“E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? E ele disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos. Disse-lhe ele: Quais? E Jesus disse: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho; Honra teu pai e tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta ainda? Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me. E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades. Disse então Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus.” (Mateus 19:16-23)
Há um tempo li um pequeno livro intitulado “O que se vê e o que não se vê”, escrito pelo economista Frédéric Bastiat, onde aprendi a ver o “lado oculto” de algum fato. Na frase destacada da passagem de Mateus 19, o que se vê? Que dificilmente um rico entrará no reino dos céus. Muitos concluem a partir daí, no entanto, algo que não está dito no texto: que a riqueza é o problema e que o jovem rico era egoísta para com o próximo. Por que muitos de nós chagamos a essa conclusão? Porque essa tem sido a ideia propagada em grande parte do sistema educativo e da mídia como bode expiatório para o problema do mundo. Então, passamos a entender tal interpretação instintivamente como verdade.
Para muitas pessoas, sobretudo simpatizantes de ideologias da esquerda política, o problema nunca é o homem e suas atitudes, mas sim algum fator ou objeto externo ao homem como, por exemplo, as armas de fogo. Quantas vezes já não lemos em noticiários sobre “armas que mataram pessoas”, como se as armas de fogo tivessem vida própria e saíssem atirando por aí? É sempre mais fácil não assumir que o problema está na natureza do homem e em suas escolhas, mas em objetos, na situação social, na sociedade, no sistema, na riqueza. Dilui-se a responsabilidade individual.
Sabendo disso a pergunta que fica é: o que não se vê nesta história? É isso mesmo: a postura do jovem em colocar as riquezas acima de Deus como uma escolha pessoal, não as riquezas em si ou um suposto egoísmo para com o próximo.
É interessante como o texto de Lucas, lido com cuidado, demonstra qual não era o problema do jovem e qual era a dificuldade real. Começando pelo problema que ele não tinha: o evangelista relata que esse jovem era influente, que desde a mocidade seguia os preceitos de Deus, que estava preocupado com o destino de sua alma e que guardava as leis do Senhor, dadas a Moisés. Um exímio religioso. Era um modelo, no âmbito exterior. Uma das conclusões apressadas sobre este relato, como já dito, é que um rico sempre terá dificuldades em ajudar o próximo, sendo assim egoísta e por isso não entrará no reino de Deus. Mas observe o relato com cuidado: “E Jesus disse: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho; Honra teu pai e tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta ainda?”
Parou para pensar no porquê de Jesus não se opor a esta resposta? Simples: porque era verdade. Esse jovem, assim como Abraão, Jó, José, Jacó, Davi e tantos outros ricos da Bíblia também amava ao próximo. O seu problema não era esse (caso fosse, Jesus o orientaria nesse sentido). Mas que o moço destoava em um ponto em relação aos outros ricos mencionados. “Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me. E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades.”
Caro leitor, consegue entender a verdadeiro motivo de sua tristeza? Ele podia amar o próximo, podia participar de todos os rituais da época, aparentemente ser um exímio religioso às pessoas ao seu redor, mas a máscara caiu quando foi confrontado a escolher a Deus ou o dinheiro. O problema daquele jovem não era o egoísmo para com os demais ou o fato de ser rico (o que não é um problema em si mesmo), mas sim o amor ao dinheiro (fazendo-o a quebrar o primeiro mandamento) e a concepção de que para ser salvo teria que fazer algo para merecer. Problemas que os outros ricos da Bíblia mencionados não tinham.
Bom, essa história só se aplica a ricos? De maneira nenhuma. Na verdade, se aplica ainda mais a nós, pobres. Veja: seria bem mais fácil nos desprendermos de algo que tome o lugar de Deus já que não temos o fator “riqueza” para dificultar. E por que não conseguimos? Por que colocamos o telefone de R$ 500,00 acima de Deus? O carro? O trabalho? Horas de internet? Computador? Televisão? Videogame? Se formos colocar na ponta do lápis, percebemos que é vergonhoso comparar nossa dificuldade em nos desvencilharmos de coisas bem menores e/ou mais baratas em relação às riquezas do jovem rico. Conseguimos ser piores do que ele com coisas menores e julgamos que o problema está na riqueza. Mas o real problema é sempre a escolha pessoal, não importando se temos muito ou pouco.
Há muitos “jovens ricos” que se comportam como bons religiosos externamente. No entanto, a verdadeira vida de Deus está ausente neles! Querem uma religião que satisfaça o ego, mas continuam longe dos compromissos para com Deus. O verdadeiro cristianismo envolve compromisso sério, aliança eterna. Se almejamos servir a Deus, precisamos estar dispostos a entregar até mesmo a própria vida. “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á” (Mt 16:25).
Qualquer pessoa envolvida nos valores mundanos que não estiver disposta a renunciá-los quando necessário não será candidata ao reino de Deus, independentemente de ser rica ou não. Deus precisa estar em primeiro lugar. Este é o primeiro mandamento, que, aliás, frequentemente é quebrado. Por tão pouco, o céu é trocado por esterco. O apóstolo Paulo diz em Filipenses 3:8: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo”. Paulo renunciou “todas as coisas” por Cristo. Colocando numa balança os valores que podemos ajuntar neste mundo e os valores que recebemos do Senhor, podemos concordar com Paulo! Certamente, os valores mundanos são “escória”, “esterco”, “porcaria”, etc.
A lição que fica é que não devemos demonizar as riquezas ou supor que por alguém ser rico, será egoísta. Embora haja muitos ricos maus e egoístas, também há muitos ricos que são modelos de pessoas. Por outro lado, a postura tanto de ricos quanto de pobres em relação às suas coisas é o que realmente define se agradamos a Deus. Não basta parecer bom ou até mesmo ser bom para com o próximo se Deus não está em primeiro lugar. Nossa postura em relação às riquezas deve ser a de jamais amá-las mais do que a Deus. Quando entendemos isso, compreendemos também o que Jesus quis dizer em Mateus 6:19-21. Com esse texto termino a reflexão:
“Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”.
Por John Churchill
Fonte: Reação Adventista