Música, Adoração e Pós‐Modernismo

Misturas, Efeitos e Caminhos de um Cristianismo Desgovernado


Neste ensaio gostaríamos de discutir sobre a influência pós-moderna no cristianismo protestante, mais especificamente nos âmbitos da música e da adoração. A expressão “pós-modernismo” se refere a um período marcado por algumas transformações, momento este que sinaliza uma linha divisória, mas não fixa e nem tanto inteligível, entre o que é “moderno” e “pós-moderno”.

O modernismo se caracterizou por momento histórico-cultual da sociedade ocidental que rompeu com os princípios mantidos até então, na idade média. A “Idade Moderna” trouxe a ciência e com ela o uso da razão para a explicação de fenômenos naturais e humanos. Deus deixa de ser a verdade absoluta e fonte de todas as coisas e é morto pelo homem moderno com as armas da metodologia científica, tal como ilustrado por Nietzsche. O homem econômico liberal com seu “super-poder” – a Razão – irá buscar criar um mundo ideal, mais ou menos previsível, determinado, organizado, lógico, racional e, principalmente, ordenado – condições essenciais para que se possa atingir a felicidade também inventada pelo homem moderno. A era moderna foi marcada, sobretudo, pela crença na razão e no progresso – em outros termos, pela inversão do pólo transcendental para o terreno.

Mas o século XX iria colocar em xeque o mundo do progresso e da razão até então estabelecidos. A ordem e a inteligibilidade pareciam se tornar anêmicas diante de grandes colapsos gerados pelas guerras, revoluções, estragos ambientais, atrocidades e mortes em massa e outros conflitos marcados pelo horror. A ciência e os “avanços” começam a ser questionados e o homem não alcança o que havia planejado. A euforia no progresso dá lugar à incerteza no futuro – eis aqui um dos componentes essenciais das “almas pós-modernas”. Nesse contexto de profundas crises humanas, mudanças irão surgir nas múltiplas faces sociais e culturais. Podemos dizer que nas últimas décadas do século XX entra em cena um espectro fantasmagórico e um ar perfumado de incertezas e dúvidas: o pós-modernismo.

Há uma ruptura com o mundo ordenado da modernidade e a crença no progresso vira piada. Mudanças ocorrem em vários campos, as “certezas” se diluem em incertezas e a liberdade, tão cultuada, trata de dar os contornos das novas configurações econômicas, sociais, culturais, políticas, artísticas, científicas e cotidianas – e ninguém sabe dizer para onde estamos indo; a modernidade respondia com autoridade que estávamos caminhando para o progresso, mas a pós-modernidade mantém-se na caducidade, e também não está interessada em responder questões existenciais. O pós-modernismo busca a todo instante a intensificação das sensações e dos prazeres da felicidade, mas jamais quer conhecer a face daquilo que procura. Dentre as várias características que compõem o pós-modernismo estão o individualismo exacerbado; o narcisismo [1]; o apelo constante ao consumo; o apregoamento da liberdade e da incerteza; a “emocionalização” da vida; o excesso de informação sem a possibilidade de questionamento; a sociedade do espetáculo, do show, do exibicionismo e da imagem; defesa do niilismo [2]; a generalização da descartabilidade; a redução dos espaços coletivos; a reemergência do hedonismo [3] acompanhado pela força da liberdade e da imagem; a doutrina do aqui-e-agora; a crítica pela crítica; a busca pelo fascínio estético; a transferência de parte da vida para o mundo da virtualidade; o fortalecimento da competitividade e a redução da cooperação; a defesa de opinião própria em detrimento absoluto do bem estar coletivo; e vários outros fatores que compõem o que estamos chamando de “modo de vida pós-moderno” que vagarosamente emerge, mas cujos efeitos são marcadamente visíveis.

Tudo bem. Mas e música cristã, o que tem a ver com isto? Iniciamos, então, com o “mercado gospel”, “o disco de platina”, os fã-clubes e consumidores das “mercadorias evangélicas” e, obviamente, o reflexo disso: o povo canta “casca”, canta “superfície”, quando, sequer, sabe e pensa no que está cantando. Inúmeros cantores, cantoras e grupos tem surgido também em nossas igrejas locais, em função desta realidade “mercadológica”. Nelson Bomilcar [4] completa: “A mensagem do evangelho tem sido sucateada, colocada em segundo plano, escondida em letras superficiais e que não ajudam a pessoas a conhecerem mais do Deus das Escrituras Sagradas. Pobreza poética, excesso de reocupação com a imagem, mais do que com a fidelidade à mensagem do evangelho que professamos ou com a integridade dos músicos”.

A liberdade também toma conta, mas não no sentido de estar livre do pecado, mas uma liberdade “para correr, para dançar, para tirar o pé do chão”, levando multidões a um “extravasamento emocional” nos “shows” e “espetáculos cênicos” em que, muitas vezes, Jesus é um mero detalhe do que ocorre ali. Descreveu bem João Alexandre: “é proibido pensar!” O culto agora é “emocional” e não mais “racional” como rogou o apóstolo Paulo em Romanos 12:1.

Se não bastasse, a doutrina pós-moderna do “aqui-e-agora” também entra em cena. Este pressuposto é claramente identificado nas letras das músicas (…): “hoje o meu milagre vai chegar, eu vou crer, não vou duvidar. O preço que foi pago ali na cruz me dá vitória nesta hora”; e (…): “Adora, pois a sua vitória vai chegar nesta hora. Deus marcou na agenda e não passa de hoje não; hoje é o dia da vitória”. O imediatismo cria interface com a lógica da felicidade: eu tenho que ser feliz e para isto Deus fará um milagre na minha vida, e este milagre tem que ser agora, não pode passar de hoje; eu preciso desta vitória. O que as pessoas se esquecem é de se perguntar: o que é vitória para um cristão? O que é felicidade para um cristão? E o que fazer com as palavras de Jesus: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João 16:33)? Que vitória é essa? E as aflições?

O narcisismo toma conta. As músicas que cantamos no meio cristão dizem, a todo momento, dos nossos sentimentos, das nossas emoções feridas, das nossas crises, e tentam a todo custo nos trazer alento, afirmando que somos “especiais”. Não se fala mais de “pecado”, “pecador”, “errante”, “arrependimento” e “salvação”. Aliás, fala-se sim em salvação; numa salvação que é “minha”, que é “meu privilégio”, “minha herança”; afinal de contas, “tudo o que Jesus conquistou na cruz é direito nosso! É nossa herança! Todas as bênçãos de Deus para nós, tomamos posse, é nossa herança!”. Desta forma, todas as coisas giram em torno do “eu”, tal como expressam muito bem os carregadores a arca: “Onde eu colocar as minhas mãos prosperará, a minha entrada e a minha saída bendita será, pois sobre mim há uma promessa. Prosperarei, transbordarei.” É o auge do “eu”. E a graça, onde fica?

Diversas outras influências se materializam na música cristã contemporânea. Um dos grandes perigos é cair em extremos. Não estou negando a existência de promessas de Deus para o homem; a questão não é esta. A questão é exatamente a permanência excessiva e maçante nas promessas que dizem respeito ao “bem-estar” humano, à vitória, ao fim do sofrimento terreno. Entretanto, há promessas que não são ditas, tais como: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; […] Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.”(Mateus 5:10 e 20), “A falsa testemunha não ficará impune e o que respira mentiras não escapará.” (Provérbios 19:5). São promessas, mas não são cantadas. Não são cantadas por que não massageiam o “eu”, e por que trazem incômodo, trazem desafios que não queremos abraçar, visto que o comodismo é mais interessante, não dá trabalho, não cansa, e nos faz bem à mente! Canta-se que “Deus é fiel” e cumpre suas promessas. Mas esquece-se que “Deus é fiel” e cumpre todas as suas promessas, inclusive aquelas que não são cantadas!

O apostolo Paulo nos diz coisas importantes em Romanos 12:2Efésios 4:14-15, e II Coríntios 4:1-2. O pós-modernismo é um movimento advindo das raízes modernas, que negam a Deus como verdade absoluta.

O princípio para esta confusão desregrada é exatamente a negação de Deus como fonte de todas coisas, como verdade primeira, como o verbo do princípio. A avaliação de tudo tem um critério único: a Bíblia. Só saberemos quais caminhos estamos trilhando, que efeitos estamos produzindo e que tipo de cristianismo estamos vivendo se olharmos para a palavra, se olharmos para Cristo, a raiz perfeita!


[1] Narcisismo. Amor excessivo e mórbido à própria pessoa.

[2] Niilismo. Doutrina segundo a qual não existe nada de absoluto (inexistência de realidade substancial) nem possibilidade de conhecimento do real e que, por isso, se caracteriza por um pessimismo metafísico e por um cepticismo relativamente aos valores tradicionais (morais, teológicos, estéticos).

[3] Hedonismo. do Grego hedoné, prazer. Antigo sistema filosófico que considerava o prazer como único fim da vida; doutrina que considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral.

[4] Nelson Bomilcar é pastor, compositor e músico, e tem trabalhado na adoração e música cristã nos últimos 30 anos, ministrando e pastoreando músicos, tendo produzido inúmeros cantores e grupos no Brasil. Participou de Vencedores Por Cristo, Semente, Igreja Batista do Morumbi. É membro da Associação de Músicos Cristãos (AMC) do Brasil.


Autor: Tiago Zortea


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Sobre Weleson Fernandes

Evangelista da Igreja Adventista do sétimo dia, analista financeiro, formado em gestão financeira, pós graduado em controladoria de finanças, graduado em Teologia para Evangelistas pela Universidade Adventista de São Paulo. Autor de livros e de artigos, colunista no Blog Sétimo dia, Jovens Adventista. Tem participado como palestrante em seminários e em Conferências de evangelismo. Casado com Shirlene, é pai de três filhos.

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