Tenho um irmão caçula chamado Raphael. Certa vez, quando ele estava para fazer seis anos de idade, resolvemos fazer uma grande festa para ele no salão do condomínio. Em vez do tradicional bolinho com a família, dentro de casa, nós resolvemos separar o salão, ornamentar todo o local com bolas (balões, bexigas) e enfeites, arrumar um mesão, fazer vários docinhos e salgadinhos, convidar diversas pessoas (família e amigos), criar uma playlist de música pra crianças, cuidar da aparelhagem de som, etc. Até palhaço teve para animar a festa (foi meu próprio pai que assumiu a fantasia). A festa foi num domingo, das 19h às 22h. Mas para ela ocorrer foi necessário passar o dia inteiro focado nisso. Tudo por amor ao caçula. Foi, sem dúvida, um dia internamente dedicado ao Raphael e seus interesses. Foi o dia do Phael.
Neste dia, apesar da dedicação ao Phael e sua festa, não deixamos de lanchar, almoçar e jantar. Tivesse mais gente ajudando ou uma organização melhor durante a semana, teria dado para tirar a soneca da tarde, feito tudo com mais tranquilidade e até parado um pouco mais para conversar com os familiares e amigos que estavam ajudando. Seja como for, houve uma interação forte nesse dia, o que serviu para fortalecer laços, expressar amor e gerar contentamento. No fim das contas, à dedicação ao dia do Phael não excluiu, mas fortaleceu a interação uns com os outros. Estivemos talvez mais próximos do que em outras ocasiões, colaborando para um só fim e nos divertindo nesse meio tempo.
Naquele domingo, deixamos de lado muitos afazeres habituais. Ninguém trabalhou fora em seus empregos seculares. Nem se dedicou à tarefas que o emprego às vezes nos dá pra fazer em casa (no caso de minha tia, professora, a correção de provas, por exemplo). Ninguém estudou para concurso. Nem para o colégio ou faculdade. Ninguém foi ao shopping se divertir sozinho. Ninguém saiu para viajar ou foi resolver problemas burocráticos pessoais. Minha mãe procurou deixar a comida pronta no dia anterior. Assim, só precisamos esquentar para comer, o que deu a ela mais tempo para se dedicar ao dia do Phael.
Quando me lembro desse dia, a palavra dedicação me vem à mente. Nós nos reunimos para nós dedicar a um aniversariante querido. Houve toda uma mobilização para isso,o que acaba me lembrando outras palavras: união, laços, diálogo, interação, trabalho em conjunto e, por fim, amor. Aquele dia carregou em si todas essas posturas simplesmente por erigir o Phael como protagonista. E todos saíram felizes com o resultado, não apenas o próprio Phael.
Foi, portanto, também, um dia para a família e os amigos próximos. Um dia que exaltou as relações humanas de amor, harmonia e contato acima das obrigações diárias e dos interesses puramente individuais. Todos estiveram mais próximos. De alguns familiares, que não víamos há tempos, pudemos desfrutar a presença naquele dia. De outros, que vemos sempre, pudemos oferecer eles (e receber deles) um tempo juntos maior e de mais qualidade.
A festa de seis anos do meu irmão foi grande. Mas nem sempre é necessária uma festa grande (ou mesmo uma festa) para se dedicar a uma pessoa durante um dia inteiro. Em tempos de pais trabalhando tanto tempo fora, muitas crianças sonham não com uma festa, mas com um dia inteiro na presença dos pais e outras pessoas amadas.
O filho pede ao pai ou à mãe que não trabalhe em casa ou fora naquele dia, mas que se desligue dos afazeres para jogar videogame, ler histórias, almoçar juntos, ir ao parque para brincarem no balanço. Pede para seus pais largarem o celular e o computador só por aquele dia, a fim de que eles deem atenção plena ao filho. O banheiro pode ser lavado amanhã. O carro pode ser levado ao conserto no dia seguinte. Os interesses individuais podem esperar um dia. O filho quer um dia exclusivo. E se os pais resolvem fazer isso, juntamente com os outros filhos, o que se tem é um maravilhoso dia em família. A dedicação ao aniversariante naquele dia agrada a ele e a todos. As relações com ele são fortalecidas, mas também entre todos os integrantes da família. O casal sai transformado. Os filhos saem transformados. A família sai mais forte. Todos saem mais próximos uns dos outros.
Aniversários tem essa magia quando o aniversariante é amado; quando as pessoas ao seu redor entendem que o melhor presente é a presença; quando todos concordam que aquele dia é especial e merece ser separado para um fim exclusivo.
É comum vermos filmes que representam uma realidade triste: aquele pai divorciado da esposa que não comparece ao aniversário do filho. A frustração é maior. Parece que todos os dias podem ser desculpados. Todos os filhos sabem que seu pai tem afazeres, obrigações, trabalho. Mas o dia do aniversário é especial. O filho espera que o pai se organize e largue tudo para estar com ele naquele dia. “Precisei trabalhar até mais tarde” ou “Tive uma reunião urgente” são desculpas que não colam. Podem ser verdadeiras, mas a prioridade não deveria ser o filho? O dia não é do filho?
Somos seres que naturalmente marcamos datas de comemoração. São importantes. Nos relembram eventos que impactaram nossa vida positivamente. E desejamos que nossos amados estejam conosco na comemoração. No caso do aniversário de nascimento, para quem se importa (geralmente mais as crianças), o evento rememorado tem a ver com a vida extrauterina, a história, a existência social da pessoa. Aqueles que reconhecem a importância desse evento nas vidas de seus amados, estão reconhecendo que foi bom aquela pessoa nascer; que é bom conhecê-la. Por isso tendemos a nos chatear quando uma pessoa que amamos esquece nosso aniversário.
A mesma lógica pode ser usada para aniversários de namoro e casamento. Lembrar-se dessas datas e separar o dia para algo especial são formas de exaltar o evento, de dar honra ao dia, de demonstrar amor para quem o evento é importante e de unir pessoas amadas em torno daquilo, a fim de também fortalecerem os laços entre si. Eis a razão de se fazer festas para bodas de casamento.
Ora, toda essa história de festas, aniversários e comemorações serve para entendermos melhor o que é guardar o sábado e como se faz isso. O sábado é um dia que relembra Deus como Criador. É como um aniversário semanal da criação. Por isso, o Senhor o instituiu como dia exclusivo para si. Tal como o Phael teve um dia dedicado só a ele e seus interesses, Deus criou um dia a ser dedicado ao Criador e seus interesses.
Isso não significa que nesse dia, o sábado, devemos ficar estáticos, como budistas em transe, repetindo algum mantra de adoração a Deus durante 24 horas. O modo como Deus pede dedicação é bem diferente disso. É mais amplo, dinâmico e amoroso. Aqui as analogias de festa começam a ajudar. Assim como no dia da festa do Phael, não passamos 24 horas só conversando com ele ou organizando a festa, também Deus não nos pede isso. No dia da festa do Phael, o alvo era ele e a festa, mas também conversamos com os familiares e amigos, rimos juntos, perguntamos sobre como ia a vida de cada um, como foi a semana; comemos juntos, nos ajudamos, trocamos gestos de carinho; dormimos na madrugada. Nada disso, contudo, ofuscou o alvo do dia: Phael e sua festa.
Com o sábado é o mesmo. Há espaço – e precisa haver – para a comunhão, o carinho e o diálogo entre a família, entre os amigos, entre os irmãos da igreja. E a razão para isso é simples: toda a lei de Deus se baseia no amor, o qual se manifesta de modo vertical (a Deus, acima de tudo) e horizontal (ao próximo, como ao próprio ser). Nenhum dos mandamentos de Deus pode estar destacado desses dois eixos. Assim, o sábado só pode ser bem guardado se a adoração a Deus não excluir, mas possibilitar a relação amorosa com o próximo.
No fim das contas, portanto, o sábado foi projetado para ser um dia que fortalece as mais importantes relações da vida humana: Deus e as pessoas; e as pessoas umas com as outras. E isso se dá essencialmente pelo dia girar em torno do Criador. Esse foco eleva as relações pessoais, o que torna supérfluo as relações com o dinheiro, subsistência e coisas de caráter puramente individuais que podemos fazer em outros dias da semana. O contato com o Criador e sua maior criação (o ser humano), se torna o grande interesse do dia. E todos se unirão em prol do gozo pleno dessas relações, mantendo Deus como o protagonista do dia. Isso é guardar o sábado.
Em geral, as pessoas que são contra a observância do sábado hoje pelos cristãos não são contra um dia de descanso. Qualquer pessoa razoável concorda que o ser humano precisa descansar física, mental, emocional e espiritualmente. Assim, ninguém com a mentalidade saudável dirá que um dia de pausa na semana é algo ruim ou irrelevante.
Por essa razão, algumas pessoas afirmam que a essência do mandamento do sábado é descansar ao menos um dia em sete. Não precisa ser o sábado. Um dos problemas práticos desse raciocínio é que ele acaba por focar apenas no aspecto individual do descanso sabático. Mas, como vimos, o sábado também tem um forte aspecto coletivo. A ideia de todos terem ao menos um dia de descanso comum permite um maior contato entre os membros de uma família, uma vizinhança, uma igreja. Se cada um folga num dia diferente dos sete, esse contato fica esfacelado. Cada um tem sua agenda. Será difícil unir todos para conversar, estudar a Bíblia, almoçar, louvar a Deus, admirar a natureza coletivamente.
O aspecto coletivo da vida e da própria adoração é algo importante para Deus. Isso fica claro quando lembramos que Ele nos ordenou não deixar de congregar (Hb 10:25) e elencou como o segundo maior mandamento o amor ao próximo (Mt 22:34-40). O apóstolo Paulo afirma a Timóteo que quem não governa bem sua casa, não pode cuidar bem da Igreja (I Tm 3:4-5). No AT, Deus sempre falava à Congregação. No NT, fala à Igreja. Embora a salvação e a santificação sejam individuais, o auxílio mútuo nessa trajetória só se dá, obviamente, de maneira coletiva.
O sábado oferece esse aspecto coletivo, essa oportunidade de estar com Deus e o próximo de maneira mais íntima em um dia da semana. Por isso, é importante haver um dia especial comum, não um para cada um. Da mesma forma, embora todos precisemos manter a comunhão individual com Deus, é preciso haver um momento de comunhão coletiva. Ninguém é Igreja sozinho – um desafio aos desigrejados.
É aqui que as pessoas que são contra o sábado acabam assumindo que o domingo serve a esse propósito. Mas aí está um segundo problema. Se Deus santificou o sábado para isso, por que raios deveríamos escolher outro dia que não o sábado? Não faz nenhum sentido. Concordamos com o sábado, mas escolhemos deliberadamente guardar outro dia? A Bíblia não nos autoriza a isso.
Aqui se encontra a questão do memorial. Assim como o filho pequeno nasceu num dia específico e quer ser lembrado naquele dia de uma forma mais exclusiva pelos pais, familiares e amigos, Deus instituiu um dia específico para o mesmo fim. A esse dia, deu uma identidade. O sábado nos lembra que Deus é Criador e quando o separamos para reverenciar a Deus por isso, reconhecemos isso na prática. Há um valor simbólico e, por consequência, pedagógico nisso. E Deus gosta de símbolos pedagógicos.
Para quem pensa que rituais (que são símbolos pedagógicos) não tem mais importância no NT, sempre é bom lembrar que a santa ceia, o batismo e o jejum fazem parte da vida cristã. São rituais. Deus não precisaria criar nenhum deles. Mas o fez para que esses atos simbolizassem verdades importantes de se lembrar, causando assim maior impacto em nós, servindo de sinal visível aos outros e nos unindo em torno das coisas simbolizadas.
A santa ceia nos lembra, por exemplo, da morte de Cristo periodicamente. Impacta. Nos leva a uma maior reflexão. Nos leva à comunhão com os irmãos. Gera meditação para quem vê. Testemunha do sacrifício de Jesus. O batismo, por sua vez, nos lembra da nossa morte e ressurreição espiritual em Cristo. Ele gera também os mesmos outros efeitos da santa ceia. Já o jejum, lembra que Deus é maior que nossas necessidades e nos sustenta. Ensina a nós o autocontrole e a dependência de Deus. Impele a cada um a matar vontades naturais com o sobrenatural de Deus. E também causam os efeitos que a ceia e o batismo geram. O mesmo se pode dizer do sábado.
Quando guardamos o sábado, reconhecemos Deus como Criador e soberano, e nós como dependentes de sua graça. Descansamos nEle e gozamos da presença dos demais, unidos no mesmo objetivo. Fortalecemos as relações com nossos próximos, exercitamos o amor, impactamos a nós mesmos e aos que nos veem. Quem não conhece a Deus, passa a conhecê-lo e a saber que Ele é o mesmo Criador relatado em Gênesis, o mesmo Deus do Antigo e do Novo Testamento. O sábado testemunha de Deus, de quem Ele é, do que Ele fez e faz. Como os demais rituais citados, o sábado é igualmente relevante, servindo ao propósito de amadurecer nossas relações em torno da exaltação de Deus como Criador. Um dia perfeito para cumprir os objetivos pelos quais Deus o criou. Por isso devemos guardar o sábado e não outro dia no lugar dele. E por isso o sábado é tão importante.
Se queremos realmente fazer valer a Sola Scriptura, devemos ser honestos e reconhecer que a Bíblia não santifica nenhum outro dia, nem afirma que guardar o primeiro dia da semana é cumprir o ideal sabático. Simplesmente não há nada disso nas Escrituras. O que existe é uma Igreja primitiva que continuou por algumas décadas a guardar o sábado da mesma maneira como faziam antes de Cristo (At 13:14-16 e 42-44; At 16:13-18; At 17:1-4; At 18:1-4). Nada mudou nesse sentido. Eram as mesmas Escrituras, o mesmo Deus, a mesma religião.
Conquanto em Cristo muitas cerimônias tenham se cumprido, tornando-se obsoletas, o sábado permaneceu como um dia de descanso santificado no início da criação, antes do pecado, e incluído entre os dez mandamentos. Era o dia mais propício para uma adoração coletiva ampla e um descanso pleno. Por que mudar? Com base em que mudar?
A lenta substituição do sábado para o domingo só viria depois. E não por meio de base escriturística sólida, mas por conveniência. Era a cisão com o judaísmo, a formação de uma nova identidade religiosa, a reinterpretação das Escrituras Sagradas. As tradições extrabiblicas tomaram o lugar da Bíblia e o único dia semanal santificado na Bíblia foi esquecido. Justo o que Deus dissera: “Lembra-te” (Êx 20:8-11). Contudo, se o descanso semanal é válido (e vimos que é), nada mais coerente que aceitar o dia que Deus escolheu para tal (Gn 2 :1-3).
E como guardar o sábado? Mais ou menos como se guarda um dia de aniversário. Mais ou menos como eu e minha família guardamos o dia do Phael. Em suma, reunindo-se com família, amigos e irmãos; priorizando o Criador e seus interesses; fortalecendo os laços humanos; não gastando tempo com trabalho, escola, faculdade, comércio, faxina da casa, atividades comuns que podem ser adiantadas durante a semana e interesses estritamente pessoais; exercendo mais o altruísmo; ajudando irmãos na obra de Deus; investindo em mais conhecimento bíblico; passando conhecimento bíblico aos outros; louvando ao Criador com cânticos; ouvindo louvores feitos a Deus; participando de um culto ao Senhor; orando mais que nos demais dias; admirando a criação; dando atenção ao seu cônjuge e filhos; dando atenção a doentes e/ou pessoas que precisam de visita; pregando o evangelho; e, claro, fazendo desse dia um tempo prazeroso e útil para todos à sua volta. Assim se guarda o sábado.
Evidentemente, é muito mais difícil fazer isso sozinho. O sábado não é mero dia de folga, mas de comunhão. Por isso congregar numa igreja, bem como estar com a família neste dia são elementos tão importantes. Nem sempre será possível, mas é fato que haverá muito melhor assimilação da essência desse dia e prazer em sua guarda quando, ao menos em parte dele, pudermos estar com os outros e com este mesmo propósito.
Deus nos chama para aprender o valor da companhia um do outro, sobretudo num contexto de louvor mútuo ao Criador. Quando fazemos isso, nos aproximamos mais do ideal de Deus e nos preparamos para a atmosfera do céu e da nova terra. Assim, o sábado só se torna pleno quando nos dispomos a fazer desse dia um oásis das relações humanas.
Há tempo também para a solidão, para o momento a sós com Deus, para a reflexão, meditação e introspecção solitárias. Mas Deus não criou ninguém para ser, em todo o tempo, antissocial e eremita. Aqui, portanto, se encontra a resposta para uma guarda eficaz do sábado: equilíbrio. E é no equilíbrio que Deus é reverenciado.
Se posso resumir esse texto em poucas frases, eu digo: guardar o sábado é passar o dia de aniversário da criação se dedicando ao Criador e fortalecendo as relações com as pessoas. E como fazemos isso? Priorizando essas relações. E como podemos aprender a priorizar essas relações nesse santo dia? Vivendo isso. A prática fala mais que a teoria.
Por Davi Caldas
Fonte: Reação Adventista