos os ritos sagrados; ela ensina que a justiça e a salvação devem ser buscadas de Cristo somente; e designa, ao mesmo tempo, o meio e o modo. Não existe nenhuma destas coisas que o Papa não afirme estar sob sua autoridade. Ele se orgulha de que cabe a ele impor às consciências as leis que lhe pareçam boas, e sujeitá-las ao castigo eterno.
Quanto aos sacramentos, ou ele institui novos, de acordo com a sua própria inclinação, ou corrompe e deforma aqueles que foram instituídos por Cristo – sim, descarta-os completamente, para por em lugar deles os sacrilégios que inventou. Ele inventa meios de alcançar a salvação que estão completamente em desacordo com a doutrina do Evangelho; e, por fim, não hesita em mudar toda a religião de acordo com a sua vontade. Dizei-me, o que é exaltar-se acima de tudo o que se chama Deus, se o Papa não faz isto? Quando deste modo priva a Deus de sua honra, ele não lhe deixa nada além de um título vazio de Divindade, enquanto transfere para si todo o seu poder. E é isto o que Paulo acrescenta logo depois, que o filho da perdição quererá parecer Deus”.
Resposta interessante é dada por Calvino em relação ao fato de Paulo chamar a Igreja de baluarte e coluna da verdade:
“Mas, questiona-se, como pode a Igreja ser apresentada como covil de tantas superstições, ao passo que foi destinada para ser a coluna da verdade (1 Tm 3:15)? Respondo que ela é assim representada, não pelo fato de reter todas as qualidades da Igreja, e sim porque tem algo dela remanescente. Concordemente, admito que esse é o templo de Deus em que o Papa tem domínio, mas ao mesmo tempo profanado por inúmeros sacrilégios”.
Sobre o verso 7, Calvino enfatiza que “Satanás ainda não havia reunido tanta força, para que o Anticristo pudesse oprimir abertamente a Igreja” e que por isso Paulo diz que ele estava “realizando secreta e clandestinamente o que faria abertamente em seu devido tempo”. Conclui:
“E isto tende a confirmar mais plenamente o que eu já disse – que não é um indivíduo que é representado sob o termo Anticristo, e sim um reino, que se estende por muitas eras. No mesmo sentido, João afirma que o Anticristo virá, mas que já havia muitos em seu tempo (1 Jo 2:18). Pois ele admoesta aqueles que viviam naquela ocasião a estarem de guarda contra essa pestilência mortal, que então estava crescendo de diversas formas. Pois estavam nascendo seitas que eram, por assim dizer, as sementes daquela erva desgraçada que quase sufocou e destruiu toda a lavoura de Deus”.
Ainda mais adiante, Calvino vai dizer que os prodígios de mentiras abundam todo o papado e relacionar a operação do erro ao mesmo sistema. Com isso, podemos inferir que provavelmente Calvino concordaria com a visão de que uma das duas bestas de Apocalipse 13 é o papado.
Quais dessas visões parece se coadunar mais com a Bíblia? Vamos analisar.
Em relação à identidade da besta que emerge do mar, os comentaristas da Bíblia de Jerusalém e Isaac Newton são os únicos que apontam algum poder específico para o seu cumprimento. E o poder é o mesmo: o império romano. Nesse sentido, a Bíblia de Jerusalém é incoerente, já que há evidência textual suficiente para ver a besta como o chifre pequeno de Daniel 7 e 8. Logo, se a besta é o império romano, então os chifres de Daniel 7 e 8 também o seriam. No entanto, a Bíblia de Jerusalém vê o pequeno chifre de Daniel 7 e 8 como sendo Antíoco. Para tentar escapar a essa incoerência, os intérpretes buscam estabelecer uma relação tipológica entre Daniel 7-8 e Apocalipse 13. Mas o fato de os mesmos períodos de tempo de perseguição serem usados nos dois livros e nos mesmos contextos indicam que não se trata de mera relação tipológica, mas de relação de equivalência. Trata-se do mesmo poder descrito.
Newton é mais coerente, pois relaciona o chifre pequeno de Daniel 7 com a Igreja Romana, o chifre pequeno de Daniel 8 com o império macedônico sob domínio romano (para todos os efeitos, Roma) e Apocalipse 13 com o Império Romano e a Igreja Romana. Os pontos fracos da interpretação de Newton são que (1) ele não localiza na história esse período de 1260 anos e (2) faz uma pequena confusão quanto à identidade da besta. Note: se a besta que emerge do mar se relaciona com Roma e com o chifre pequeno de Daniel, e Daniel 7 é a Igreja Romana, parece ser mais coerente entender que a besta que emerge do mar é a Igreja Romana, não o império. De certa forma, isso inclui o império, já que o poder papal/católico nasce em Roma, funde-se com o império, sobrevive à sua fragmentação e inicia sua supremacia de seus escombros. No entanto, o foco de Apocalipse 13 não é mais o Império Romano, mas o poder religioso que surge desse império, o chifre pequeno, o papado.
Se esse é o caso, então (1) a ferida de morte no texto não é causada ao império romano, mas à Igreja Romana; e (2) a segunda besta não é a Igreja Romana, mas algum outro poder posterior que dará força à Igreja Romana. Newton parece ter chegado perto da verdade, mas se perdido no caminho.
A Nova Bíblia de Estudo de Genebra e a Bíblia de Estudo Apologia não oferecem detalhes sobre a identidade das bestas. Elas parecem flertar com o futurismo, tal como o Comentário Moody. A Apologia parece errar ao equivaler a besta que sobe do abismo em Apocalipse 11, da besta que sobe do mar em Apocalipse 12. Como elas sobem de locais diferentes, provavelmente são bestas distintas. Além do mais, a besta do abismo parece ter relação com o secularismo, como vimos na postagem passada, e se encaixa na profecia como o poder que golpeia o papado em 1798. Isso se encaixa com a ferida de morte narrada em Apocalipse 12 sobre a besta do mar.
Se esse é o caso, então o que temos é o seguinte: o secularismo da revolução francesa (a besta do abismo) golpeia o poder católico/papal (a besta do mar) em 1798, com a prisão do papa. Mas essa ferida mortal é curada, já que o poder católico/papal não se extingue e torna, nas décadas posteriores, a ganhar autoridade e influência no mundo. Assim, os versos 5-10 (que falam da supremacia do poder papal) são uma explicação e expansão dos versos 1-2 (que apresentam a origem dessa besta). E os versos 11-18 (que falam do que a besta que emerge da terra faz pela besta que emerge do mar) são uma explicação e expansão dos versos 3-4 (que falam da ferida mortal e sua cura). Essa interpretação foge ao literalismo de achar que a ferida mortal seria a falsa ressurreição de um indivíduo, conforme parece crer A Bíblia de Estudo Apologia. Daniel e Apocalipse não falam de indivíduos, mas de poderes. Portanto, uma visão menos literalista se encaixa melhor com as duas obras.
Tal interpretação aparentemente foge também a uma visão comum de que a besta seria um poder ateu, secularista ou satanista. Possivelmente, o Comentário Moody optasse por uma dessas hipóteses (em especial a última, que se encaixa melhor com os enganos por meio de milagres). Mas a associação das profecias à Roma e à menção de Paulo, em II Tessalonicenses, a um poder apóstata parecem indicar que a besta surge no interior da própria Igreja. Nesse sentido, a interpretação de Calvino é bem mais convincente que a comum nos dias de hoje: de fato, o papado se encaixa como o homem da iniquidade porque usurpa a autoridade de Deus no próprio templo de Deus. O ponto fraco de Calvino, como já vimos em outras postagens, é que ele não vê o Anticristo/papado em Daniel 7, 8 e 11.
Estando essas interpretações corretas, resta identificar quem seria a segunda besta. Já vimos que a proposta de Newton falha. A proposta da Bíblia de Jerusalém, por sua vez, não tem coerência. Ela coloca a besta do mar como Roma no passado e os falsos cristos do futuro. Mas quanto à segunda besta, fala apenas dos falsos profetas do futuro. Pela lógica, deveria indicar um poder que representasse a besta da terra no passado, ao lado da besta do mar. Os demais comentários indicam que a besta da terra fará propaganda para a besta do mar a partir de sinais e milagres, sendo identificada como o falso profeta mencionado em capítulos posteriores. É o que o texto bíblico mesmo diz. Mas nenhum intérprete arrisca dizer quem é essa besta.
A Bíblia, no entanto, parece dar pistas. Sabemos que bestas são poderes, não indivíduos literais. A besta que emerge da terra surge no cenário histórico-profético algum tempo depois que a besta do mar é ferida de morte (Ap 13:11-14). Ou seja, depois de 1798. Em Apocalipse, águas são sinônimo de povos (Ap 17:15). Isso parece indicar que a besta do mar surge de um lugar povoado. De fato, ela surgiu no coração da Europa, dominando muitos povos. Por conseguinte, a besta da terra deve surgir de um lugar mais deserto e, claro, distinto da Europa. A besta em questão tem aparência de cordeiro, o que pode significar que ela parece cristã. Mas fala como Dragão, o que talvez indique que seu poder é exercido de forma não cristã. Além disso, esse poder terá influência sobre todo o mundo. Que poder preenche essas características? Há algum?
Aparentemente sim. Os EUA. Esse país começa a se tornar uma potência apenas depois de 1798. Emerge de um continente “novo” em relação à Europa, Ásia e África, sem grande população e, claro, distinto do continente europeu. É levantado como um país cristão, embora muitas vezes tenha agido contrariamente ao evangelho. E há pelo menos mais de um século é a maior potência mundial, tendo inclusive superado a extinta URSS. Se essa dedução estiver correta (e ela faz muito sentido), o que deve ocorrer num futuro próximo é a aproximação dos EUA com o papado, de modo que o primeiro fará o mundo reverenciar o segundo. Nesse contexto, a marca da besta seria imposta.
Os comentaristas aqui analisados estão corretos ao notarem que a marca da besta e o selo de deus estão em oposição. Mas parecem não perceber a implicação disso: a marca deve ser uma imposição oposta ao que o selo representa. Logo, para saber o que é a marca, é preciso saber o que é o selo. Vimos na parte 7 desse estudo que há evidências suficientes para crer que o selo Deus é o sábado e que, por conseguinte, a marca da besta será um decreto imposto pela segunda besta que obrigará o mundo a transgredir o sábado. O que isso teria a ver com o número 666?
A hipótese de que seria a soma dos números do nome Nero em hebraico esbarra em três problemas. Primeiro: o Apocalipse foi escrito em grego, não hebraico. Portanto, seria mais natural que a soma fosse dos números do nome de Nero em grego. Mas em grego essa soma não dá 666. Segundo: para somar 666 com as letras do nome de Nero em hebraico é preciso fazer uma transliteração não muito usual, o que acaba tornando a hipótese forçada. Terceiro: muitos nomes de pessoas ao longo da história poderiam acabar se encaixando nesse tipo de procedimento, podendo-se adicionar ou não títulos e sobrenomes para se chegar ao resultado 666. No fim, isso acaba se tornando genérico e forçado.
Parece ser mais coerente a hipótese de que o número seria a representação de uma “trindade humana”, no sentido de uma tríade de oposição a Deus. Poderíamos pensar em Deus como sendo representado pelo 777, onde cada 7 é uma pessoa da Trindade, e na humanidade tentando usurpar o lugar de Deus representada pelo 666, onde Satanás, a besta do mar e a besta da terra seriam cada 6.
Longe de querer fechar a questão, eu tenho trabalhado com outra hipótese, embora com bases semelhantes: enquanto o 7 representa perfeição, plenitude, Deus e sábado, o número 6 é o dia da criação do homem (Gn 1:26-31) e, segundo o testemunho da história, o número preferido dos babilônicos. A estátua do rei Nabucodonosor, por exemplo, tinha 60 côvados de altura por 6 côvados de largura (Dn 3:1-6). Então, está claro que o número 6 é símbolo, por excelência, do homem. A repetição desse número três vezes pode ser uma alusão à insistência em seguir leis humanas no lugar das leis de Deus. É comum, na Bíblia, que a insistência seja caracterizada pela repetição tríplice.
Caso minha teoria esteja certa, o sentido geral do 666 parece ser o de que a marca da besta se caracteriza pela oposição consciente e deliberada do homem à Lei de Deus em prol da Lei do homem. Deus diz para guardar o sábado, mas o homem desobediente escolhe não fazê-lo, preferindo seguir uma Lei humana. Assim sendo, o melhor número para representar essa arrogância humana é o 666. E de que maneira isso ajudaria a identificar a besta? Buscando a instituição que se arroga a impor uma Lei humana no lugar de uma Lei divina em um nível mundial. Ou, parafraseando Daniel 7:25, procurar a instituição que cuida em mudar os tempos e a Lei.
As três mensagens angélicas
O capítulo 14 fecha essa seção. Depois de falar sobre a besta e sua marca, João tem uma visão que parece ser um prelúdio do céu (tal como em Apocalipse 7:9-17). Ali estão novamente os 144 mil louvando a Deus no que parece ser uma cena posterior à grande tribulação, portanto, já depois da volta de Jesus (vs. 1-5). Os versos parecem ser uma resposta às visões de Apocalipse 13. Se o capítulo 13 termina falando sobre adoradores da besta e imposição de uma marca pelo Estado, o capítulo 14 começa dizendo que os servos verdadeiros receberão o selo e o nome de Deus, e não se macularão com os ditames do Estado.
Dos versos 6 em diante, João parece ser levado de volta ao período anterior à volta de Jesus. Ele vê três anjos voando pelo céu, cada qual com uma mensagem. O primeiro leva um evangelho eterno para pregar a todo o mundo. A mensagem lembra que Deus deve ser temido, glorificado e adorado como Criador, e que a hora juízo divino está chegando (vs. 6-7). O segundo informa que a Babilônia caiu (v. 8). E o terceiro alerta sobre a marca da besta (vs. 9-11). O verso 12 repete a ideia já ensinada em Apocalipse 12:17 de que os santos “guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”. O restante do capítulo fala sobre como os mortos em nome do Senhor são bem-aventurados (v. 13) e dá início aos últimos juízos de Deus sobre o mundo (vs. 14-19), que são detalhados nos capítulos 15 e 16.
Como cada vertente interpreta? A Nova Bíblia de estudo de Genebra narrar o sentido mais óbvio dos elementos. Diz, por exemplo, que “Os 144.000 representam os santos em seu número completo”. Sobre a pregação do primeiro anjo a todo o povo, tribo, língua e nação, alude à nota feita a Apocalipse 5:9, onde o comentário diz:
“Na batalha espiritual, Deus e Satanás afirmam alianças em uma escala universal (7:09; 10:11; 11:09; 12:05; 13:07; 14:06, 8; 15:04; 17:15; 18:03; 19:15; 20:03). Através do mérito e do poder do sacrifício de Cristo, os propósitos de Deus serão realizados, cumprindo a promessa abraâmica de bênção para todas as nações (7:9-17; 21:24-27; Gn 12.3; 22:18; Is 60:1-5)”.
A respeito da grande Babilônia, alude a uma nota à Apocalipse 17:01-19:10. A nota em questão dirá, entre outras coisas, que “‘Babilônia’ é, provavelmente, um símbolo para a cidade de Roma (17:09 nota, 17:18) com a sua imoralidade”. Diz também que “o simbolismo da Babilônia é capaz de muitas realizações históricas, inclusive a manifestação final, culminante dessa ‘Babilônia’, pouco antes da Segunda Vinda”. Essa é, como fica claro, uma interpretação em parte preterista, em parte generalista.
O Comentário Moody traz alguns apontamentos sobre as características dos 144 mil sem grande relevância para nossos propósitos aqui. Na sequência, comenta sobre a mensagem do primeiro anjo:
“Concordo plenamente com Swete que esta proclamação ‘não contém referência à esperança cristã; a base do apelo é teísmo puro. É um apelo à consciência do paganismo inculto, incapaz ainda de compreender qualquer outra coisa’. Não há aqui nenhuma indicação de que esta mensagem fosse aceita ou de que, através dela, alguém fosse redimido”.
Sobre os outros dois anjos, apenas descreve o que já está na Bíblia. Um comentário curioso a respeito das três mensagens angélicas aparece algumas linhas depois:
“Os adventistas insistem que esta é uma promessa de que nos últimos dias só serão aceitos por Deus aqueles que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus (v. 12), e que isto é ‘um chamado a que os homens honrem o verdadeiro sábado de Deus, o sétimo dia do Decálogo’ (Francis D. Nichol: The Midnight Cry, pág. 462). Por que eles particularizam o mandamento referente ao sétimo dia, nem sequer levemente aludido aqui, e não incorporam neste esquema os outros nove do Decálogo, eu não sei”.
Talvez essa não seja a melhor maneira de expressar a crença adventista. A IASD prega que serão aceitos os que têm fé verdadeira em Jesus. E quem tem fé verdadeira em Jesus busca guardar o que sabe ser a vontade de Deus. Assim, um pouco antes de Jesus voltar, com a mensagem do sábado proclamada a todo o mundo, todos os crentes verdadeiros irão guardar o sábado em honra a Deus. A IASD entende que o sábado está aludido nessa passagem por três razões simples: (1) o sábado é o único mandamento que indica diretamente a Deus como o Criador, que é o tema da pregação; e (2) o fraseado usado na passagem é uma paráfrase do texto de Êxodo 20:11, que fala do mandamento do sábado; (3) o sábado esquecido, logo é natural que seja lembrado nas mensagens finais a este mundo. Não é o caso dos demais mandamentos.
A Bíblia de Estudo Apologia faz comentários semelhantes aos do Moody. Não há nada de relevante para a comparação, exceto uma nota também sobre os adventistas. Ela diz o seguinte:
“Esta passagem, considerada pela Igreja Adventista do 7º Dia como ‘mensagens dos três anjos’, forma a essência do sistema de crenças dessa igreja. De acordo com uma interpretação intrincada e errônea por parte da Igreja Adventista, os seguintes pontos são tidos como verdadeiros: (1) ‘vinda é a hora do seu juízo’ (v. 7), se refere ao juízo investigativo de 1844; (2) ‘adorai aquele que fez o céu, e a terra’ é um convite para observar o sábado como o sábado judaico; (3) ‘Caiu Babilônia, aquela grande cidade’ identifica a igreja católica romana, como a notória prostituta que seduz as nações; (4) ‘Se alguém adorar a Besta […] e receber o sinal na testa ou na mão (v. 9) é um sinal contra seguir o Anticristo e adorar no domingo. Os que se recusam a dar ouvidos ao aviso serão ‘atormentados com fogo e enxofre’ (vs. 9-10). De acordo com esta teoria, apenas as pessoas que aceitarem a mensagem da Igreja Adventista serão salvas”.
Essa é uma nota um tanto mal feita. Ela não apenas expressa as crenças adventistas de modo impreciso, como relaciona não explica por quais razões as crenças elencadas seriam errôneas. Analisemos. Em primeiro lugar, o juízo referido na passagem pode tanto ser o juízo final, que vem com a volta de Jesus, como o juízo pré-advento que é mencionado em Daniel 7:9-14,26-27 e 8:9-14. Pode até estar se referindo aos dois juízos, já que eles podem ser encarados como fases de um mesmo juízo divino. Não há razão para considerar isso como um erro.
Em segundo lugar, é absolutamente plausível que a mensagem esteja conclamando as pessoas a guardarem o mandamento do sábado, já que guardar esse dia é uma maneira bíblica de reconhecer, na prática, Deus como o Criador. A relação não é absurda e se o sábado realmente continua válido, a probabilidade dessa passagem se referir ao sábado é muito grande. Não deixa de ser curioso, ademais, como o intérprete enfatiza o sábado como “judaico”. É uma forma sutil (ou nem tanto) de relacionar quem guarda o mandamento bíblico a “coisa de judeu”.
Em terceiro lugar, a identificação da Babilônia como sendo a Igreja Católica foi crida por vários dos primeiros protestantes. Apesar disso, o autor da nota parece desejar vender a ideia de que tal interpretação é ridícula – sem oferecer nenhuma razão para isso – e exclusiva da IASD.
Em quarto lugar, a melhor forma de expressar a crença adventista não é dizer que “apenas as pessoas que aceitarem a mensagem da Igreja Adventista serão salvas”, mas sim que “um pouco antes de Jesus voltar, quando a pregação do sábado for conhecida de todos, todos os verdadeiros cristãos irão aceitá-la”. Não é a mensagem do sábado que levará o crente à salvação. É o crente salvo que aceitará a mensagem do sábado por crer em Jesus e amá-lo profundamente. A ordem dos fatores, nesse caso, altera o produto.
A Bíblia de Jerusalém também não oferece nenhuma nota muito relevante em relação a esse capítulo. Podemos citar que para seus intérpretes, os “Três anjos convidam os ímpios perseguidores a se converterem, mas os ímpios se obstinarão” (16:2, 9:11-21; cf. 15:5+)”. Assim, tanto para os intérpretes da Bíblia de Jerusalém como para o do Comentário Moody, a mensagem será designada para pessoas que não irão receber.
Isaac Newton, por sua vez, também não faz nenhum apontamento relevante a respeito de Apocalipse 14.
Numa avaliação geral dos comentários a esse capítulo, podemos dizer que os intérpretes parecem não ter visto muita importância em seus elementos. Há, no entanto, pelo menos três pontos no texto que deveriam fazer os intérpretes analisá-lo com maior cuidado.
Primeiro: os anjos descritos anunciam mensagens a todo o mundo. O anjo que dá início às mensagens é descrito, inclusive, como levando um evangelho eterno. Isso parece indicar que a passagem não está falando de anjos literais, mas de pessoas. Afinal, os humanos tem sido responsáveis por pregar o evangelho.
Segundo: o evangelho é qualificado como eterno. Isso pode ser uma alusão ao fato de que há evangelhos distintos no mundo, alguns falsos e outros incompletos. Assim, o texto pode estar falando de uma pregação do evangelho que contém elementos bíblicos que antes estavam sendo ignorados. Isso faz sentido no contexto, já que a Babilônia é citada logo depois. Se está correto que a Babilônia é o sistema papal/católico, sabe-se que o evangelho foi distorcido por esse sistema. O advento da Reforma tem resgatado os princípios derribados há mais de quinhentos anos. Mas teríamos já reformado tudo o que Roma derribou? Talvez o texto esteja focalizando isso.
Terceiro: o evangelho eterno conta com a mensagem de que Deus é o Criador. De que maneira a ideia de que Deus é o Criador estaria ausente de muitos evangelhos, mas presente no evangelho eterno? Por que essa mensagem deverá ser enfatizada no fim dos tempos? Qual a relação entre evangelho e criação que possivelmente não estava sendo feita anteriormente? Uma possibilidade de resposta para isso é justamente considerar que o que faltava ser reformado era o sábado. E isso também faz sentido no contexto, já que (a) a passagem alude ao fraseado de Êxodo 20:11 e (b) a Babilônia mística, que é Roma, mudou os tempos e a Lei de Deus (Dn 7:25). É natural que ela deva ser julgada por isso e suas mentiras sejam desmascaradas.
Talvez por essa razão a pregação do evangelho eterno seja seguida pelo anúncio de que Babilônia caiu. Há uma íntima relação entre a pregação do evangelho eterno, que exalta Deus como Criador e juiz, e a queda subseqüente da Babilônia. Se o sábado está aludido aqui, o texto está ensinando que Deus reverterá a mudança que Babilônia operou em sua Lei através de uma pregação mundial a respeito. E uma vez que isso tenha sido feito, a iniquidade de Babilônia estará desmascarada, de modo que ela cairá. Esse é o juízo sobre Babilônia.
Quarto: aparentemente, conhecer o teor do evangelho eterno é fundamental para não receber a marca da besta. Se este é o caso, as mensagens angélicas são um instrumento de conscientização no fim dos tempos. Assim, os intérpretes deveriam se esforçar por entender qual é exatamente o teor desse evangelho eterno. Ou melhor dizendo: o que, da Bíblia, é preciso restaurar no evangelho que temos pregado.
As análises aqui realizadas se pautam não apenas no próprio capítulo 14 de Apocalipse, mas em todas as demais análises que temos feito desde Daniel 2. O peso acumulado da evidência sugere fortemente que Apocalipse 14, em especial os versos 6-7, é uma profecia a respeito da pregação da mensagem do sábado no mundo antes de Jesus Cristo voltar. A visão do Moody e da Bíblia de Jerusalém de que a mensagem contida nesses versos não serão ouvidas contraria os primeiros cinco versos desse capítulo e também o capítulo 7. Os 144 mil, número simbólico que representa a totalidade dos verdadeiros cristãos do tempo do fim, são o resultado de um enorme trabalho de pregação. Nada que Jesus já não tivesse dito em Mateus 24:14: o evangelho do reino será pregado por todo o mundo. Isso obviamente inclui o “evangelho eterno” de Apocalipse 14, que na verdade é o mesmo, conquanto sua ênfase evidencie a restauração de algo esquecido. Apocalipse 7 e 14, portanto, são promessas de Deus de que ninguém que realmente deseje ser salvo por Jesus do pecado e da morte será perdido.
Considerações Finais
Vimos que todos os intérpretes entendem que a mulher do capítulo 12 é o povo de Deus, embora haja divergências no enfoque (povo como um todo, Israel, Igreja, etc.). As profecias numéricas são interpretadas como sendo literais ou representando algum período indefinido e desconhecido para o homem.
No capítulo 13, a Bíblia de Jerusalém entende a besta que emerge do mar como Nero, num sentido particular, e Roma em sua fase pagã, num sentido geral. Não é dito quem é a besta que emerge da terra. Num sentido tipológico, as duas bestas representariam, no fim, falsos cristos e falsos profetas. Os intérpretes das demais vertentes, à exceção de Newton, são mais generalistas e não identificam nenhum poder específico, até porque possuem uma interpretação mais futurista. O intérprete da Bíblia de Estudo Apologia parece crer que as bestas serão indivíduos, não poderes. Newton segue o historicismo, vendo a primeira besta como o Império Romano e a segunda como a ICAR. Não há identificação dos intérpretes quanto ao que seria a marca da besta, embora todos tracem paralelo entre ela e o selo de Deus.
No capítulo 14, não há notas muito relevantes dos intérpretes. No entanto, a Bíblia de Estudo Apologia e o Comentário Moody tecem críticas à compreensão adventista das três mensagens angélicas.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia entende que a mulher de Apocalipse 12 é o povo de Deus como um todo e interpreta a profecia numérica desse capítulo da mesma forma como interpreta em Daniel (um dia equivale a um ano). Vê a besta que emerge do mar como sendo o papado e a besta que emerge da terra como os EUA. A marca da besta será a imposição do domingo como dia de guarda e do trabalho aos sábados. As três mensagens angélicas, por sua vez, são a pregação do evangelho com o conteúdo do sábado embutido e pó conseqüente desmascaramento mundial da Besta/Babilônia.
Na próxima postagem, vamos analisar as interpretações a respeito dos capítulos 15, 16, 17 e 18. Na subseqüente, os capítulos 19, 20, 21 e 22. E na última postagem da série, se Deus permitir, um apanhado geral sobre tudo o que vimos e uma conclusão do estudo.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista