Como os pais constroem o lar nas vidas de suas esposas e filhos

“A paternidade apresenta o traço de uma conquista mais ou menos perigosa, que é alcançada aos poucos num território repleto de emboscadas”. Até por isso, o pai desempenha um papel crucial e intransferível na fundação e conservação do lar.

Como os laços emocionais e psicológicos que unem o pai de família aos filhos não são iguais aos da mãe, ele ocupa uma posição um tanto precária. Ele pode fugir de suas responsabilidades como guia e professor de seus filhos ou, tanto melhor, pode cumpri-las por causa de sua inerente autoridade viril. Sua posição é perigosa e promissora. Alguém poderia dizer: as próprias qualidades que tornam o homem apto a ser um bom guia e professor — como seu distanciamento natural em relação ao que constitui em grande medida o ato de dar à luz e criar filhos, sua capacidade de olhar para os próprios filhos como “outros”, que não se confundem com ele e se fazem mais presentes a ele por meio da mãe, entre outras coisas — são justamente os aspectos da psicologia masculina que possibilitam o fracasso e até a deslealdade.

O filósofo francês Gabriel Marcel (1889-1973), um autor que escreveu sobre esse tema de forma criteriosa, diz: “A paternidade quase sempre apresenta o traço de uma conquista mais ou menos perigosa, a qual é alcançada aos poucos num território repleto de emboscadas.”

O pai desempenha um papel crucial e intransferível na fundação e na conservação do lar. Quando vivida corretamente, a paternidade pressupõe uma presença constante para os outros, viver para eles, estar “de plantão” 24 horas por dia. Viver à altura desse compromisso não é tão natural para os homens como para as mulheres, e isso faz com que ele seja ainda mais essencial para a estabilidade da comunidade familiar. Quando um homem não corresponde à sua vocação de fundar uma família, uma comunidade de amor permanente, — assim como o lendário Eneias teria fundado Roma ao fincar sua espada no solo onde a cidade se ergueria —, a mulher não pode recorrer a ninguém como pilar e fundamento. 

 

Quando vivida corretamente, a paternidade pressupõe uma presença constante para os outros, viver para eles, estar “de plantão” 24 horas por dia.

Num mundo repleto de lares divididos ou inexistentes, a força vital do amor e das promessas mantidas, que deveria permear a família como um segredo implícito compartilhado, é substituída por uma promiscuidade psicológica, uma mudança desordenada de lealdade que se manifesta como fragmentação e dissipação. A procriação, a criação dos filhos e os inúmeros cuidados que transformam a casa num lar parecerão cada vez mais à mulher fardos insuportáveis e afrontas à sua liberdade, e não expressões de um compromisso amoroso.    

Portanto, a paternidade é uma dupla prova do paradoxo apresentado por Cristo: “Aquele que quiser salvar a sua vida, irá perdê-la; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, irá recobrá-la” (Mt 16, 25). Para dar vida, ou seja, propósito e alegria interior, à sua família, um homem deve aprender a morrer para si, contrariando sua tendência decaída de sobrevalorizar suas próprias conquistas e avanços. Essa é uma forma diferente de dizer que responsabilidade e sofrimento são inseparáveis na correspondência a qualquer amor digno do nome. Nas palavras de Marcel, “convém ao homem colocar-se à disposição da vida, e não dispor dela para realizar seus próprios objetivos”.

Quando o homem renuncia à sua própria vida pelo bem de sua esposa e de seus filhos, ganha em troca (ao longo do tempo e não sem uma luta contínua) um ego purificado do egoísmo e da falsa liberdade. Dessa maneira, o princípio divino da Criação — o amor de Deus garantido por sua promessa de amor — é implantado na família ou, melhor ainda, torna-se sua força vital. Marcel novamente:

 

Podemos afirmar sem hesitação que as limitações e as deformações às quais está sujeito o sentimento paterno tendem a desaparecer em famílias grandes, e alguém poderia dizer que isso se assemelha a uma recompensa (ou aprovação imanente) do ato de prodigalidade por meio do qual um homem planta generosamente as sementes da vida […]. A multiplicidade e a variedade imprevisível de relacionamentos que existem na família numerosa fazem com que ela realmente apresente o caráter de uma criação; há uma relação direta entre o esforço perseverante (e muitas vezes heroico) por meio do qual ela é construída e a nova riqueza (a riqueza da vida) que ela recebe.  

A relação entre a identidade de um homem como pai de seus filhos e a identidade de Deus como Pai de seu povo não é uma coincidência. Desde o princípio o Criador revelou-se por meio da imagem da aliança nupcial. O Todo-poderoso é simultaneamente Noivo e Pai. Escolhe a Igreja para ser sua noiva e com ela gera filhos espirituais. A relação à qual damos o nome de paternidade tem profundas raízes na essência do homem e inclui esposa, filhos e lar. Nessa correlação dinâmica entre a essência de uma pessoa e a efusão de amor por outra, temos um vislumbre do Pai celestial gerando o Filho por toda a eternidade, e do Espírito Santo, que procede dos dois como um sopro ou chama de amor.

 

“O pai desempenha um papel crucial e intransferível na fundação e na conservação do lar.”

Sempre que um homem tem êxito em “fundar a igreja” no interior de seu lar, promove de modo definitivo a implantação contínua da Igreja de Cristo, orientada para a consumação do Reino de Deus. Portanto, é da essência da paternidade promover a obra de Deus, o esforço árduo e contínuo de “renovar todas as coisas” (2Cor 5, 17) em Jesus Cristo, que declarou: “E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim” (Jo 12, 32). A Encarnação do Verbo revela o propósito final da intervenção de Deus na história humana: a recuperação de todo o universo caído, a recriação de todas as coisas à Imagem do Pai.      

Essas verdades profundas não deixam de afetar a paternidade humana. O homem que dirige e serve sua família deveria se empenhar particularmente em imitar o amor providencial e gratuito do Pai celestial por sua Criação e o povo desposado por Ele. Desse modo, o pai protege a si mesmo do perigo da indiferença e da frouxidão; à esposa, da solidão e da monotonia de suas obrigações; e aos filhos, da tentação da revolta e da ingratidão. Graças ao ensinamento, ao exemplo e aos dons da graça de Nosso Senhor, o marido e pai aprende a perceber o distante, mas importantíssimo, objetivo em função do qual ele suporta a nova vida no seio de sua família: tornar presente mais uma vez o supremo mistério do Amor, o Amor do Deus que é. Assim, o marido e pai amplia o domínio da Paternidade de Deus, o império de Cristo Rei e Esposo.


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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